sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

imagemamichai

Carteira de identidade

Registra-me
sou árabe
o número de minha identidade é cinqüenta mil
tenho oito filhos
e o nono… virá logo depois do verão
vais te irritar por acaso?
registra-me
sou árabe
trabalho com meus companheiros de luta
em uma pedreira
tenho oito filhos
arranco das pedras
o pão, as roupas, os cadernos
e não venho mendigar em tua porta
e não me dobro
diante das lajes de teu umbral
vais te irritar por acaso?
registra-me
sou árabe
meu nome é muito comum
e sou paciente
em um país que ferve de cólera
minhas raízes…
fixadas antes do nascimento dos tempos
antes da eclosão dos séculos
antes dos ciprestes e oliveiras
antes do crescimento vegetal
meu pai… da família do arado
e não dos senhores do Nujub
meu avô era camponês
sem árvore genealógica
minha casa
uma cabana de guarda
de canas e ramagens
satisfeito com minha condição
meu nome é muito comum
registra-me
sou árabe
sou árabe
cabelos… negros
olhos… castanhos
sinais particulares
um kuffiah e uma faixa na cabeça
as palmas ásperas como rochas
arranharam as mãos que estreitam
e amo acima de tudo
o azeite de oliva e o tomilho
meu endereço
sou de um povoado perdido… esquecido
de ruas sem nome
e todos os seus homens… no campo e na pedreira
amam o comunismo
vais te irritar por acaso?
registra-me
sou árabe
tu me despojaste dos vinhedos de meus antepassados
e da terra que cultivava
com meus filhos
e não nos deixaste
nem a nossos descendentes
mais que estes seixos
que nosso governo tomará também
como se diz
vamos!
Escreve
bem no alto da primeira página
que eu não odeio os homens
que eu não agrido ninguém
mas… se me esfomeiam
como a carne de quem me despoja
e cuidado… cuida-te
de minha fome
e minha fúria

(Mahmoud Darwish)

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A vida junto da morte

A vida junto da morte
na carcaça de um carro à beira da estrada
você ouve as gotas de chuva na lata enferrujada
antes de senti-las cair na pele do rosto.
Cai a chuva, salvação depois da morte.
Ferrugem mais eterna do que sangue,
mais bonita do que cor de labaredas.
O vento que é tempo, alterna
com o vento que é lugar.
E Deus
permanece na terra como um homem que sabe
que esqueceu alguma coisa
e fica
até lembrar.
E à noite você pode ouvir
como Maravilhosa melodia,
o homem e a máquina,
no seu lento caminho, do fogo rubro
para a paz negra
e daí para a história
e daí para a arqueologia,
e daí para um belo estrato de geologia.
Isso também é eternidade
como o sacrifício humano que virou
sacrifício animal e depois oração em voz alta
e depois oração dentro do peito
e afinal nem oração.

(Yehuda Amichai)

Roubado descaradamente da “caótica” amiga Maira Parula.

2 comments:

Maira Parula disse...

ah, estás cá agora? és um amoire.
bjs saudosos

Sappo disse...

Salve, Salve muchacha linda.

Saudades também. Sabes bem que a Vila Buarque espera por ti há tempos. São Paulo não morde não. Ele é só feia, mas adoravelmente feia.

Jocas imensas.