quarta-feira, 18 de abril de 2007

E quantos Cristianos Ronaldos não ficaram pelo caminho?

Já que há muita gente que só consegue discutir estas questões baseando-se em "casos da vida real", vou pegar no post do João Caetano ali abaixo e virar a questão ao contrário. Dá-se por aí o exemplo do Cristiano Ronaldo que abandonou os estudos* e vai tornar-se em breve num dos jogadores mais bem pagos do mundo, um exemplo de sucesso portanto. Procure-se então o contra-exemplo, quantos rapazes deixaram a escola para se dedicar ao futebol na esperança de ser um profissional bem pago e não conseguiram singrar? Quantos ex-jogadores de futebol juvenil não estarão hoje a trabalhar em bombas de gasolina a respirar octano e a receber pouco mais que o salário mínimo? Ou numa linha de montagem, ou outro qualquer emprego mal pago? E se tivessem continuado os estudos, que empregos teriam hoje esses rapazes? Quanto estariam a receber de ordenado ao fim do mês?

*Em rigor não me parece que o Cristiano Ronaldo tenha realmente abandonado os estudos, a escola oficial sim, mas não os estudos. Dedicou-se (leia-se: especializou-se) desde cedo no estudo de uma actividade profissional para a qual é especialmente dotado, e foi para a Academia de Alvalade. Consta até que continua a empenhar-se obsessivamente no aperfeiçoamento das suas competências, treina compulsivamente.

7 comments:

Hugo Mendes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Hugo Mendes disse...

Eu começo a pensar que estamos perante uma incapacidade nacional de pensar "estatisticamente" (ou matematicamente, ou proabilisticamente): o problema da população portuguesa não é apenas a iliteracia; é também a inumeracia - e este afecta decisivamente muitas das nossas elites, que acham que o facto de a Sophya Mello Breyener ou o José Saramgo (para me referir a um post do Daniel Oliveira no "Arrastão") não terem acabado os estudos é a prova de que estes são irrelevantes. Eu acho este raciocínio verdadeiramente incrível. É que por detrás desses ilustres portugueses que não acabaram os estudos escondem-se - escondem-se mesmo, porque pelos vistos com esses ninguém se preocupa para além dos slogans românticos de esquerda - alguns milhões de portugueses que por terem níveis de escolaridade baixíssimos não podem imaginar vidas diferentes que não passem por empregos mal-pagos e precários. Irritado como estou com tudo isto, apetece-me dizer que a nossa esquerda bem-pensante preocupa-se muito com a precariedade dos professores universitários e outros profissionais qualificados, mas nada com aquela que atravessa a existência dos trabalhadores com menos do 9.º ano. Sobre as prioridades da uma certa esquerda estamos conversados.

Hugo Mendes disse...

"Dedicou-se (leia-se: especializou-se) desde cedo no estudo de uma actividade profissional para a qual é especialmente dotado".

Este aspecto que tu apontas aqui é muito importante e brevemente vou escrever um posto mais longo (talvez no lado b) sobre isto: é que ao contrario do que muitos à esquerda pensam, as sociedades onde há menos desigualdades não são aquelas que conseguiram pôr toda a gente no ensino superior, mas desenvolver inteligentes dispositivos institucionais de educação-formação que permitem que as pessoas tenham formações avançadas especializadas e profissionalizantes. As que se baseiam em estudos gerais para coordenar a alocação dos indivíduos no mercado de trabalho são, pelo contrário, aquelas que permitem maiores desigualdades entre os grupos e os indivíduos.

Isto é muito importante do ponto de vista de uma perspectiva política de desenho das instituições, e para saber para onde vamos e o que queremos (e, consequentemente, para mostrar que estas coisas não passam por estratégias avulsas).

CLeone disse...

Hugo, esse post para o lado b é o tal sobre o supply side e o sistema de ensino anglófono? Espero que sim

Hugo Mendes disse...

Yes.

Zèd disse...

Hugo,
Estou inteiramente de acordo contigo.
O principal argumento nesta questão é também um argumento estatistico e é um que tu postaste aqui no Peão: um licenciado ganha em média ~2,5 vezes mais do que um não licenciado. Isso deveria chegar, mas parece que de facto hà uma incapacidade generalizada em ver as coisas em termos estatisticos, a tal inumeracia (por isso escrevi este post assim).

Recusar a estatistica é esquecer que o Governo deve resolver os problemas não do individuo A ou B, mas de TODOS os cidadãos e para saber quais são os problemas de todos é preciso a estatistica, senão estamos a tratar apenas casos particulares.

Zèd disse...

Ah, claro que também concordo que o sitema de ensino deve diversificar-se nas ofertas que propõe, nas alternativas que explora, conforme o comentário do Hugo acima. Faz todo o sentido que nem toda a gente vá para o ensino superior, até porque nem toda a gente quer ir. Isso não quer dizer que não possam continuar os estudos, e melhorar os seus niveis de qualificação.