terça-feira, 24 de abril de 2007

Outra coisa que eu gostava de ter escrito

Vital Moreira no "Público", a ler com muita atenção:

«(...) Seja como for em tese geral, no caso dos sindicatos de professores, a invocação da defesa da escola pública para justificar e legitimar a sua luta contra as medidas na área do ensino não poderá ser mais contraditória. De facto, toda a resistência sindical tem tido por único e exclusivo fim a defesa das posições profissionais adquiridas, mesmo quando elas conflituam de modo flagrante com a qualidade e a eficiência do sistema escolar. A oposição ao alargamento do horário escolar, às medidas contra o absentismo, às aulas de substituição, à contratação plurianual dos professores, ao encerramento de numerosas escolas com poucos alunos sem as mínimas condições para um ensino de qualidade, etc., essa oposição pode ter toda a justificação em termos de defesa dos "direitos adquiridos", mas não encaixa minimamente com nenhuma ideia de defesa da escola pública.
O mesmo se passa com a rejeição do novo estatuto da carreira docente, que institui dois escalões e estabelece requisitos exigentes de acesso ao escalão superior. Para quem goza da regalia de uma carreira plana, sem provas intermédias e com possibilidade de quase toda a gente atingir o topo da carreira, a mudança para o novo sistema é seguramente uma importante perda. Porém, independentemente da sua configuração prática, o novo conceito é inatacável sob o ponto de vista da melhoria da qualidade do ensino, da remuneração pelo desempenho, da eficiência da escola. Por isso, nesta circunstância, não existe nenhuma coincidência entre interesses profissionais e o interesse do serviço público.
Pelo contrário, como é evidente. As referidas medidas é que podem parar e reverter o caminho de degradação e de abandono da escola pública em favor da escola privada, com prejuízo para as famílias (que tem de pagar as propinas) e para o papel de socialização interclassista e de inclusão e de coesão social que somente a escola pública pode desempenhar. Ao invés das proclamações sindicais, verifica-se um conflito entre a defesa da escola pública e os interesses sindicais.
Existe uma posição de esquerda romântica, segundo a qual, havendo uma convergências histórica entre a esquerda e as lutas sindicais, um Governo de esquerda deve encarar com benevolência e mesmo com complacência as reivindicações sindicais. Numa versão mais radical, vai-se mesmo ao ponto de ver na contestação sindical uma prova incontornável da natureza direitista e neoliberal das políticas impugnadas. Trata-se, porém, de um sofisma político, não somente porque a defesa de interesses sectoriais (sobretudo quando relativamente privilegiados) pode não coincidir com o interesse geral, mas também porque numa paisagem sindical politicamente segmentada e com manifestas articulações partidárias (a propósito, quando é que se retira do princípio constitucional da independência partidária dos sindicatos a incompatibilidade do exercício simultâneo de cargos sindicais e de cargos partidários?), nenhuma razão existe para não distinguir nas lutas sindicais aquilo que são as reivindicações sindicalmente sustentáveis e aquilo que constitui aproveitamento partidário da via sindical. Não é por ser desencadeada pelos sindicatos e não pelos partidos da oposição que a contestação política se torna mais justificável, independentemente dos seus motivos e objectivos. Um Governo de esquerda não pode seguramente contestar o direito de acção sindical, nem o direito à negociação e à participação. Tampouco pode deixar de considerar seriamente os pontos de vista sindicais, quando fundamentados. Porém, como organizações de defesa de interesses profissionais sectoriais, os sindicatos não dispõem de nenhum direito de veto. Para além deles há outros "grupos de interesse" mais vastos, que não têm sindicato que os represente, nomeadamente os utentes dos serviços públicos, que estão interessados em que eles cumpram a sua missão, e os contribuintes, que querem que os dinheiros públicos sejam utilizados de maneira profícua e eficiente. Por conseguinte, a nova guerra da Fenprof é para perder. No conflito entre os interesses profissionais e os interesses da escola pública, o Estado só pode atender aos primeiros sem sacrificar os segundos.»

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