quarta-feira, 2 de abril de 2008

Do uso da Lógica

Há de facto uma curiosa coincidência entre o pensamento reaccionário e o uso bárbaro das regras do raciocínio e da lógica.

Pego na frase certeira de Miguel Vale de Almeida, retirada de um post todo ele excelente. Pensava eu, na minha inocência, que um dos pilares do adquirido civilizacional do ocidente (o tal que está ameaçado de morte pelo relativismo), era o uso da razão, herdado do iluminismo, particularmente de Descartes, isto para não ir mais atrás, até à Grécia antiga.
O uso da razão, tal como é concebido actualmente no nosso contexto particular de mundo ocidental, é indissociável das ciências empíricas e da lógica. É baseado numa observação tão objectiva quanto possível da realidade, e de um tratamento lógico da informação recolhida. Ora aí está uma das coisas mais importantes que aprendi na escola, que se aprende ainda hoje na escola, e que ouso dizer se aprende melhor hoje na escola do que há 40 ou 50 anos (falando particularmente da escola em Portugal). E quando aprendi na escola a lógica formal ficaram-me dois símbolos no espírito que nunca mais saíram: ∃ (quantificador existencial) e ∀ (quantificador universal), o primeiro quer dizer "existe pelo menos um" e o segundo "é verdade para todos". Escusado será dizer que são dois conceitos completamente diferentes, diria mesmo opostos. Por exemplo (escolhido completamente ao acaso): Se visionarmos uma aluna no YouTube a degladiar-se com uma professora por um telemóvel concluímos que ∃"aluna que luta com professora por telemóvel". Se escrevermos um texto inteiro, com base nesse acontecimento, a discutir o estado actual da educação no país, a escola, esta juventude de hoje em dia que já não é como antigamente, etc..., estamos a partir do pressuposto que ∀"aluna que luta com professora por telemóvel". ISTO É OBJECTIVAMENTE UM ERRO DE LÓGICA!
É um erro de lógica, que muita gente ainda comete (como se pôde ver nos últimos dias, semanas, meses, anos, desde sempre). Aqueles que andam para aí a bradar contra tudo e todos, anunciando o fim do mundo, sem o mínimo respeito das regras básicas da lógica, a tal nebulosa reaccionária, afinal ou não aprenderam nada na escola, ou a escola no tempo deles não ensinava tão bem quanto nos querem fazer pensar.

P.S. - Outro exemplo de utilidade prática para quem lê jornais: se ocorreu um crime violento quer dizer ∃"crime violento", falar em onda de criminalidade é mais ∀"crime violento", mais ainda se o crime for cometido por um negro ou um cigano quer dizer que ∃"negro ou cigano que comete crime" não quer dizer que ∀"crimes são cometidos por negros e ciganos" muito menos quer dizer ∀"ciganos e negros são criminosos" (curiosamente quando um crime é cometido por um branco, i.e. ∃"branco que comete crime", a mensagem que passa é ∃"alguém que comete crime", o que nos levaria a outro pressuposto da lógica: a coerência).
É uma questão de lógica, e de aplicar no quotidiano as (poucas) coisas realmente importantes que se aprende na escola.

1 comments:

Fernando Vasconcelos disse...

Subscrevo inteiramente. É difícil argumentar quando se generaliza com base num caso particular.