Indiana Jones, aos sessenta anos, continua a ser o verdadeiro herói. Os «super», como é óbvio, não contam, pese a minha simpatia pelo homem-aranha ou a aura de que Tim Burton conseguiu rodear Batman. Indiana Jones não tem poderes especiais ou mordomo, nem precisa de tê-los. Não é galo de aviário, como Rambo; não possui uma parafernália de armas especiais, como James Bond; não se arma em esquisito, como o Zorro, que não troca a espada por uma pistola nem quando está prestes a apanhar um tiro. Indiana safa-se com o que tiver à mão. Não tem fetiche por mulheres fatais nem tropeça em legiões de mulheres cheias de glamour, estilo bondgirl. A mulher da sua vida, Marion Ravenwood, é campeã de shots; beija-lhe as feridas e manda-o à fava; engravida dele e dispensa-o durante o tempo em que um embrião se transforma em jovem rebelde.
Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal tem sido recebido com alguma condescendência e não há razões para isso. O melhor da saga está lá: o espírito da aventura e os temperos habituais, como os pequenos animais nojentos e a porrada de criar bicho com homens espadaúdos e musculados. Mas a maturidade não se mostra só nos cabelos brancos de Harrison Ford. As personagens evoluem, tornam-se mais densas. Depois da relação com o pai ter sido abordada em Indiana Jones e a Última Cruzada (1989), desta vez o arqueólogo aventureiro reencontra Marion Ravenwood e confronta-se com a existência de um filho ignorado. Os soviéticos substituem os nazis como «maus da fita», mas a coronel Dr.ª Irina Spalko não tem só defeitos – ela é também motivada por um genuíno amor ao conhecimento. A sociedade norte-americana contém, além de «bons tipos» e «bons rebeldes», os vilões que alimentam a «caça às bruxas» do Maccartismo.
Seria abusivo ver neste filme uma pretensão de ser uma metáfora da «crise de civilização», como A Guerra dos Mundos. Mas há nele uma vigilância crítica, uma depuração ou até revisão do sentido da saga que se deve assinalar. A crítica que alguma esquerda fez à série quando apareceu – Indiana Jones como um corsário de tesouros de civilizações exóticas – deixa de fazer sentido. O herói muda de atitude ao devolver a caveira de cristal ao sítio de origem. Os defensores da igualdade de género também não têm neste filme razões de queixa: o papel atribuído à cinquentona Karen Allen destoa, positivamente, do tom de machismo dominante nos filmes de acção mainstream de Hollywood.
Os pseudo-puristas da sagra irritaram-se com a deriva de ficção científica. É não compreender que se trata de mais um regresso de Spielberg no filme de todos os regressos: ao armazém onde ficara encaixotada a «arca perdida»; aos anos 50 da adolescência de Spielberg e de Lucas; ao terror da bomba atómica, que Indiana Jones defronta logo no início do filme; a uma «espiritualidade pop» que alimentou a mística Jedi de A Guerra das Estrelas. Não tendo, como Lucas, imaginado um sistema religioso alternativo, os primeiros filmes de Spielberg eram sensíveis à mística difusa que, deixando de se reconhecer nas religiões instituídas, tomava a busca do além no sentido literal do termo e concebia o seu fim como um encontro com extraterrestres. Era esse o tema de Encontros Imediatos do Terceiro Grau, que Spielberg escreveu e realizou, o primeiro filme dele nomeado para o Óscar de melhor realizador. Nesta perspectiva, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal completa uma saga popular assente em três pilares da sabedoria: a arca da aliança, o Graal e os extraterrestres.
Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal tem sido recebido com alguma condescendência e não há razões para isso. O melhor da saga está lá: o espírito da aventura e os temperos habituais, como os pequenos animais nojentos e a porrada de criar bicho com homens espadaúdos e musculados. Mas a maturidade não se mostra só nos cabelos brancos de Harrison Ford. As personagens evoluem, tornam-se mais densas. Depois da relação com o pai ter sido abordada em Indiana Jones e a Última Cruzada (1989), desta vez o arqueólogo aventureiro reencontra Marion Ravenwood e confronta-se com a existência de um filho ignorado. Os soviéticos substituem os nazis como «maus da fita», mas a coronel Dr.ª Irina Spalko não tem só defeitos – ela é também motivada por um genuíno amor ao conhecimento. A sociedade norte-americana contém, além de «bons tipos» e «bons rebeldes», os vilões que alimentam a «caça às bruxas» do Maccartismo.
Seria abusivo ver neste filme uma pretensão de ser uma metáfora da «crise de civilização», como A Guerra dos Mundos. Mas há nele uma vigilância crítica, uma depuração ou até revisão do sentido da saga que se deve assinalar. A crítica que alguma esquerda fez à série quando apareceu – Indiana Jones como um corsário de tesouros de civilizações exóticas – deixa de fazer sentido. O herói muda de atitude ao devolver a caveira de cristal ao sítio de origem. Os defensores da igualdade de género também não têm neste filme razões de queixa: o papel atribuído à cinquentona Karen Allen destoa, positivamente, do tom de machismo dominante nos filmes de acção mainstream de Hollywood.
Os pseudo-puristas da sagra irritaram-se com a deriva de ficção científica. É não compreender que se trata de mais um regresso de Spielberg no filme de todos os regressos: ao armazém onde ficara encaixotada a «arca perdida»; aos anos 50 da adolescência de Spielberg e de Lucas; ao terror da bomba atómica, que Indiana Jones defronta logo no início do filme; a uma «espiritualidade pop» que alimentou a mística Jedi de A Guerra das Estrelas. Não tendo, como Lucas, imaginado um sistema religioso alternativo, os primeiros filmes de Spielberg eram sensíveis à mística difusa que, deixando de se reconhecer nas religiões instituídas, tomava a busca do além no sentido literal do termo e concebia o seu fim como um encontro com extraterrestres. Era esse o tema de Encontros Imediatos do Terceiro Grau, que Spielberg escreveu e realizou, o primeiro filme dele nomeado para o Óscar de melhor realizador. Nesta perspectiva, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal completa uma saga popular assente em três pilares da sabedoria: a arca da aliança, o Graal e os extraterrestres.
3 comments:
A mim irritam-me é cenas como ter uma máquina monstruosa a abrir caminho na selva, a máquina rebenta mas segue-se meia hora de perseguição pelo que devia ser selva densa, (mas devem ter apanhado a tranzamazónica)...
Isto é estúpido.
Assim como os nativos que só lá estão para pregar sustos ou morrer, sem qualquer relevância para a história.
Não era assim nos outros filmes, que me lembre, e achei aquilo tudo preguiçoso.
Caro I. Rodrigues,
Bom, quanto à representação da selva amazónica, não creio que seja muito realista, mas já os outros filmes da saga tinham liberdades poéticas destas. Para não falar em todas as «liberdades poéticas» dos filmes que inspiraram o Indiana Jones, a começar pelo Tarzan, que aqui também é evocado nos voos pela selva usando as liamas - é impossível alguém crescer «humano» numa selva, criado por macacos, como acontece com Tarzan.
Os nativos são um resquício dos filmes de aventuras clássicos que o Indiana Jones invoca. Chamaram-me mais a atenção os aspectos em que o filme de desvia da matriz original.
correcção «se desvia da matriz».
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