Cidades sem Nome, o título de último livro de Fernanda Câncio, é mais do que uma antologia de crónicas sobre a condição suburbana. A escrita viva e incisiva não só retrata com vigor os múltiplos perfis dessa condição, como fornece os elementos essenciais de como ela é construída no dia-a-dia. A autora descreve-nos quatro territórios distintos - quer na sua geografia e, sobretudo, quer na sua composição sociológica (Brandoa, Bela Vista, Belas Clube de Campo e Vila Franca de Xira). Três ideias fortes e contraditórias me assaltaram (a consciência?) enquanto lia estes textos. A primeira ideia com que se fica é que a condição suburbana - supostamente homogénea –não é mais do que um mito moderno como tantos outros. Quanto muito poder-se-ia falar de ‘condições’ diferenciadas. A segunda ideia (sensação!), que deriva da anterior, é a de espaços cheios de vida, ou melhor, de vidas, que contam a sua versão do bairro por intermédio das suas experiências, vivências, raciocínios e expectativas. A terceira ideia, é a de um imenso desespero que, em certa medida, é também um imenso vazio. Parece contraditório, mas foi mesmo assim que o senti: como é que estes espaços tão cheios de vida podem, ao mesmo tempo, ser tão vazios. O desespero resulta de uma quase permanente sensação de irresolução - do caos urbanístico, da exclusão social, do abandono escolar, da ausência de cidadania, da incapacidade das instituições públicas, etc. – que se transmite a cada testemunho individual ou em cada pequena história colectiva que é contada.
Esse desespero de não haver saída é bem exemplificado neste extracto sobre o bairro da Bela Vista, situado na cidade de Setúbal: «Se há verbo conjugado, nas suas múltiplas declinações, aqui na Bela Vista, é este, desistir. A desistência absoluta de gestão do bairro por parte das entidades proprietárias – primeiro o governo, através do IGAPHE, depois a Câmara de Setúbal. A desistência chega a este ponto de ninguém saber quem vive nestas casas que, construídas com o erário público para funcionar como instrumento de justiça social, se transformaram em mais um gerador de injustiça» (p.61-62). Cheguei ao fim do livro, que curiosamente correspondeu ao fim das minhas férias, com o pulsar de uma quarta ideia: é preciso atribuir um nome (muitos nomes) a estas e outras cidades, e para tal é preciso estudá-las a sério. Não com o mero intuito de produzir mais um relatório (que sempre fica na gaveta) ou um livro (ou muito artigos científicos), mas com um sentido claro na intervenção e no contributo que a ciências sociais poderão dar para uma concreta transformação social que se reflicta na vida daqueles espaços e das pessoas.
1 comments:
Ora aqui está um livro e um post oportunos, que tem a vantagem de recentrar num quadro mais complexo a recente celeuma à volta do B.º da Quinta da Fonte.
Em contrapartida, tem passado despercebido aos polemistas de mesinha de cabeceira o caso do B.º do Aleixo no Porto. Será que é por implicar directamente um dos líderes eleitos da direita? Ou só os 'tiros' mediáticos é que contam?
Um dia destes escreverei sobre o Aleixo, pois merece a pena.
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