As nuvens negras estão para ficar na Bolívia. Uma notícia no Público de ontem refere que o Tribunal Eleitoral da Bolívia rejeitara na véspera o referendo constitucional proposto pelo presidente Evo Morales. Tal referendo visava viabilizar uma nova Constituição, que daria "mais poder aos pobres e à maioria indígena boliviana" e "aumentaria o poder do Estado no controlo da economia". Contudo, a decisão foi tomada por decreto presidencial (de 28/8), em vez de ter subido ao Congresso, daí ter sido considerado ilegal pelo dito Tribunal. Por sua vez, o Governo considerou aquele veredicto "ilegal" e mantém o referendo, procurando assim também superar o suposto impasse criado pelos referendos de 10 de Agosto passado, que confirmaram os mandatos de Morales e de parte dos governadores provinciais secessionistas.
Aqui está um caso de desastre decisional: no conturbadíssimo clima que se vive na Bolívia, em risco de secessão por parte das províncias mais ricas, o Presidente resolve dar um salto em frente, em vez de tentar negociar no local indicado, o Congresso.
Mutatis mutandis, parece assim repetir a actuação da presidente da Argentina, que resolveu avançar com um aumento significativo da taxa sobre exportação de produtos agrícolas via decreto presidencial, em vez de ter suscitado um compromisso parlamentar. Quando, mais tarde, resolveu ir ao Parlamento este já não estava do seu lado, em parte devido à inépcia do seu procedimento.
Os críticos de Morales dizem que há o risco de presidencialização excessiva do regime se o referendo for adiante e aquele triunfar. Se o clima se adensar, a Bolívia pode estar à beira duma guerra civil. A ver vamos no que isto vai dar.
PS: sobre a Bolívia de Morales vale a pena ler "Original mandate for a social revolution: Bolivia's Evo Morales", de Roger Burbach, um texto já de 2006 e que se arrisca a ser mais uma ilusão na complexa teia das relações de poder nas sociedades actuais. Também o Diplô publicou um interessante texto sobre os interesses económicos e sociais em torno do cultivo da coca na Bolívia numa recente edição. Aconselho ainda este texto de Anton Foek. O cartoon é de Khalil Bendib.
2 comments:
Boa, Daniel.
Foste bem preciso na sua análise e o cenário por ti exposto é plenamente possível.
A situação política na Bolívia está bem delicada e torna-se a cada dia que passa mais dramática, com o risco de confronto muito elevado por causa do nível de radicalização de ambas as partes.
O movimento separatista da região conhecida como “Media Luna” existe há vários anos e tem ganhado forte apoio (dos empresários da região e até e internacional) depois da eleição de Evo Morales. Eles têm uma alta capacidade de organização e até uma milícia paramilitar estimada em mais de 10 mil homens, capaz de enfrentar o exército nacional.
Para agravar, há a possibilidade da Venezuela interferir. Hugo Chávez tem investido pesadamente no aparelhamento militar de seu país e só espera por uma “boa oportunidade” para dar uma demonstração de força, o que provocaria, talvez, uma reação da Colômbia.
Enfim, espero estar errado neste meu raciocínio e que Evo Morales tenha uma saída negociada pra promover as reformas (políticas e sociais) necessárias, mesmo porque elas são imprescindíveis às camadas mais miseráveis do país.
Um confronto armado na região só fortaleceria a direita sul-americana. E é exatamente isso que ela quer neste momento.
Essa da milícia paramilitar desconhecia, pensava que tal já só existia na Colômbia.
Concordo contigo, Manolo, só a direita belicosa (mas com muito poder) tem a ganhar com este confronto evitável.
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