domingo, 21 de setembro de 2008

E é assim que percebemos que um pouco de cultura científica e alguns conhecimentos de lógica fazem muita falta

O rigor intelectual do João Miranda não para de me impressionar. Veja-se este post. O sistemas financeiros são sistemas complexos, e não estão suficientemente descritos. OK, se bem que os sistemas complexos sejam normalmente modelizados por equações matemáticas complexas - como o nome sugere - e o post não faça referência ou sequer alusão a esse tipo de sistemas, vamos dar isto de barato. Logo, quando não se conhece um fenómeno o suficiente, a única conclusão possível é que não se podem tirar conclusões. Faz sentido. A única conclusão que se pode tirar é que não pode haver regulação. Desculpem?!?! Pensava eu que não podia tirar conclusões nenhumas do que não se conhece, mas afinal pode. Quão conveniente, não se podem tirar conclusões excepto aquela que nos convém. Corolário Mirandiano: pode e deve deixar-se sem regulação uma realidade complexa que não se sabe como funciona. Estou a ver. E isto porquê. Porque os sistemas complexos, como os sistemas financeiros, que satisfazem os interesses dos participantes e em que os agentes são responsabilizados pelos próprios riscos, produzem um sistema "expontâneo" auto-regulação. Ai produzem? Quem diz? O João Miranda, que na sua infinita sabedoria! Não precisa citar nada nem ninguém, ele sabe e chega. Mas se pensando no assunto não me parece que estes sistemas produzam espontaneamente auto-regulação. Veja-se o exemplo referido aqui em baixo: Um incêndio num cinema, que gera um movimento de massas produto das diferentes acções individuais - ou seja um sistema complexo - o interesse de todos é sair em segurança do cinema, e os agentes são responsabilizados pelo risco que correm, e da pior maneira. No entanto, se deixarmos um cinema em chamas entregue à emergência expontânea de um padrão de auto-regulação sabemos bem qual é o resultado. Pelo contrário se existir uma rígida regulação exterior, estabelecida a priori, como - sei lá - por exemplo um plano de evacuação, o resultado é bem mais satisfatório. Outro exemplo: o tráfico rodoviário. Os agentes são beneficiados se a coisa correr bem, continuam na sua vidinha, e são responsabilizados pelos riscos que tomam, sofrendo acidentes. Pela lógica de João Miranda não é necessário código da estrada, e muito menos polícia. Basta uma meia-dúzia de regras abstractas do género "toda a gente circula pela direita" e emergirão padrões de auto-regulação. Querem fazer a experiência? Na realidade os sistemas de que fala João Miranda geralmente não geram espontaneamente padrões de auto-regulação, pelo contrário é bastante raro. Há inúmeros fenómenos, estudados virtualmente por todas as disciplinas científicas, que podem ser descritos por sistemas complexos. Tomando como exemplo os sistemas biológicos, a sobrevivência do indivíduo é no seu melhor interesse e a responsabilização chama-se selecção natural. No entanto a auto-regulação emerge por tentativa e erro, em que quase todas as tentativas dão em erro. Muito raramente emerge um sistema que por acaso funciona (razão pela qual a evolução biológica é tão lenta). A grande maioria das mutações genéticas que perturbam os sistemas resultam em catástrofes. No modelo Mirandiano, quantos "Crashes" serão necessários até que se produza um padrão de auto-regulação estável?
Os sistemas complexos podem gerar pelo menos dois tipos de cenários para além dos padrões de auto-regulação: as catástrofes, ou seja o colapso puro e simples do próprio sistema como no caso da maioria das mutações, ou os sistemas com uma dinâmica caótica (ver por exemplo este livro, não canso de me repetir). Dos três, na minha humilde estimativa, os sistemas auto-regulados são indubitavelmente o cenário mais improvável.

P.S. - Mas o mais fenomenal é ver João Miranda a perguntar "Qual é a evidência empírica" para não sei o quê. A crise financeira está de facto a ter consequências inesperadas, quem diria que o João Miranda se preocupa com evidências empíricas.

2 comments:

JoaoMiranda disse...

O que eu acho interessante neste seu comentário é que o Zéd não percebeu patavina do post que está a comentar, e no entanto reage de uma forma arrogante ao que não entende.

Zèd disse...

E eu é que sou arrogante?
Mas enfim, a minha arrogância, ou de quem quer que seja, não interessa para o caso. Se não percebo patavina, o João Miranda é livre de me esclarecer, e é muito bem vindo, a caixa dos comentários está aberta.

É muito fácil, e conveniente, dizer que e mercado financeiro é um sistema complexo e que não se conhece o suficiente sobre sistemas complexos para concluir o que quer que seja excepto aquilo que o João Miranda quer concluir: que não se pode regular os mercados financeiros. É fácil mas não tem qualquer consistência lógica.

A tese do João Miranda assenta na afirmação "estes princípios produzem um padrão espontâneo de auto-regulação cuja qualidade é bastante superior à de um regulador com objectivos concretos" (os princípios que regem os sistemas complexos a que se refere).
1) O João Miranda não fundamenta minimamente esta afirmação.
2) Esta afirmação é completamente incorrecta. Quando muito, estes princípios geram ocasionalmente um padrão de auto-regulação estável, mas é raro.

Caro João Miranda, esclareça-nos.