A notícia do Público de ontem, aqui referida pelo Daniel, é daquelas que me tiram do sério. Como não há nada como ir às fontes primárias (coisa que duvido que os jornalistas, autores da notícia, tenham feito) o tal estudo sueco está disponível na íntegra no lado b do Peão. Diz o título da notícia do Público que "variante genética está associada ao divórcio e à infidelidade". É deveras curioso, porque nem a infidelidade nem o divórcio são estudados no artigo (ou pelo menos não são referidos enquanto tal). Pergunta-se, sim, aos indivíduos se tiveram crises conjugais e sentiram a ameaça do divórcio, o que não é bem a mesma coisa (e é muito mais subjectivo). Em relação à infidelidade passa-se o mesmo, não foi perguntado se os homens são infiéis ou não, aplicou-se os resultados de um inquérito sobre a satisfação das mulheres relativamente aos seus maridos. É aliás possível que a taxa de divórcio, e a ocorrência efectiva de infidelidade - o que seria uma análise bem mais robusta - tenham sido analisados, mas talvez por não confirmarem a teoria não tenham sido incluídos (acontece...). Não sabemos porque não é referido. Mas isso nem é o mais chocante. O que me irrita mesmo é que lendo este tipo de notícias o leitor fica com a impressão que os genes determinam tudo: o homem tem a variante do gene RS3-334 logo é infiel e vai divorciar-se, com 100% de probabilidade, não essa variante do gene então é fiel à mulher e casa uma vez para a vida toda, e tem 0% de probabilidade de não o fazer. Lê-se o artigo e vê-se que a diferença é de 15% para 34% (e nem seque se fala de divórcio, mas apenas de crises conjugais). De 0%-100% para 15%-34% vai uma grande diferença. E o que dizer dos 76% dos homens que têm a "mutação da infidelidade" mas não têm crises conjugais?
Aliás, para quem costuma ler artigos científicos salta à vista que este artigo é bem curto, bem preliminar, que fica muito longe de uma análise exaustiva do assunto, contenta-se com umas poucas análises estatísticas. Além do mais cai num erro, a meu ver, muito frequente em estudos de Genética Humana (e aqui entro em detalhes mais ou menos técnicos). Quando se estuda uma dada característica que se quer associada a uma determinada variante genética há sempre uma probabilidade de existir uma correlação entre as duas por mero acaso. Essa probabilidade é pequena e pode ser calculada. Simplesmente aumentando o número de variantes genéticas estudadas aumenta a probabilidade de ocorrer essa mera coincidência, e isso já não é levado em conta. Cada vez que se calcula uma probabilidade de erro, faz-se com se fosse a única variante estudada. Ora, se a probabilidade de se estar errado é apenas de 1% mas forem analisadas 100 variantes distintas, então é bem provável que haja uma correlação por simples acaso. Neste estudo foram analisadas três regiões diferentes do gene em causa, e cada região com muitas variantes (também não é referido o número exacto no artigo, mas andará na ordem das dezenas). Apenas uma variante mostrou uma correlação. Mera coincidência? Eu não apostava um euro...
Finalmente os jornalistas deviam perceber que muitas vezes, por um genuíno entusiasmo com o seu trabalho, o cientista tende a empolar os seus próprios resultados. O jornalista, em vez de relativizar, ainda ajuda mais à festa com sensacionalismo e simplificações grosseiras. E depois dá nisto...
Aliás, para quem costuma ler artigos científicos salta à vista que este artigo é bem curto, bem preliminar, que fica muito longe de uma análise exaustiva do assunto, contenta-se com umas poucas análises estatísticas. Além do mais cai num erro, a meu ver, muito frequente em estudos de Genética Humana (e aqui entro em detalhes mais ou menos técnicos). Quando se estuda uma dada característica que se quer associada a uma determinada variante genética há sempre uma probabilidade de existir uma correlação entre as duas por mero acaso. Essa probabilidade é pequena e pode ser calculada. Simplesmente aumentando o número de variantes genéticas estudadas aumenta a probabilidade de ocorrer essa mera coincidência, e isso já não é levado em conta. Cada vez que se calcula uma probabilidade de erro, faz-se com se fosse a única variante estudada. Ora, se a probabilidade de se estar errado é apenas de 1% mas forem analisadas 100 variantes distintas, então é bem provável que haja uma correlação por simples acaso. Neste estudo foram analisadas três regiões diferentes do gene em causa, e cada região com muitas variantes (também não é referido o número exacto no artigo, mas andará na ordem das dezenas). Apenas uma variante mostrou uma correlação. Mera coincidência? Eu não apostava um euro...
Finalmente os jornalistas deviam perceber que muitas vezes, por um genuíno entusiasmo com o seu trabalho, o cientista tende a empolar os seus próprios resultados. O jornalista, em vez de relativizar, ainda ajuda mais à festa com sensacionalismo e simplificações grosseiras. E depois dá nisto...
2 comments:
Como já disse no comentário no meu post, és mesmo desmancha-prazeres, Zèd.
Então a coisa estava tão composta, e agora vens aí tu desconstruir o que estava tão certinho!
Não há direito!
PS: obrigado pelo teu trabalho de desmontagem, e ainda bem que pus o post em tom irónico, senão também levava com a colher de pau ;)
Digamos que eu não vim estragar nada. Isto é uma ficção, de boa qualidade diga-se, e eu faço apenas um trabalho de análise dessa ficção. Que tal assim?
Mas para salvar um pouco da história, o tal trabalho que tinha sido feito antes com os Arganazes parece bem mais interessante do que este foi publicado agora. Digo isto com cautela, que ainda não li o artigo em detalhe.
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