A propósito dos comentários a esta pergunta (dois posts mais abaixo), gostaria de apresentar uma citação interessante sobre o conceito de exploração. Não me parece que este conceito se tenha tornado arcaico e impróprio para a análise do actual estado do capitalismo. Alguns neo-marxistas como Nico Poulantzas e Olin Wright, continuam a utilizá-lo com pertinência. Aliás, este último estabelece uma distinção interessante entre opressão económica exploradora e não-exploradora.
A exploração económica é uma forma específica de opressão económica caracterizada por um tipo especial de mecanismo através do qual o bem-estar dos exploradores se prende com as privações dos explorados através de uma relação de causalidade. Na exploração, o bem-estar material dos exploradores depende causalmente da capacidade destes para se apropriarem do fruto do trabalho dos explorados. O bem-estar do explorador depende, por conseguinte, do esforço do explorado, e não apenas das privações por este último sofridas.
Numa opressão económica de tipo não-explorador, não se verifica qualquer transferência do fruto do trabalho do oprimido para o opressor; o bem-estar do opressor depende, não do esforço do oprimido, mas antes da exclusão deste no que refere ao acesso a certos recursos. Em ambas as situações, as desigualdades em questão entroncam na propriedade e no controlo dos recursos produtivos.
E. Olin Wright (1994), “Análise de classes, história
e emancipação”, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº40.
A exploração económica é uma forma específica de opressão económica caracterizada por um tipo especial de mecanismo através do qual o bem-estar dos exploradores se prende com as privações dos explorados através de uma relação de causalidade. Na exploração, o bem-estar material dos exploradores depende causalmente da capacidade destes para se apropriarem do fruto do trabalho dos explorados. O bem-estar do explorador depende, por conseguinte, do esforço do explorado, e não apenas das privações por este último sofridas.
Numa opressão económica de tipo não-explorador, não se verifica qualquer transferência do fruto do trabalho do oprimido para o opressor; o bem-estar do opressor depende, não do esforço do oprimido, mas antes da exclusão deste no que refere ao acesso a certos recursos. Em ambas as situações, as desigualdades em questão entroncam na propriedade e no controlo dos recursos produtivos.
E. Olin Wright (1994), “Análise de classes, história
e emancipação”, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº40.
25 comments:
Renato, obrigado pela resposta. Considero o Olin Wright dos poucos autores de matriz marxista com credibilidade e robustez intelectual e empírica. Não sei se hoje ele ainda seria fiel a essa sua proposta (já lá vão quase 15 anos), mas isso não é importante aqui.
Essa definição é interessante, mas tem problemas. De imediato, vejo dois. Primeiro, não define o 'threshold' a partir do qual uma relação envolve exploração ou não. Nesta definição não há possibilidade de procedermos a uma operacionalizaçao do conceito (talvez o faça noutra parte do artigo, não o tenho aqui à mão). Isso cria um problema enorme porque, caso contrário, estamos perante uma situação de aplicação razoavelmente arbritrária.
Agora, quando eu questionava a relevância do um conceito de exploração estava a referir-me à realidade economica que vivemos nos países mais ricos (embora haja franjas do mercado de trabalho mais marginais, claro); com os sistemas de protecçao social existentes, subsidio de desemprego, lei laborais, etc., falar de exploraçao parece-me abusivo e algo despropositado, e por vezes a sua evocação surge dos automatismos dogmáticos do costume. Por rigor de análise, eu oponho-me veementemente aos automatismos. Mas isso não significa que não haja aqui margem de manobra intelectual e empírica para pensar algumas situações à luz da matriz da exploração.
Assim, não duvido que situações de acumulaçao primitiva, como lhe chamava Marx, sejam a moeda corrente, hoje, em vários locais do terceiro mundo. É porque quando falamos de capitalismo, convém não esquecer que falamos de realidade históricas muito diferentes. Nestes paises, pour aller vite, o problema não é admitir que as pessoas possam ser exploradas - porque são-no com toda a probabilidade -, numa realidade semelhante à que Marx; o problema é que, como se costuma dizer, para muitas destas pessoas, miseráveis como são (e muitas delas vítimas de experiencias socialistas do pior género...), pior que ser explorado, é não ser explorado. I.e., pior que a relação mercantil, é ficar fora dos mercados - como bem se vê em África sub-saariana, cujo maior problema é estar fora do sistema mundial de trocas.
Portanto, mesmo se quiseremos admitir que existem tipos de relações marcadas por exploração - o que eu admito, desde que saibamos do que estamos a falar, e as conseguimos definir e identificar -, temos que decidir, normativamente, se a realidade da exploração não acaba por ser melhor, para quem a vive, do que a situação anterior...É que as pessoas não abandonam os campos para acorrerem às cidades hiperpovoadas à procura de um emprego mal pago para serem explorados porque são parvas; elas vão porque são em parte 'empurradas', e em parte porque a cidade oferece oportunidades que estao vedadas no campo. Aqui, eu sei, estamos numa situação do tipo "venha o diabo e escolha." No campo não há futuro; na cidade as condições são o que são, embora signifique uma oportunidade de enriquecimento relativo para muitos. Até Marx reconhecia este efeito emancipatório do capitalismo: o de retirar as pessoas da 'rural idiocy'.
Para o que interessa todo este périplo?: para dizer que, se quisermos aplicar o conceito de exploração, não podemos cingir-nos apenas à caracterízação crítica da situação que definimos como exploradora; precisamos de saber que alternativas existem para aquele que é explorado, que alternativas existem - tal qual como são definidas pelo mercado - para o explorador, e qual as alternativas que, a nível macro, se colocam a uma economia nacional, que pode estar a atravessar transitoriamente uma fase marcada pela normalidade relativa de relaçoes exploratórias.
No mundo dos investigadores, podemos definir e aplicar os conceitos e dizer: isto é 'X', e é mau. Na vida real, o indivíduo pode dizer: sim, é 'X', é mau, mas é melhor do que a minha situação passada 'Y', e ela permitir-me-á, com algum sacrificio, alcançar uma situação futura melhor 'Z'.
Para terminar, e admitindo a relevancia intelectual, ideologica e empirica da categoria de 'exploração', eu não acho que a esquerda precise dela para se definir a ela própria e para perseguir o seu objectivo de reduzir as desigualdades. Porquê? Porque o objectivo de reduzir as desigualdades JÁ contempla o objectivo fazer desaparecer as situações que para alguns serão categorizadas como exploratórias. Reduzir as desigualdades, criando riqueza e atingindo os patamares de riqueza decentemente distribuida numa sociedade prospera visa evidente acabar com ã exploração, e é incompatível com a existência dessa realidade, chamemos-lhe exploração, opressáo exclusão ou whatever. Se definirmos, como o fazes uma politica progressista como aquela que reduz as desigualdades enquanto cria riqueza, então não apenas concordo contigo, como digo que ela é hoje perfeitamente possível. O que não significa que seja fácil ou rápida. É que aqui passamos da definição de objectivos ideologico-politicos para a mobilização de instrumentos de ordem economica, e estes são usualmente bastante mais complicados do que a mera presença e defesa de convicções políticas deixaria supor. E por vezes o que é ideologicamente correcto pode ser economicamente desastroso para aqueles que queremos proteger (isto porque os ricos safam-se sempre - podem simplesmente emigrar)
(épa, desculpa o lençol!)
abraço
Renato, reli a definição anterior e vou tentar explicar onde acho que reside o seu "buraco". :), só para dar um exemplo do que queria dizer no inicio do comment anterior sobre o problema da dificuldade em balizar a aplicação do conceito. Relendo a definição, ela é incrivelmente elástica; se a levarmos à letra, toda a relação laboral é exploradora, porque, no limite, o "bem-estar material dos exploradores depende causalmente da capacidade destes para se apropriarem do fruto do trabalho dos explorados"; repara, Ferguson, e treinador do Man Utd, ou o proprietário americano do clube (nao me recordo do nome), o bem-estar destes senhores "depende causalmente da capacidade destes para se apropriarem do fruto do trabalho" do Cristinao Ronaldo. Ora, segundo o seu novo contrato, ele vai passar a ganhar 30 mil euros por dia, isto é, 900.000 euros por ano. Mas de acordo com esta definição, está uma relação marcada pela exploração: objectivamente, "o bem estar do explorador depende (...) do esforço do explorado". É espantoso que Olin Wright não equacione sequer o facto de o trabalhador explorado seja pago principescamente para contribuir para o bem-estar do seu superior hierárquico o do proprietário da empresa/clube. Este conceito de exploração é taaaaão elastico que não me parece util (pelo contrario, é politicamente perigoso). A não ser que queiramos definir toda a qualquer relação laboral como exploratória - mesmo aquela em que participa o multibilionario Cristiano Ronaldo.
Examinemos o segundo paragrafo. Aqui, o autor contrapoe 'opressao' à 'exploração' do primeiro paragrafo. A diferença é que: "Numa opressão económica de tipo não-explorador, não se verifica qualquer transferência do fruto do trabalho do oprimido para o opressor; o bem-estar do opressor depende, não do esforço do oprimido, mas antes da exclusão deste no que refere ao acesso a certos recursos".
Ora, não há garantia nenhuma que o trabalhador oprimido esteja numa situação melhor que o explorado. Pelo contrario, o facto de ele nao ter acesso a certos recursos pode simplesmente impedi-lo de entrar no mercado laboral, que implica trocar os seus recursos por um rendimento. Esta é a situação do trabalhador africano excluido da globalização dos mercados. Na definição de de Olin Wright, ele não é explorado - ele é oprimido. Ele não contribui p/ o bem-estar do explorado porque não entra em nenhuma transacção com ele; ele simplesmente esta fora dela por ausência de recursos. Ironicamente, podemos concluir nesta lógica que Ronaldo, o explorado, está bem pior que o trabalhador africano, que tem a vantagem (pureza?) de não contribuir para o bem-estar do capitalista. Levando esta lógica ao limite, dado que Olin Wright nunca faz entrar na equação o que o trabalhador PODE GANHAR EM TROCA DESSA CONTRIBUIÇAO PARA O BEM-ESTAR DO EXPLORADO, isto é, o salário (e não esqueçamos o salário do Ronaldo), parece que é melhor ser oprimido do que explorado, dado que pelo menos o oprimido não aumenta o 'welfare' de um putativo explorador. O que é verdadeiramente impressionante é que Olin Wright deixa cair qq noção de GANHO ATRAVÉS DA TROCA, que é a base do crescimento e do enriquecimento mútuo pelo mecanismo de exchange. E por isso, equaciona as coisas em termos de soma nula: dado que na exploração contribuimos para o bem-estar de alguém que vive bem à nossa custa e na opressao isso não acontece, então isto é um convite a sermos antes oprimidos que explorados: coerentemente, mais vale estar fora do mercado (laboral) do que dentro dele, dado que assim, ninguém se 'aproveita' de nós. Mas isto é errado, isto é economicamente errado, porque é pela troca que as pessoas enriquecem. Tudo depende da especificidade e do valor de mercado dos skills trocados. Os do Ronaldo são verdadeiramente sui generis - logo, será pago a peso de ouro. O do trabalhador africano, se emigrar para a Europa, e passar de 'oprimido' a 'explorado' na definição de Wright, será mal pago, porque os seu skills serao muitissimo abundantes: qualquer coisa como a força de dois braços. Por isso, o seu valor de mercado será muito baixo. Talvez ele seja explorado nessas condições - mas o conceito de Olin Wright não ajuda muito a perceber a sua especificidade, dado que ele é tao elástico que, para ser coerente, não pode deixar de meter o multibilionario Ronaldo e o miserável trabalhador emigrado no mesmo saco. Ambos partilham, de facto, a ausencia de capital tal como classicamente definido: mas eles vivem em universos sociais e economicos completamente diferentes. Achar que a ausência de posse de propriedade os aproxima é uma incrivel fantasia marxista que só faziamos bem em meter no baú da história das ideias.
Era por isto que eu pedia uma boa definição de 'exploração': para evitar as rasteiras, intelectuais e políticas, que um conceito como este esconde e que eu tentei aqui desconstruir.
abraço
Hugo, independentemente da elasticidade ou da conceptualização mais ou menos formal do conceito, há uma fronteira que tem de ser definida. Admitir a importância do conceito, é admitir que as relações de produção geram desigualdade no acesso a determinados recursos. E que, basicamente, o forte beneficio de certos grupos resulta em grande medida do desfavorecimento de outros. É essa relação de causalidade (entre o explorador e o explorado) que Wright define.
Também é admitir que só por si o mercado não resolverá esse desequilíbrio e que, sem regulação, os níveis de desigualdade aumentarão ainda mais.
Ou seja, admitir a importância do conceito, é admitir que as desigualdades são social e economicamente produzidas e não representam, por isso, um mero resultado relativamente ao melhor ou menor desempenho dos indivíduos ou grupos no mercado. Quanto a mim, a construção de uma política económica de esquerda passa pela assunção desta distinção.
Agora é aminha vez de de fazer uma observação editorial:)
Estes comentário davam bons posts. Já na caixa de comentários há uma referência ao supply side que me lembra um post anunciado para o ladob, acho.
Esqueci-me de dizer que concordo genericamente com o Hugo, só que gostava de observar que no caso do Ronaldo parece-me que é o trablahador a explorar o capitalista, com a ameaça de levar o trabalho para outro lado. Vantagens da globalização, apesar de também ser (suspeito) indicador da sobre-exploração do capital pelo trabalho, pois nenhum trabalhador consegue jsutificar tanto rendimento.
E a respeito do meu post no ladob, que o Hugo associa a esta discussão no post dele, observo que o problema da causalidade está presente nesta tese do Renato:
«admitir a importância do conceito, é admitir que as desigualdades são social e economicamente produzidas e não representam, por isso, um mero resultado relativamente ao melhor ou menor desempenho dos indivíduos ou grupos no mercado». Disse ««por isso»? Eu penso que o desempnho é que é a produção social, mesmo sendo necessário associá-lo a outros factores.
Se ao exemplo anedotico do Ferguson e do Ronaldo, acrescentar-mos os apanha bolas, os massagistas, os homens e mulheres que limpam o estadio, que vendem os bilhetes, que vendem as cervejas, que cuidam da relva, que fazem a publicidade, que guiam os autocarros do clube, que fazem o secretariado, todos os que nao sao milionarios mas que sao excluidos de consideracao, e esquecidos? Nao havera relacoes de exploracao quando a rede se entende na sua total extensao? Nao havera relacoes de PRIVACAO?
Claro que sim, embora me pareça que esses exemplos não são os melhores (jogadores dispensados, talvez). E convém não esquecer que a privação é em geral relativa.
A questao fica talvez assente sobre o que esta' a ser produzido: um espectaculo de futebol ou um pontape na bola?
o espectáculo faz-se de jogadores
se se faz de jogadores, porque e' que as pessoas nao pagam o mesmo para os ver a fazer uma peladinha na praia, entre as dunas?
pq eles só jogam em campo, a troco de dinheiro, até por razões de espectacualridade. Se duvida, pergunte ao Ronaldo.
Note: eu concordo que a exploração existe. A questão diz apenas respeito ao uso simplificador, ou não, do conceito de exploração. Bilheteiras há para a bola como para a ópera, isso não diz nada sobre um ou outro show em particular, só sobre o sistema económico em geral. E acontece que eu não conheço outro mais progressivo que o liberal, pelo menos que resulte economicamente e não prescinda de liberdades individuais. Os funcionários das bilheteira não são esquecidos, recebem salário, nem explorados, trocam o seu trabalho por dinheiro fixado pelo mercado e pelos poderes públicos (salário mínimo, pelo menos). Pode ser pouco, mas a liberdade pessoal ao seu dispor para mudarem de vida (e de «desempenho») não lhes é retirada por nenhuma exploração. O problema surge quando alguma pressão sobre o trabalhador se torna ilegítima (problema político, de justiça) ou quando o vencimento deste excede a sua produção (como fatalmente o Ronaldo irá descobrir quando perceber que devia ter negociado a sua posição como ponta de lança em vez de extremos na equipa, em vez de se preocupar tanto com o cash...)
"Eu penso que o desempenho é que é a produção social, mesmo sendo necessário associá-lo a outros factores".
Ao encarar o desempenho como uma mera produção, independente dos factores e dos contextos económicos e sociais, estás de facto descurar qualquer relação de causalidade.
A relativização das condições socio-económicas da produção leva naturalmente à seguinte constatação:
"Os funcionários das bilheteira não são esquecidos, recebem salário, nem explorados, trocam o seu trabalho por dinheiro fixado pelo mercado e pelos poderes públicos (salário mínimo, pelo menos). Pode ser pouco, mas a liberdade pessoal ao seu dispor para mudarem de vida (e de «desempenho») não lhes é retirada por nenhuma exploração".
Ou seja, leva à absolutização da liberdade individual. Como se esta não dependesse de mais nada senão da vontade (livre) de cada sujeito em querer mudar o seu desempenho e, portanto, o seu futuro.
Face a esta perspectiva, eu continuo a preferir, sem dúvida, alguma causalidade determinista.
"E acontece que eu não conheço outro mais progressivo que o liberal, pelo menos que resulte economicamente e não prescinda de liberdades individuais." A inexistencia de alternativas nao torna este sistema equitativo.
"Os funcionários das bilheteira não são esquecidos, recebem salário, nem explorados, trocam o seu trabalho por dinheiro fixado pelo mercado e pelos poderes públicos (salário mínimo, pelo menos)."
Isto para mim parece negar a questao em vez de lhe dar resposta. Sera que o mercado e os servicos publicos sao garantes suficientes para uma relacao laboral simetrica, e negocialmente justa? E as relacoes legais, so porque existem sao justas? A escravatura era legal e mercantil, tal como e' a prostituicao em alguns paises, tal como e' o "guest labor". Deviamos examinar como as relacoes de mercado determinam a distribuicao dos recursos e so nesse plano podemos dizer se existe progressismo e justica. Alias e' isso que faz o Olin Wright nos seus inqueritos de classe.
"Pode ser pouco, mas a liberdade pessoal ao seu dispor para mudarem de vida (e de «desempenho») não lhes é retirada por nenhuma exploração." Isso assume que ha alternativas e mobilidade social. Ha emprego e carreiras abertas para todos? Pode um assalariado da Phillips tornar-se empresario do textil?
Renato: não estou a descurar, mas a diferenciar - par arelacionar, como deixei claro; quanto à liberdade inidividual, por o ser nunca é absoluta; mas de facto é de uma preferência por um determinismo que se trata, não contesto.
A. Cabral: ha alternativas, mas são piores; isso torna este sistema(temro a discutir...) menos mau que o resto, ie, mais progressita; e claro que o devmeos examinar e mudar (Marx!), quem diz o contrário? eu?; não há emprego e carreira apra todos nos entido pré-feitas, mas ninguém obriga o assalariado da Phillips a sê-lo para sempre, e ninguém o impede de ser empresário do textil ou do que ele quiser. A mim, quem me impede de ser empresário sou eu...
a Ambos: obrigado pela companhia, agora estou de saída
"isto porque os ricos safam-se sempre - podem simplesmente emigrar."
Deixem-me desmentir uma vez mais esta "ameaca" que pesa sobre as nossas cabecas se, ai de nós, tentássemos qualquer coisa que os ricos nao gostassem. Enquanto lhe continuar a ser rentável esta ficará. Nao penses que foge ao primeiro susto. Há sempre uma margem razoável...
Mais discussao em:
http://obitoque.blogspot.com/2007/04/polticas-de-esquerda.html
Sai o Carlos, entro eu, que só agora chego para prosseguir esta discussão.
Renato: acho que percebeste o que eu queria dizer na minha análise da definição do Olin Wright. E o que eu queria dizer é que esse conceito de exploração sofre de um irremdiável "overstretching". Os conceitos devem servir para analisar realidade balizadas e permitir julgamentos justificados, e não apenas legitimar alguma foclore ideológico. Precisamente, onde entram os conceitos, o forclore ideológico fica à porta (o que não quer dizer que fica a ideologia à porta: simplesmente entramos num patamar diferente de exigência). Por isso, se dizes que "independentemente da elasticidade ou da conceptualização mais ou menos formal do conceito, há uma fronteira que tem de ser definida", em não discordo, pelo contrário: apenas digo que a fronteira definida pelo Olin Wrigt é tão vaga ao ponto de ser inexistente. Aliás, segundo ele não pode deixar de haver exploração, toda a relação de troca é exploratória, e quando nao é exploratória, é opressora. Mais: o que ele diz aplica-se também ao sistema socialista (uma das coisas boa do grupo do marxismo analitico com quem o Olin Wright privou deve-se ao facto de em muitos campos analisarem simetricamente o capitalismo e o marxismo, para não caírem em conclusões ingénuas). Portanto levemos isto até ao fim: se uma relação de troca é exploratória se envolve o mercado, e é opressora se não envolve o mercado, então caramba, eu não sei o que havemos de fazer. É que não há nada de bom, não há possibilidade de produzir e construir coisas novas que não implique uma perda para alguém ou para a maioria. Já expliquei lá acima porque considerava que toda a sua definição assenta na ideia de relação de soma nula, e esquece a ideia básica de ganhos comuns (mesmo que não simétricos; mas eles podem ser justificadamente assimétricos, é preciso é introduzir critérios de justiça que legitimem as desigualdades, pelo menos até um certo nível). Nada do que eu disse foi rebatido lá acima em concreto.
Quando escreves: "Admitir a importância do conceito, é admitir que as relações de produção geram desigualdade no acesso a determinados recursos", a verdade é que podemos perfeitamente admitir que as relações de produção geram desigualdade no acesso a determinados recursos sem que o conceito de "exploração" seja necessário. Pode ser ou não, dependendo, por exemplo, do grau dessa desigualdade, ou do grau do trabalho envolvido, comparando com o rendimento que o trabalhador retira. Um trabalhador A que fica a dormir o tempo todo enquanto o trabalhador B faz o seu trabalho e o do seu colega devem receber o mesmo? Se sim, não é o trabalhador B que 'explora' o trabalhador A, em vez de serem os dois explorados pelo seu patrão (isto é um exemplo para mostrar a potencialmente infinita complexidade destas coisas, se as queremos levar a sério)? Estes são critérios que podem ser articulados para criar um conceito razoavel de "exploração". Mas a definição do Olin Wright não nos ajuda nada,mas mesmo nada, a ir neste sentido. Acho mesmo que esta definição assassina qualquer utilidade do conceito, e é por isso contraproducente.
"E que, basicamente, o forte beneficio de certos grupos resulta em grande medida do desfavorecimento de outros."
É verdade: mas eu peço sempre às pessoas para verem a economia num sentido dinâmico. É que olharmos um sistema económico como algo estático não faz juz à realidade. Se a relação não for excessivamente assimétrica - ou seja, a assimetria EM SI não é nem pode ser sinónimo de exploração -, então o grupo que está em baixo pode vir perfeitamente a enriquecer e no futuro a vir a ser mais rico que o seu parceiro da troca inicial. Basta olhar para a história para encontrarmos exemplos (e também o exemplo inverso: quem não enriquece é quem não entra nos mercados. É isto preferível?).
"Também é admitir que só por si o mercado não resolverá esse desequilíbrio e que, sem regulação, os níveis de desigualdade aumentarão ainda mais."
Mas alguém pugnou aqui pelo "laissez faire" em estado puro?
Para o A.Cabral:
"Se ao exemplo anedotico do Ferguson e do Ronaldo"
Se ele é anedótico, então eu posso simetricamente dizer que a definição de exploração dada é também anedótica, porque o exemplo encaixa perfeitamente na definição.
"Nao havera relacoes de exploracao quando a rede se entende na sua total extensao? Nao havera relacoes de PRIVACAO?"
Possivelmente, sim, mas então para isso precisamos de um conceito de exploração melhor, mais fino. E mostrar também que as pessoas nesse sentido "exploradas" estão pior do que deviam estar. Esta comparação - a ideia, como lembrou o Carlos, de que a privação é relativa - deve-nos fazer recordar que a ultima definição em voga de exploração pelo grupo do marxismo analitico colocava a ênfase precisamente nesta questão: os trabalhadores são explorados neste sistema (ou cadeia de relações) se houver um sistema em relação ao qual a sua posição fosse melhor, comparada com a actual, melhor. Em caso contrário, não haveria exploração. Esta é uma definição relativa de exploração, e parece-me muito mais relevante e precisa. Mas se calhar muito menos abragente do que algumas pessoas gostariam que ela fosse.
"Sera que o mercado e os servicos publicos sao garantes suficientes para uma relacao laboral simetrica, e negocialmente justa? E as relacoes legais, so porque existem sao justas? "
Estamos perante o mesmo problema, agora inverso: em vez de teres que apresentar uma definição de "exploração", tens aqui de definir o que é uma relação laboral "simétrica" ou "justa". E, por favor, não numa fórmula matemática :). Se a definição do Olin Wright tivesse sido apresentada numa fórmula esta discussão em torno dela não tinha tido lugar.
"Isso assume que ha alternativas e mobilidade social. Ha emprego e carreiras abertas para todos?"
Isso não é um critério sensato. Nenhum sistema social poderia funcionar dessa forma, tal como o (vagamente) comunismo imaginado pelo Marx não podia existir. Esse tipo de questões apoiadas em ficções desse tipo não levam a lado nenhum; ou melhor, levam: a rejeitarmos todas as propostas de sistemas - porque não os sabemos avaliar enquanto sistemas necessariamente imperfeitos, sendo uns melhores e outros piores - sem nunca encontrarmos 'O' sistema, e a acabarmos num beco, normativa e politicamente, sem saída.
"Deixem-me desmentir uma vez mais esta "ameaca" que pesa sobre as nossas cabecas se, ai de nós, tentássemos qualquer coisa que os ricos nao gostassem. Enquanto lhe continuar a ser rentável esta ficará."
O cão não morde sempre que ladra: diz-nos que apenas que pode morder. E afinal de conta estás-me a dar razão quando dizes que "Enquanto lhe continuar a ser rentável esta ficará". Pois ficará; quando deixar se ser rentável, vai-se embora. A questão aqui nem sequer era essa, de tão óbvia. A questão é o que acontece aos que 'cá ficam'. E essa, também me parece, é razoalvemente obvia.
Pronto, o exemplo nao e' anedotico e a relacao de "producao" entre o Ferguson e o Ronaldo e' paradigmatica. A industria no Vale do Vouga segue as mesmissimas regras que a gestao do Manchester United, o processo productivo e' altamente comparavel. E o Olin Wright fala em exploracao ele esta mesmo a referir-se aos salarios milionarios dos desportistas de topo.
Esta e' a danca da negacao em todos os quadrantes:
Primeiro aceitas a definicao do Olin Wright e desencantas o exemplo do Ronaldo para a ridiculizar.
Eu ofereco um exemplo proximo mas que recupera o sentido do Olin Wright, e ja negas a definicao apriori e pedes-me uma nova.
Eu aponto que o explorado ao contrario do explorador tem um leque limitado de escolhas e aceita a relacao de exploracao (o aparenta sanciona-la). Tu achas que nenhum sistema social podia existir com vastas escolhas. Portanto nem opinas sobre se isso ocorre ou nao, mais uma vez saltas sobre a questao. E entretanto, sugeres que e' uma proposta marxista, mas se leres o John Rawls veras que nao e'.
Se a mobilidade e' uma impossibilidade formal e social, entao nao ha debate, nao ha esquerda ou direita. Cada um nasce e morre no sitio onde caiu.
Hugo, parece-me que a tua análise sobre a obra de Wright é um pouco maniqueísta. Como sabes ele não vê as desigualdades sociais como um dado absoluto e estático. Por exemplo, a noção de lugar contraditório de classe enquadra precisamente uma série de aspectos paradoxais, entre os quais a possibilidade de o mesmo indivíduo poder acumular a posição de explorado e de explorador. Por outro lado, a visão de Wright sobre os modelos de estratificação social é mais complexa relativamente ao marxismo clássico. Em certo sentido há uma aproximação à perspectiva webberiana que inclui o mercado como um elemento central na análise das desigualdades sociais. De qualquer modo, não deixa de ser sintomático o facto de Wright não ter deixado cair o conceito de exploração, que, em seu entender, continua a ser o resultado mais brutal das relações de produção. Podemos levar o conceito até às últimas consequências até nos parecer ridículo. Mas em última instância todos os conceitos são uma artificialização. Como dizia Nietzsche num texto que gosto muito: «todo o conceito emerge da igualização do não igual. Tão certo como uma folha nunca é completamente igual a outra, assim também o conceito de folha foi formado graças ao abandono dessas diferenças individuais».
"Pronto, o exemplo nao e' anedotico e a relacao de "producao" entre o Ferguson e o Ronaldo e' paradigmatica. A industria no Vale do Vouga segue as mesmissimas regras que a gestao do Manchester United, o processo productivo e' altamente comparavel"
Não percebeu o uso do exemplo: ele serviu para mostrar que, se à luz da definição do Olin Wright, esta relação é de exploração, ENTÃO QUALQUER OUTRA RELAÇÃO EM QUE O ASSALARIADO NÃO RECEBA A QUANTIDADE DE DIHEIRO QUE AUFERE O RONALDO É EXPLORATÓRIA (incluindo qq outra do Vale do Ave), pelo que este conceito não serve para distinguir o trigo do joio. Acabamos por concluir que não há hipótese de nao haver uma relação economica que não seja ou exploratória ou opressora. Isto é inaceitável.
"E o Olin Wright fala em exploracao ele esta mesmo a referir-se aos salarios milionarios dos desportistas de topo."
Pois então eu pergunto qual é utilidade de um conceito deste tipo que mete no mesmo saco o trabalhador que vive com menos de um dólar por dia e o Cristiano Ronaldo. Acha que isto faz ALGUM sentido? Honestamente, eu acho que isto adquire contornos fantasiosos.
"Eu aponto que o explorado ao contrario do explorador tem um leque limitado de escolhas e aceita a relacao de exploracao (o aparenta sanciona-la)."
O "explorador" tem limitações também, ainda que, tipica e idealmente, menos que o trabalhador. Mas isto é empiricamente variavel; por ex., se os trabalhadores se associarem podem impor regras que limitam a margem de manobra do "explorador". E não sancionei relação de "exploração" nenhuma - quanto mais não seja porque estamos a utilizar uma palavra que ninguém sabe muito bem o que quer dizer (e porque discordo de uma definição tão vaga que cabe tudo lá dentro).
"Se a mobilidade e' uma impossibilidade formal e social, entao nao ha debate, nao ha esquerda ou direita. Cada um nasce e morre no sitio onde caiu."
A mobilidade social é impossibilidade???....não percebo como é que se pode dfizer uma coisa destas com se há um mínimo de conhecimento do processo de alteração da estrutura social nos últimos 2 séculos...Entre a escravatura, a relação feudal e estrutura RELATIVAMENTE aberta de uma sociedade democrática não há diferença, pois não?...
"Tu achas que nenhum sistema social podia existir com vastas escolhas. Portanto nem opinas sobre se isso ocorre ou nao, mais uma vez saltas sobre a questao. "
Não disse tal coisa. Disse que todos os sistemas sociais impõem constrangimentos e hierarquias. As sociedades de capitalismo de bem-estar são as que até hoje, mais vastas possibilidades abriu. Ou vai negar isto agora também?
Renato, concordo com muito do que dizes, o que é necessário é estabelecer uma diferença importante: uma coisa é a interessante análise de classes do Olin Wright, muito mais complexa do que o marxismo clássico e incorporando ideias centrais de Weber, outra coisa é o que acontece quando ele poe o chapéu de filósofo político e procura definir 'exploração'. A qualidade da análise de classes não depende em nada da sua definição de 'exploração'; posso reconhecer muitos aspectos da primeira sem comprar o resto.
"De qualquer modo, não deixa de ser sintomático o facto de Wright não ter deixado cair o conceito de exploração, que, em seu entender, continua a ser o resultado mais brutal das relações de produção."
Não vou entrar mais nesta discussão. Tenho para mim claro que um conceito que não é capaz de distinguir a situação de um desportista pago a peso de ouro de uma série de milhões de outros tipos de relação economica é um mau conceito, e neste caso legitima más (opiniões) políticas. Se o Wright nao o deixa cair é, provavelmente, por puro romantismo. Isto em nada reforça ou fragiliza o seu conceito.
Agora, uma coisa é ridicularizar um conceito, outra é levá-lo às ultimas consequencias; a primeira usa a metáfora até ao limite e destrói o conceito; a segunda leva-o a sério e analisa-o finamente. Estás-me a imputar a primeira coisa, quando eu fiz a segunda. Não consigo perceber como é que as pessoas acham esse conceito de exploração em particular defensável. Com isto reafirmo que a exploração pode muito bem existir em certas condições, mas perdemos qualquer capacidade de as compreender se usamos um conceito cuja consequencia é esta: a única alternativa a uma relação económica exploradora ou opressora é, a meu ver - nao estou a ridicularizar, pelo contrário, estou a levar o conceito muito a -, sério - a não existência de relação económica "at all". É o que se passa numa economia de subsistência.
Se não, então Olin Wright - ou qq outro - tem que dizer QUANDO, E SE PODE EFECTIVAMENTE HAVER relações económicas NÃO-EXPLORATÓRIAS. Quando soubermos traçar a linha, então a discussão pode continuar.
Hugo, ve por exemplo o caso da Venezuela. Os ricos continuam por que nao se podem ir embora. A maior parte desses ricos tem as coisas em bens que nao podem simplesmente pegar e ir embora!
Ahhh, a Venezuela, esse grande exemplo, a vários níveis, para a humanidade...
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