"O que há de insuportável neste debate [sobre o aborto] é a hipocrisia com que se defende a vida e se ignora a realidade social, o sofrimento, a discriminação."
Teresa de Sousa, PÚBLICO, 30-01-2007
terça-feira, 30 de janeiro de 2007
Ora por uma vez estamos de acordo
Posted by Hugo Mendes at 11:59
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Os argumentos utilizados pelos defensores de ambas as partes no referendo de 1998 são em tudo idênticos aos que são utilizados hoje para o novo referendo. Outra coisa não seria de esperar, o que está em jogo é o mesmo. No entanto, se os resultados e a mobilização verificados em 1998 não tiveram o condão de retirar Portugal do subgrupo dos 4 entre os 27 países da UE em que ainda se perseguem as mulheres que interrompem voluntariamente a gravidez (Portugal, Irlanda, Malta e Polónia), a opinião pública portuguesa ficou mais atenta e sensibilizada para esta problemática.
Todos nos lembramos dos argumentos dos partidários da penalização de então, avivados e repetidos agora, as propaladas políticas “pró-vida” e o deserto e retrocesso sociais que vieram depois, tanto por aquelas políticas de apoio à maternidade terem primado pela ausência, como pelo extremar, no discurso e na prática, da defesa de um modelo económico que em nada beneficiam a maternidade: a contenção salarial, as políticas laborais entretanto adoptadas que favorecem vínculos contratuais menos estáveis e o aumento do horário semanal de trabalho são tudo menos “pró-vida”. Produzem instabilidade e deterioração das condições de vida das famílias e, como tal, condicionam a natalidade. O mesmo se aplica ao encerramento de hospitais, maternidades e escolas, mais longe de todos hoje que em 98.
Nestas condições, como entender aqueles partidários do Não, fervorosos adeptos da Vida com maiúscula, se as políticas que defendem condicionam uma Vida, que se quer com maiúscula também, das famílias portuguesas? Que esperar de belos discursos inflamados, réplicas reavivadas agora dos discursos da campanha de 1998, se o que assistimos depois do conhecimento dos resultados foi precisamente uma deterioração das condições que favorecem a natalidade? Como conciliar a defesa de um mercado selvagem com natalidade?
Finalmente, será que aqueles senhores fazem depender a sua benemérita intervenção na sociedade portuguesa da manutenção da penalização da interrupção voluntária da gravidez? O que aconteceu depois do Não de 98, o deserto social atrás referido, demonstrou a todos que a penalização apenas resulta no favorecimento do aborto clandestino. Resta-nos esperar que com a despenalização se verifiquem, não apenas no discurso, também na prática, todas aquelas políticas prometidas que promovam uma vida digna aos portugueses. Pró-vida, de facto, que os bebés não nascem do nada, nascem no seio das famílias, ser pró-vida não pode resumir-se a uma mera declaração de intenções escudada e garantida numa penalização absurda.
Não acho que o debate sobre a relação do aborto com a natalidade seja útil ou relevante, empírica ou normativamente, tanto ao 'Sim' como ao 'Não'.
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