domingo, 7 de janeiro de 2007

Qual o tempo dos peões que hão-de vir?

Noutros tempos, interessei-me pela obra do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987). Apresentei, em trabalho académico, uma leitura crítica da génese e estruturação do luso-tropicalismo, desde Casa-grande & senzala (Rio de Janeiro) até O luso e o trópico (Lisboa, 1961), e analisei a recepção daquela doutrina em Portugal e as apropriações a que foi sujeita pelo Estado Novo. Não obstante aquilo que me separa de Freyre em termos políticos e ideológicos e as reservas que a sua doutrina me merece no plano científico, sempre admirei a sua escrita, perspicácia e imaginação. Tem a capacidade de nos surpreender e desafiar. Obriga-nos a pensar, sobretudo porque o que nos diz ecoa em impressões muito enraizadas e generalizadas.
A propósito do tempo, Freyre volta a discorrer sobre a excepcionalidade ibérica. No livro O Brasileiro entre os outros Hispanos (Rio de Janeiro, 1975), desenvolve o argumento de que os povos ibéricos teriam um sentido próprio de tempo, mais semelhante ao dos povos orientais e diferente do dos norte-europeus. O tempo como vida e não o tempo como dinheiro («time is money»), bem precioso e escasso. O desprezo pelo tempo cronométrico, pela hora exacta dos britânicos seria característica e virtude dos hispanos. Ao tempo dos negócios, contrapunham o tempo do ócio. Esta atitude em relação ao tempo era marcada pelo mito, pela religião, pelo folclore, o que lhe conferia uma enorme capacidade criadora e criativa. O hispano teria assimilado expressões de uma filosofia de espaço-tempo não-europeu.
«Isto é aquilo que vier a ser» – responde o pintor a Dom Quixote, quando este lhe pergunta o que está a pintar. Esta fórmula, segundo Gilberto Freyre, caracterizaria a maneira de estar dos povos ibéricos, a sua capacidade de improvisação, a sua tendência para procurar novas cores e formas de homens e de culturas. "Dando-se tempo ao tempo, sem pressa e sem cálculo" (1975: 7).
Tudo indica que a maioria dos peões que se propõe participar neste blogue partilha de uma concepção de teeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeempo longo. Resta-me uma curiosidade: Trata-se de pensar longamente antes de cada jogada? Ou de viver intensamente fora do tabuleiro?
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Imagem: Salvador Dalí, La Persistencia de la Memoria (1931). Museu de Arte Moderna - Nova Iorque.

1 comments:

cristina disse...

«Tudo indica que a maioria dos peões que se propõe participar neste blogue partilha de uma concepção de teeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeempo longo.» - Isso é consequência do que dizes antes, só porque somos ibéricos, ou estás a extrapolar mais alguma coisa?

Quanto às questões finais:
o meu tempo longo é mais um estou à espera da vontade para pensar no que devia, e, portanto, aproveito a espera para dar umas voltas fora do tabuleiro =)