Relativamente aos tumúltos da semana passada na Gare du Nord ficou no ar questão "como é que da interpelação de um passageiro sem bilhete se passa a uma situação de motim generalizado?". Já agora pode ver-se o depoimento do passageiro em questão, Angelo Hoekelet. Como seria de esperar é bastante diferente da versão oficial, e mesmo sem atribuir mais credibilade a esse depoimento do que às outras versões, mas simplesmente comparando-as, percebe-se talvez algumas coisas. Um detalhe importante em que as várias versões convergem é que os confrontos começaram imediatamente no momento da detenção de Angelo Hoekelet. O que leva um certo número de passageiros do metro a envolver-se numa confrontação com a Polícia quando vêm um individuo violento ser detido? A explicação rápida (talvez demasiado) que ouvi a um francês foi simplesmente que vendo um negro ser preso os outros negros ou banlieusards utentes do metro vieram em seu auxílio. Para além levemente racista (no mínimo) não cola muito com a realidade. Interpelações como esta são frequentes, se fosse por simples solidariedade de cor haveria motins todas as semanas. Imaginar que numa situação "normal", em que há um clima de confiança nos agentes da autoridade, e estes cumprem exemplarmente a sua função, os transeuntes vão defender um infractor apanhado em flagrante delito simplesmente porque ele é negro, é absurdo. Além de absurdo não coincide com os testemunhos de quem presenciou os acontecimentos. Pode até ter havido solidariedade de banlieusards para com Angelo Hoekelet pelo facto dele ser negro, e isso ter desencadeado os confrontos, mas não se trata da tal situação "normal". Há pelo menos dois factores que, na minha opinião, são cruciais: uma intrevenção violenta da Polícia durante e depois da interpelação de Hoekelet, e um clima de desconfiança dos jovens da banlieue em relação à Polícia.
Na detenção de Angelo Hoekelet, é referido por vários testunhos, é usada foça excessiva. Segundo o próprio talvez por razões fúteis, como razões pessoais por parte dos fiscais do metro (que alegadamente até eram conhecidos). Talvez tenha sido uma operação de controlo que se descontrolou, e os primeiros intervenientes perderam mão na situação. Mas é depois desse primeiro momento que a situação se agrava (segundo os mesmos testemunhos), porque, quando se impunha um apelo à calma, há várias investidas da Polícia de Choque (os CRS) perfeitamente desproporcionadas. E aqui não se trata de um simples acontecimento que foge do controlo, é a execução de um plano elaborado para este tipo de situações que faz parte de uma política de repressão da violência, com o nome sugestivo de Vigipirate. Ou seja, é a aplicação no terreno de uma vontade política, numa de lógica responder a estas situações de uma forma repressiva, com demonstrações de força. O resultado prático foi o desencadear uma resposta violenta por parte de grupos de jovens que se encontravam na Gare du Nord. A vontade política vem de quem foi o ministro das polícias nos últimos anos, Nicolas Sarkozy.
Em relação ao clima de desconfiança por parte dos jovens das banlieues relativamente à Polícia, é um facto que se tem vindo a detriorar como consequência destas políticas repressivas. Duvido que as relações entre uns e outros alguma vez tenham sido boas, mas agora é de alguns representantes de polícias que vêm sinais de preocupação e apelos ao diálogo. Por exemplo o sindicato de polícias SGP-FO, fez um inquérito em 2005 para o qual obteve cerca de 5000 respostas; 76% dos polícias inquiridos acham a relação com as populações se detrioraram nos últimos anos, e 90% acham que a relação com os jovens se degradou (fonte Metro, edição impressa). São os próprios polícias que reconhecem um agravamento da situação. Acrescente-se ainda que com Nicolas Sarkozy se acabou com a Polícia de proximidade, que tinha por objectivo garantir uma boa relação com as populações.
Parece-me óbvio que as causas primeiras da violência urbana são sociais, e não a política de segurança. Há os problemas de integração e as condições socio-económicas em que se vive nas Cités (e como se chamam por aqui os Guetos dos subúrbios, de onde vem a violência), que podem explicar as causas do fenómeno. Mas uma política repressiva, que é discriminatória, e aponta os que já são excluidos como sendo os inimigos, é pura provocação. E é atear o rastilho de um barril de pólvora que está à espera de explodir. Nicolas Sarkozy como Presidente não vai resolver os problemas socio-económicos (é coisa que nem o preocupa) e vai aumentar ainda mais a repressão. Se for eleito é só contar os dias até que algo muito maior do que a Gare du Nord ou os tumúltos de Novembro 2005 rebente.
Na detenção de Angelo Hoekelet, é referido por vários testunhos, é usada foça excessiva. Segundo o próprio talvez por razões fúteis, como razões pessoais por parte dos fiscais do metro (que alegadamente até eram conhecidos). Talvez tenha sido uma operação de controlo que se descontrolou, e os primeiros intervenientes perderam mão na situação. Mas é depois desse primeiro momento que a situação se agrava (segundo os mesmos testemunhos), porque, quando se impunha um apelo à calma, há várias investidas da Polícia de Choque (os CRS) perfeitamente desproporcionadas. E aqui não se trata de um simples acontecimento que foge do controlo, é a execução de um plano elaborado para este tipo de situações que faz parte de uma política de repressão da violência, com o nome sugestivo de Vigipirate. Ou seja, é a aplicação no terreno de uma vontade política, numa de lógica responder a estas situações de uma forma repressiva, com demonstrações de força. O resultado prático foi o desencadear uma resposta violenta por parte de grupos de jovens que se encontravam na Gare du Nord. A vontade política vem de quem foi o ministro das polícias nos últimos anos, Nicolas Sarkozy.
Em relação ao clima de desconfiança por parte dos jovens das banlieues relativamente à Polícia, é um facto que se tem vindo a detriorar como consequência destas políticas repressivas. Duvido que as relações entre uns e outros alguma vez tenham sido boas, mas agora é de alguns representantes de polícias que vêm sinais de preocupação e apelos ao diálogo. Por exemplo o sindicato de polícias SGP-FO, fez um inquérito em 2005 para o qual obteve cerca de 5000 respostas; 76% dos polícias inquiridos acham a relação com as populações se detrioraram nos últimos anos, e 90% acham que a relação com os jovens se degradou (fonte Metro, edição impressa). São os próprios polícias que reconhecem um agravamento da situação. Acrescente-se ainda que com Nicolas Sarkozy se acabou com a Polícia de proximidade, que tinha por objectivo garantir uma boa relação com as populações.
Parece-me óbvio que as causas primeiras da violência urbana são sociais, e não a política de segurança. Há os problemas de integração e as condições socio-económicas em que se vive nas Cités (e como se chamam por aqui os Guetos dos subúrbios, de onde vem a violência), que podem explicar as causas do fenómeno. Mas uma política repressiva, que é discriminatória, e aponta os que já são excluidos como sendo os inimigos, é pura provocação. E é atear o rastilho de um barril de pólvora que está à espera de explodir. Nicolas Sarkozy como Presidente não vai resolver os problemas socio-económicos (é coisa que nem o preocupa) e vai aumentar ainda mais a repressão. Se for eleito é só contar os dias até que algo muito maior do que a Gare du Nord ou os tumúltos de Novembro 2005 rebente.
Nota: o título do post Police par tout, Justice nul part é um slogan antigo (Maio de 68?) que foi recuperado expontaneamente na Gare du Nord terça-feira passada, segundo os relatos foi gritado com frequência durante as investidas dos CRS (Polícia de Choque).
5 comments:
Não votando em Sarkozy, por não poder nem querer, não deixo de ficar espantado em ver como a infracção e o crime (queimar carros, viajar sem bilhete, resistir à aplicação da autoridade legítima, etc.) é sempre explicável e, no mesmo passo, absolvido. Pode não parecer, mas o determinismo «social» não explica tudo, tal como o biológico não o consegue. Já se sabe há muito, as emoções condicionam a escolha moral. Mas não se confunda isso com justificação de toda e qualquer acção...
CLeone,
Os meus posts (este, e o anterior sobre o assunto) em nada procuram absolver ou legitimar qualquer infracção ou crime, pura e simplesmente não manifestei sobre isso qualquer juízo. Com ou sem infracções, com ou sem crimes, a conduta de um ministro ou da polícia pode - em princípio - ser criticada. Isso não faz juízo de valor nenhum senão só sobre o que está objectivamente a ser criticado. Mesmo que senha cometida qualquer infracção isso não legitima automaticamente toda e qualquer acção da polícia, toda e qualquer política de segurança. O inverso também é verdadeiro, os erros da polícia ou do ministro não legitimam per se qualquer crime ou infracção. Os erros de uns não justificam os erros dos outros.
Dito isto retomo um debate recente aqui no Peão sobre o Pacifismo. Defendi na altura, e não apenas eu, que em determinadas circunstânicias o uso da força e da violência pode ser legítimo. Mesmo sendo um crime do ponto de vista estritamente legal, em certas circunstâncias concordo com o uso da força para fazer valer direitos fundamentais. Assumo que os tumultos das banlieues de Novembro de 2005 geraram em mim um sentimento de simpatia, que se mantém. Se tivesse ocorrido violência contra pessoas, o meu sentimento seria seguramente outro (este é para mim o "pormenor" muito importante). O direito à integração social e económica é um direito que assiste aos mais pobres dos Franceses, e dos imigrantes em França, que vivem nos Guetos das "Cités". Quando em vez de se fazer respeitar esse direito os banlieuesards se vêem transformados em bode espiatório dos problemas da França, insultados pelo ministro do interior, e alvo da repressão pelas autoridades para meros expedientes eleitoralistas, então a revolta é legítma. A revolta de 2005, queira-se ou não teve um impacto profundo na sociedade francesa cujas consequências estão longe de ser claras. Ainda estamos para perceber se ajudaram a causa dos que a fizeram, ou se foram contraproducentes. De uma maneira ou de outra, abalaram e muito a sociedade francesa.
Em 1789 de certeza que as Milícias de Paris eram também vistas pelos defensores do antigo regime como simples vândalos, mas hoje a História dá-nos uma outra imagem.
Zed,
Recuar de 68 para 79 não muda nada, veja lá que ainda há quem defenda a tal visão dos revoltosos que julga já enterrada (e não o fazem por ignorância, posso dizê-lo por não ser um desses)
O equívico é:
imaginar que «a» História existe e que é consensual; imaginar que resolve problemas, quando não tem como o fazer; imaginar que deve fazê-lo, quando isso seria (pelos dois motivos anteriores), pervertê-la.
O problema de psots como os que ilibam sempre quem viola a lei é o seu detemrinismo, tão improcedente em ciências sociais como em quaisquer outras, no caso é um argumento que agrava os pobres ao pretender dfendê-los a todo o custo; mas isso é assunto apra o ladob, se eu tiver ocasiao,
Sobre o resto:
1)demonizar Sarkozy não leva a nada, demonizar nunca leva a nada;
2)idolatrar as tiradas de Thuram também não, melhor fora que ele condenasse cabeçadas como a do Zizou (mas isso em França ninguém fez... e eu nem sou anti-francófono, note)
3) ilibar sempre os mesmos, culpando sempre os mesmos, sem o mínimo respeito pelas pessoas (todas elas, porque não serem agredidas fisicamente não autoriza a ignorar carros queimados, etc), leva ao memso que levou a última eleição presidencial francesa, não sei se se lembra...
Por este andar ainda voltam todos na 2ª volta em Sarkozy.
CLeone,
Corro o risco de me repetir, mas que seja. Não quero recuar para 68 ou 79, quero falar da França actual. Não demonizo nem deixo de demonizar Sarkozy, faço criticas muito CONCRETAS à sua política enquanto ministro do interior, que acho politicamente errada. Ainda não percebi se concorda ou discorda, muito menos percebi porquê. Nos dois posts não ilibo nem deixo de ilibar os que reagiram violentamente contra a Polícia (apesar de ter uma opinião sobre o assunto expressa no comentário anterior) porque nem sequer faço um julgamento sobre o assunto, como não faço sobre o jogo do Belenenses, como não faço sobre a rainha de Inglaterra. Não creio que "a" história seja consensual, nem percebo como possa ter dado essa impressão. Não acredito em determinismos (também não percebo de onde vem essa), nem sequer pertendo extrapolar o que quer que seja para lá do assunto escpecífico em apreço, não tenho por objectivo retirar quaisquer ilações abstractas. Mais uma vez: quis falar do assunto muito concreto, a política de Sarkozy enquanto ministro do interior e a sua responsabilidade no aumento da violência urbana em França. O resto são cartas de outro baralho. Coloco apenas a pergunta: a política securitária de Sarkozy é uma boa política ou é ula má política? Resolve os problemas da violência urbana ou agrava-os? Estas foram as perguntas que eu quis abordar, qualquer crítica é bem-vinda.
P.S. - O Thuram criticou, ainda que diplomaticamente, a cabeçada do Zizou na visita que fez ao Senegal, a seguir ao Campeonato do Mundo.
«Não ilibo nem deixo de ilibar», julga que isto é viável?
Mas já lhe respondi à pergunta que faz: não voto no Sarkozy, por não poder nem querer.
Grato pela correcção quanto ao Thuram, ainda bem que assim foi. E parabéns pelo seu Belenenses.
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