domingo, 1 de abril de 2007

Uma verdade inconveniente

Enquanto todos aguardam a libertaçao dos 15 elementos da marina britânica capturados há mais de uma semana pela Guarda Revolucionária Iraniana - e enquanto todos se legitimamente preocupam pelo bem-estar dos reféns, é altura de reflectir como as forças aliadas, e em muito particular os EUA em Guantánamo, tratam os elementos que mantêm presos. Ronan Bennett, no The Guardian da passada sexta-feira, coloca o dedo na ferida.

"It's right that the government and media should be concerned about the treatment the 15 captured marines and sailors are receiving in Iran. Faye Turney's letters bear the marks of coercion, while parading the prisoners in front of TV cameras was demeaning. But the outrage expressed by ministers and leader writers is curious given the recent record of the "coalition of the willing" on the way it deals with prisoners.
Turney may have been "forced to wear the hijab", as the Daily Mail noted with fury, but so far as we know she has not been forced into an orange jumpsuit. Her comrades have not been shackled, blindfolded, forced into excruciating physical contortions for long periods, or denied liquids and food. As far as we know they have not had the Bible spat on, torn up or urinated on in front of their faces. They have not had electrodes attached to their genitals or been set on by attack dogs.
They have not been hung from a forklift truck and photographed for the amusement of their captors. They have not been pictured naked and smeared in their own excrement.
They have not been bundled into a CIA-chartered plane and secretly "rendered" to a basement prison in a country where torturers are experienced and free to do their worst. (...)"

7 comments:

Daniel Melo disse...

Ora nem mais, cá está uma posição pacifista sustentada (falo de ambos, articulista e mensageiro ;)
Do pouco que ainda se sabe, e a julgar pela anunciada assunção indirecta de culpas, parece que os ingleses puseram a pata na poça, neste caso literalmente.
Felizmente que o dr. Blair só dura mais umas semanas, senão a coisa era capaz de se complicar, sem qualquer justificação.

CLeone disse...

Nem menos, melhor seria. Guantanamo nada tem a ver com o caso do rapto dos soldados ingleses («anunciada assunção indirecta de culpas»?) e pretender o contrário não é pacifismo bem sustentado nenhum, é doublespeak. O Irão é um regime terrorista, e só não faz pior por não ter forças para mais.

Hugo Mendes disse...

Daniel, isto não é pacifismo, é, passe o palavrão, sentido de responsabilidade civilizacional.

E por esse motivo, Carlos, também não é "doublespeak". "Doublespeak" é ficarmos todos chocados quando os prisioneiros ocidentais são tratados de uma certa forma, quando
os que se arrogam de representantes da nossa civilização tratam os prisioneiros da Al-Queada como tratam.
Uma mão não lava a outra, claro que não. E ainda bem. Por isso mesmo, o nosso respeito ou violação dos standards civilizacionais não tem que estar dependente do que o Irão ou outros países que apoiam o terrorismo fazem ou deixam de fazer. Que eles sejam terroristas não reduz em nada a nossa responsabilidade em agir dentro da moralidade (e, já agora, da legalidade).
Repetindo: ninguém está a querer lavar a cara ao Irão, nem a tomá-lo por aquilo que não é. Mas quando se aponta o dedo aos outros convém também saber se estamos a respeitar os cânones que impusemos a nós próprios.

Hugo Mendes disse...

Ou ainda de outra forma: "morality starts at home".

CLeone disse...

Morality starts at home, muito bem. Os EUA,tal como a Inglaterra, são países livres em que os governos mudam de acordo com a votaçãod e opiniões públicas livres e em que os direitos de todos são iguais e respeitados, coisa que não se pdoe dizer do Irão. O «home» é mesmo o ponto: nos EUA é diferente, mas igualmente livre, falar-se do ponto de vista do governo, da sociedade civil e individualmente (já nem destrinço entre os governos federal e estadual, para abreviar). No Irão, qual é a margem de «dissent» das forças sociais face ao governo e dos indivíduos face a instituições e poder político? A moralidade é de facto muito diversa: em qualquer país ocidental a exploração de reféns (note o termo) como no irão se faz faz dos ingleses originaria manif's como há nos EUA contra Guantanamo. É por isso que os EUA são porto de abrigo para todo o mundo, e o irão é o que é. É por isso que a comparação de Irão com RU, EUA, etc., é falaciosa. Quanto ao que o Guardian não sabe, isso em nada pode fazer equivaler socidades livres e decentes com regimes autoritários: nas primeiras, a luta política impede que aberrações como Guantanamo se perpetuem (tem dúvidas que fecha na próxima administração, seja ela qual for?); nos segundos, coisas como a tortura são o habitual,c omo as «confissões»televisivas dos ingleses ilustram - para quem quiser ver.
Mas tem razõ, doublespeak foi impreciso da minha parte. Sucede que o que s epassa no irão nada tem a ver com a Al-Qaeda nem com os direitos humanos e o o seu respeito no Ocidente (apesar dos abusos pontuais e condenáveis, desde que legalmente), tem a ver om a ambição de um regime terrorista, com historial de raptos desde o seu início (no tempo do hoje nobel da Paz, Carter, está a ver?), querer armas atómicas... E agora o assunto é o Daily Mail ou o Blair (que saudades terá a Europa dele...)?

Hugo Mendes disse...

Carlos, infelizmente estes comentários são sempre treslidos. É mais ou menos assim: cada vez que se critica uma prática de um país ocidental vis-à-vis a moralidade/legalidade que é nele vigente lê-se imediatamente um elogio a um país não-democrático. Porquê? Eu não fiz nenhuma comparação sistemática entre o EUA e o Irão, e o resto é sobreinterpretação sua. O problema deste tipo de sobreinterpretações é sempre o mesmo: se se aponta uma falha dos EUA ou UK ou qq outro país com o qual nos identificamos civilizacional e moralmente, é como se estivéssemos a defender o Irão, etc! Isto infelizmente inquina toda e qualquer discussão; e em vez de avaliarmos os EUA (ou qualquer outro país dos "nossos", e escrevo assim mesmo que é para não haver dúvidas do lado de que escrevo), há sempre o argumento de que "no Irão fazem pior". Pois fazem, mas essa não é a questão, pois não? Ou não devia ser. É que a partir do momento que justificamos Guantanamo (ou outras coisas do género, por pontuais que sejam), e como "no Irão fazem pior", estamos a colocar a nossa fasquia de exigêcia de respeito pelos nossos valores muito por baixo. Implicitamente, a referência, pela negativa, passa a ser ditada por aquilo que é pratica corrente no Irão; tudo o que constituam violações feitas por Ocidentais estão sempre justificadas. Eu acho esta linha de argumentação politicamente perigosa e moralmente infeliz. Ó nosso ponto de referência deve ser a moralidade e a legalidade tal como a definimos, não a ditada/praticada pelos terroristas.
Se o tresli, Carlos, peço desculpa, mas olhe, foi simétrico :)

CLeone disse...

Tudo bem, a sobreinterpretaçãoé quase inevitável. Longe d emim justificar Guantanamo com o que se faz no Irão, a questão para mim está em falar do Irão e dos EUA ou da Europa como se fossem realidades comparáveis, como s eo aberrante cá não fosse o normal lá e vice versa. Mas estmaos mais de acordo do que em desaacordo, é claro