sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Ares do campo

Tenho para mim que as aldeias são locais sinistros, habitadas por psicóticos. E se esta «verdade» pessoal pode ser aplicada a qualquer ponto do globo, em Portugal, onde os níveis de escolaridade continuam assustadores, as oportunidades de emprego inexistentes e as ligações geográficas difíceis (o número de autoestradas e IPs, geralmente pensado para quem vem de fora, não tem relação directa com o número de carreiras rodoviárias e/ou ferroviárias entre aldeias, vilas e cidades), sucedem-se casos como o do brutal assasinato da aldeia de Borralheira de Orjais, perto de Covilhã. Quatro «bacanos» bêbedos, matam um outro «bacano» bêbedo. Tanto o grupo dos executantes, como o executado, reunem em si, os estereotipos da aldeia: dois rapazes «brincalhões», o «tonto», o imigrante e o bêbedo.
Conseguimos, até, visualizar todo o ambiente: uma aldeia pobre, sem empregos - as chaminés industriais da Covilhã já há muito se apagaram, onde a terra entrou num pousio mais ou menos permanente, sem escola, onde não há nada, a não ser um café, onde todos bebem e bebem muito.
A partir daqui, imaginamos a violência surda com que se perseguem, que exercem uns sobre os outros, maridos bêbedos sobre mulheres embrutecidas; rapazes bêbedos e analfabetos sobre raparigas «shakirizadas» e analfabetas; famílias sobre famílias por questões passadas, presentes e futuras; patrões senhoriais sobre empregados desprotegidos; velhos bêbedos e rancorosos sobre outros velhos bêbedos e rancorosos, tudo mediado pelas únicas autoridades que conhecem, para os homens o dono do café, para as mulheres a recepcionista do centro de saúde e para todos a televisão. É natural que, de vez em quando, alguma coisa «corra mal» e acabe nas páginas dos jornais.
E por muito que tenhamos um sorriso escarninho direccionado aos pavilhões polidesportivos, aos ranchos folclóricos, ao canto coral, às bandas do coreto, às senhoras dos arraiolos e aos homens do chinquilho, já tudo parece preferível a este «pântano» alcoolizado, de onde as aldeias não conseguem emergir.
Imagem: Grant Wood - Gótico Americano, 1930.

1 comments:

Anónimo disse...

Se eu resolvesse fazer um livro sobre: "Fernando Vale na obra de Miguel Torga"
Quem era o autor do livro? Era Miguel Torga?