segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Black: um filme para quem gosta de Bollywood

Ultimamente tenho visto muitos filmes de Bollywood, e estou a tornar-me completamente fã. Não que os filmes de Bollywood sejam necessariamente melhores dos que os de Hollywood (não são piores de certeza), ou melhores do que os filmes ocidentais que costumo ver, mas pelo menos um mau filme exótico é melhor do que um filme apenas mau. Dito isto, tenho visto alguns filmes Bollywoodescos muito bons. Não são apenas comédias românticas com muitas danças e cantorias, se bem que isso seja uma parte importante. Aliás é interessante que, para os cineastas indianos, danças e cantorias não são de todo incompatíveis com temas politicamente sensíveis como os conflitos fronteiriços com o Paquistão, a independência de Cachemira, ou o terrorismo. Suponho que qualquer ocidental as veria como mutamente exclusivas. Como é óvio o cinema indiano tem um olhar diferente do ocidental, mas por óbvio que seja vale a pena descobrir.
O melhor filme indiano que vi até agora foi o "Black" (apesar de não ter nem danças nem cantorias). É uma adaptação da biografia de Hellen Keller (pessoalmente, acho que é um dos mais notáveis seres humanos de que já ouvi falar). Black está longe de ser um remake de "The Miracle Worker". Excepto algumas referências em jeito de citação, os dois filmes têm pouco a ver. Logo aí se vê a diferença de olhar entre do cinema indiano e do cinema ocidental. Há, em particular dois aspectos, que num filme ocidental, sobretudo de Hollywood, seriam tabu. A mistificação a que são votados, no cinema ocidental, os heróis faz com que as suas fraquezas humanas sejam eliminadas, uma forma de desumanização portanto. Um aspecto é o romantismo/sexualidade da personagem principal. Como se pode imaginar ter uma vida sentimental e sexual para uma pessoa cega, surda e muda, mesmo Hellen Keller, não é evidente. Em "Black" o assunto não é evitado (contrariamente a "The Miracle Worker"), o personagem de Annie Sullivan - a professora que fez Hellen Keller sair do seu isolamento e que a ensinou a comunicar - é um homem. A relação que se establece entre Michelle - a Hellen Keller em "Black" - e o seu professor, vai evoluindo ao longo do filme, torna-se ambígua, e essa ambiguidade torna-se insustentável, mas o amor é impossível. Não somente o assunto é abordado como é absolutamente central no filme. O outro assunto que não é tabu é a relação de Michelle com a irmã. A posição que ocupa na família uma criança com dificuldades é sempre complicada de gerir, sobretudo a relação com os irmãos. Uma personagem como Michelle/Hellen Keller, que, sendo cega, surda e muda, exige muita dedicação e ao mesmo tempo, com todo o seu sucesso, desperta admiração, respeito e afecto, gera ciúmes na irmã, é inevitável. Um filme ocidental jamais focaria este problema, "Black" não lhe passa ao lado.
Mas há mais diferenças. Algo muito frequente nos filmes de Bollywood que já vi, mas particularmente bem conseguido em "Black" é o uso dos cenários como parte da realização, da composição da imagem. Como se se filmasse teatro, mas bem. O final também não é nada mau. Os papéis da aluna cega, surda e muda, e o professor que a consegue pôr em contacto com o mundo invertem-se, num golpe que tem tanto de ingenuidade tocante como de genial.
E para finalizar um palavra sobre Amitabh Bachchan, também conhecido por Big B. Actor maior de Bollywood (quem já entrou num video club indiano sabe-o), já foi um jovem actor de charme, galã. Envelheceu bem, tipo Paul Newman ou Marlon Brando, e faz tão bem um General austero e patriótico num conflito com o Paquistão como faz um incorrigível folião que já passou dos sessenta (lamento mas ainda não consigo fixar os títulos dos filmes em Hindi). Em "Black" faz o papel do professor/Annie Sullivan de forma - sem exagerar nas palavras - magistral. Em qualquer lado do mundo Amitabh Bachchan é um actor fabuloso, entre os melhores dos melhores.

Adenda (9/11/2010): Dois leitores chamam a atenção na caixa dos comentários para a designação de mudo que uso no post, e têm toda a razão. Mudo é quem não pode, por incapacidade, falar de todo, os surdos - como é o caso dos personagens destes filmes - podem falar (i.e. oralizar) se tiverem o treino que a fala requer num surdo. Surdo-mudo em geral - e no caso deste post em particular - é um atalho de linguagem pouco rigoroso, na realidade trata-se de surdos que não oralizam. Aqui fica o esclarecimento, com o meu pedido de desculpas.

P.S. - Para quem quiser saber mais coisas sobre o cinema indiano e asiático em geral aconselha-se este artigo que descobri aqui j há uns tempitos

6 comments:

vallera disse...

Mas em "The Miracle Worker" a Annie Sullivan é a GRANDE Anne Bancroft. Pena a relação neste primeiro flme não ter sido, assim, ambígua..

Zèd disse...

De facto é verdade, em "The Miracle Worker" Anne Bancrof é brilhante, e aliás todo o filme é excelente.

Unknown disse...

Vale ressaltar que Michelle/Hellen Keller não era muda, como comentado algumas vezes no post. Ele apenas não oralizava, porque não ouvia.

O fato de uma pessoa ser surda não significa que ela seja muda. A mudez é uma outra deficiência, sem conexão com a surdez. São minorias os surdos que também são mudos. Fato é a total possibilidade de um surdo falar, através de exercícios fonoaudiológicos, aos quais chamamos de surdos oralizados. Também é possível um surdo nunca ter falado, sem que seja mudo, mas apenas por falta de exercício.

Por esta razão, o surdo só será também mudo se, e somente se, for constatada clinicamente deficiência na sua oralização, impedindo-o de emitir sons. O que não é o caso da nossa personagem, já que falava "Wo" (Water), "Tee" (Teacher), "Poon" (Spoon), "Mom" (Mother), "Dé" (Dad)...

Unknown disse...

esse filme é maravilhoso!!!!
amei!!!!
chorei do começo ao fim!!!!!

Unknown disse...

Não dexei de notar que varias vezes vc uso no texto o termo, sega, surda e muda.

porem michelle e boa parte dos surdos não são mudos, tanto que em algumas partes do filme ele ate fala algo embolado e de dificil compreensão mas fala.

sou estudando de C. Biologicas e tenho aulas de libras e infelizmente as pessoas não consegue entender que não é pq é surdo que tambem vai ser mudo.

so um toque.

adorei o texto, eu não fazia ideia de que o filme era indiano

=)

Anónimo disse...

Assisti ao filme e é excelente. Um filme que trata de tema sensível, e que nos faz pensar a inclusão daqueles que estão em situação de exclusão por conta de deficiências ou classe social.
É um bom filme para se levar aos estudantes e criar um clima de reflexão e debate.