quinta-feira, 22 de novembro de 2007

O que é afinal a Democracia?

Ora aí está um debate realmente interessante. Não é um debate propriamente novo, mas a propósito de Hugo Chávez e da Venezuela, Daniel Oliveira no Arrastão e Pedro Magalhães no Margens de Erro têm-se dedicado a uma muito interessante troca de posts (prova que a blogosfera serve para que hajam bons debates). O Daniel Oliveira começou com este post, Pedro Magalhães respondeu, Daniel Oliveira replicou, e Pedro Magalhães respondeu novamente. Para resumir o debate, Daniel Oliveira acha que deve ser levada em conta a opinião dos próprios venezuelanos para avaliar a democraticidade do regime de Chávez. Pedro Magalhães considera que uma análise objectiva não deve levar em conta a avaliação subjectiva, e muitas vezes contraditória, que os próprios venezuelanos fazem da sua democracia. Essa avaliação deve ser feita com base em critérios estabelecidos a priori.

"Se eu tiver uma definição de "democracia" - como o Daniel pelos vistos tem ("eleições livres, liberdade de organização, liberdade de expressão, liberdade de imprensa e separação de poderes") - eu posso dizer se a Venezuela é ou não uma "democracia" independentemente daquilo que saiba sobre as opiniões subjectivas dos cidadãos venezuelanos."

Concordo com Pedro Magalhães que por uma questão de rigor analítico não se deve misturar realidades diferentes. Discordo sobre qual é a realidade relevante para avaliar a democraticidade de um regime. Na minha opinião a democraticidade avalia-se por um critério ainda mais minimalista do que o do Daniel Oliveira, mas é o critério que resulta da própria definição de Democracia: um regime é democrático se o exercício do poder pelo estado resulta da vontade livremente expressa dos eleitores. O principal elemento a ter em conta nessa avaliação é a opinião desses eleitores, com toda a subjectividade e contradições que isso possa acarretar. Convém aqui fazer uma separação clara. Se eu fosse um cidadão venezuelano a quem se perguntasse numa sondagem se estava contente com a democracia, eu levaria em conta para a minha resposta todos os elementos que Daniel Oliveira enunciou (eleições livres, liberdade de associação, de expressão e de imprensa) e mais algumas. A minha resposta seria um redondo "Não". Mas se me puser na pele do analista político que avalia exteriormente a democraticidade do regime venezuelano os critérios são outros. Se para os eleitores venezuelanos consideram que as medidas económicas e sociais são mais importantes do que aquelas liberdades, e se é por isso que escolhem o governo de Chávez, podemos estar em desacordo, mas não podemos dizer que não é democrático.

Pedro Magalhães refere que pode aferir-se a democraticidade pelos traços autoritários de um regime. Discordo. Se o autoritarismo é o resultado de uma escolha livre dos eleitores, então é democrático. Faço aqui uma distinção (semântica?) entre um regime autoritário e uma ditadura. A ditadura é quando o poder é exercido sem a consulta da vontade dos eleitores, logo nunca é democrática. Um regime autoritário pode, em teoria, ser o resultado de um processo democrático. Definir a priori quais são os valores fundamentais que regem uma democracia independentemente do que pensam os cidadãos é um raciocínio que pode legitimar o despotismo iluminado. Quem é que decide quais são os valores fundamentais da Democracia? E com que legitimidade?

Esclareço que este post não é de modo algum em defesa de Chávez (ou de qualquer outro regime, seja a Russia de Putin, ou a China comunista). O regime Chavista pode até ser democrático. Mas será que ser democrático é suficiente para nos contentarmos com um regime? A minha resposta curta é: Não. Ou, parafraseando Pedro Magalhães, é necessário mas não é suficiente.

1 comments:

Sappo disse...

Os 10 últimos anos que antecederam à eleição de Chávez (1998) foram marcados por sucessivas crises políticas e econômicas. A Venezuela, que até então tinha um dos sistemas partidários mais estáveis da América Latina - apesar da oligarquia protagonizada pela AP (Acción Democrática) e pelo democrata-cristão COPEI (Comité de Organización Política Electoral Independiente) - , começa a ruir quando os partidos e seus líderes se voltam mais para a promoção do interesse de poucos privilegiados do que para atender as demandas do eleitorado como um todo, resultando numa deterioração do padrão de vida de alguns e na exclusão social de muitos.

Além de dar as costas à população mais carente, o sistema partidário vigente perde totalmente a confiança do eleitorado quando se torna incapaz de resolver as dificuldades econômicas mais prementes e, principalmente, quando "institucionaliza" no país um esquema de corrupção sem precedentes. Situação que levou o eleitor venezuelano a imaginar que o regime democrático pode prescindir dos partidos políticos, pois eles não respondem mais aos seus anseios imediatos. Paradoxical? Sim. Mas não deixa de ser uma avaliação objetiva. Entendo a situação, mas não posso deixar de salientar que é uma decisão perigosa à saúde de qualquer democracia.

Foi exatamente neste cenário (decresça do eleitor nas instituições, partidos e seus líderes) que Hugo Caves surgiu e se mantém no poder pelo voto direto há nove anos. Com sua postura carismática, soube capturar o imaginário popular e assim ter retaguarda necessária para aprovação de suas decisões mais polêmicas. Deste modo, se os venezuelanos entendem que o regime chavista é o que lhes interessa não vejo como contestar tal decisão. O que me chama a atenção neste processo todo não é o populismo como Chávez tem governado, mas sim os factóides (a mesma arma usada por quem quer vê-lo fora do poder) que tem criado para alcançar os seus objetivos e se defender se seus inimigos políticos.

Acredito que o ideário defendido hoje pelos venezuelanos é mais uma forma de proteção contra um modelo de governança do passado do que estabelecer uma ditadura chavista no futuro. Em suma, ainda é muito cedo pra se saber que rumo a Venezuela vai tomar. E o que de fato pretende Hugo Chávez com a sua "revolução bolivariana". Eu, particularmente, não sei.