domingo, 1 de junho de 2008

Não tenho paciência para Amy Winehouse, Britney Spears e afins

Eu não queria, mas não resisto. Hoje é domingo e, escrevendo, deveria escrever sobre vinhos (ando para escrever sobre o Languedoc, mas vai ter que ficar para a próxima). Tratando-se de Wine-House, abre-se uma excepção, e aqui vai disto. Claro que quem vai a um concerto de Amy Winehouse deve saber ao que vai, não tem desculpa. Eu não fui, e se vier cantar aqui por estas bandas vai ser sem mim. Um CD de estúdio chega perfeitamente. A moça até tem uma voz interessante, diria mesmo uma boa voz, e tem sobretudo um repertório muito bom. Gosto bastante das músicas que canta, mas isso, mérito a quem é devido, é graças ao talento de compositores, letristas, orquestradores, produtores e músicos. Desconheço se Amy se dedica a alguma destas actividades, mas duvido. Óbvio é que a moça tem talento (como diz, e bem, o Manolo) para a auto-destruição, e para isso é que já não tenho paciência. Que se vá auto-destruir para casa, em privado. Mas pelos vistos há quem goste do espectáculo. Pior ainda, há quem idolatre a auto-destruição, e provavelmente há até quem tenha também muita peninha, que coitadinha a mocinha até sofre muito, pobrezinha. Eu não tenho paciência, mas se outros têm, enfim, paciência... assim seja.

Agora, que venham comparar Amy Winehouse a Nina Simone, ou Billie Holliday, isso é que já é um ultraje. Nem é preciso comparar biografias (talvez Simone e Holliday tenham tido vidas muito mais duras, e verdadeiros dramas pessoais que possam justificar o sofrimento, mas nunca fizeram do sofrimento um espectáculo, mesmo que faça hoje parte da lenda, mas não vamos por aí). Atente-se à música: quando Amy Winehouse fizer metade do que fizeram Nina Simone ou Billie Holliday - i.e. quando gravar metade da discografia, com metade da qualidade, e que exerça metade da influência sobre as gerações de músicos futuras - então aceito a comparação, e podemos conversar. Enquanto esperamos, e vamos esperar muito, porque afinal a carreira de Amy Winehouse está apenas no começo (embora esteja provavelmente já no fim), fica uma faixa de Nina Simone ao vivo, para amostra. A música é boa, mas Nina Simone habituou-nos a melhor, a qualidade da gravação é sofrível, mas dá para ver o que era Nina Simone ao vivo. Oiçam, e julguem por vós.



Mas o pior, o que me tira do sério mesmo é chavões do tipo "Genialidade sem excesso? Não temos". Claro que quando se procura o excesso, e se idolatra o excesso, e se confunde excesso com génio, é normal pensar que não há génio sem excesso. Puro engano. Dou apenas o meu exemplo preferido: Charlie Parker e Dizzy Gillespie. O Jazz moderno tal como o conhecemos hoje é o resultado da revolução formal que foi o BeBop, e o BeBop foi 90% o resultado da parceria entre Gillespie e Parker. Parker é muito mais conhecido do que Gillespie (para os que não se lembram é o trompetista das bochechas enormes). Parker morreu novo, com excesso de álcool, excesso de drogas, batia na mulher, e mais uma série de excessos. Dir-se-ia que o excesso faz parte do génio. Mas que tem tudo isso a ver com música? Rigorosamente nada. E pouco importa que tenha sido Gillespie o teórico do BeBop, quem desenvolveu os novos formalismos, progressões de acordes, relações acorde-escala, e outras miudezas (essas sim, relacionadas com música). Gillespie não foi propriamente um homem de excessos, e teve uma carreira que durou uns cinquentas anos, coisa pouca afinal. Os excessos de Parker serão sempre o Ícone. Chama-se a isso confundir o essencial com o acessório.

P.S. - Razão tem o Luís Rainha.
P.P.S. - Sobre Gillespie já escrevi aqui e aqui.

8 comments:

Fernando Vasconcelos disse...

Subscrevo a 1000%

zero de conduta disse...

Caro Zed,

Parece que tresleste o que escrevi. Nunca comparei o génio musical de Nina Simone e Billie Holliday com o de Amy Winehouse. Seria idiota se o fizesse. Não há comparação possível. as duas primeiras são dois dos maiores génios musicais do século XX e Amy é apenas do melhor que apareceu na música popular nos últimos anos (o que, dado o estado da coisa, nem é assim tão difícil).

O que disse, e é bem diferente, é que Nina e Billie são "dois génios que não acabaram a sua carreira em condições muito distintas das actuais de Amy". Não comparei o génio nem a carreira. Mas não é por isso que é menos verdade que Nina Simone actuava quase sempre alcoolizada nos últimos anos da sua carreira (alguém que a tenha visto no pavilhão carlos lopes pode constatar isso mesmo) e que, até hoje, nunca foi editado o concerto de Holiday no Olympia, em 1958, porque os detentores das gravações quiseram preservar o nome de quem o merecia como poucas pessoas.

Não se trata de idolatrar a auto-destruição, de lhe achar mais piada, nem de ter pena ou não da pessoa. Mas não embarco é no moralismo que para aí anda na condenação da mulher porque estava sob o efeito de drogas ou de qualquer bebida alcoólica. Prefiro concentrar-me na sua música. De que gosto. Quanto ao seu caso pessoal, apenas espero que o consiga resolver a tempo.

Pedro Sales

Anónimo disse...

Ia a comentar para dizer exactamente o que o Sales já disse. É evidente que ninguém quis comparar o génio de Winehouse com as duas outras divas. Só muita má fé ou muito distração poderá justificar esse entendimento

Sappo disse...

Olá, Zèd.

Claro que a rapariga tem lá um grande talento pra dar cabo de sua própria vida, porém não se pode negar o seu talento musical. Além de estar sempre rodeada de ótimos músicos (a apresentação de Lisboa foi um exemplo disso) e produtores de primeira linha, ela é responsável pelas composições (algumas em parceria) de todas as canções de seu CD (Back to Black). Entretanto, compará-la a Nina Simone ou Billie Holliday como querem alguns, além de ser muito prematuro é quase um atentado ao bom senso, um exagero. Como também foi um exagero as críticas de caráter moralista feitas a ela por se apresentar bêbada (ou sei lá o que).Se o festival leva rock no nome, qual a contradição nisso? Creio que há excessos dos dois lados.

Zèd disse...

Caro Pedro, caro Jorge

Pessoalmente não embarco nas críticas moralistas. Até gosto da música da Amy Winehouse, mas ao vivo a música é coisa que não se vê. Mas para não embarcar em moralismos não sou obrigado a embarcar na glorificação da decadência tampouco.

O problema pessoal de Amy Winehouse obviamente não me diz respeito, mas aqui trata-se de fazer da sua auto-destruição um espectáculo. E o facto é que a imagem comercial de Amy Winehouse vive mais desse espectáculo do que do próprio talento musical. As figuras tristes que Winehouse faz em palco é nada têm a ver com música, e a glorificação dessas figuras é, aliás, coisa que só interessa à imprensa cor-de-rosa (que de resto adora Winehouse, tanto quanto Spears, dois filões inesgotáveis para revistas de cabeleireiro).

A decadência de Billie Holliday e Nina Simone, que não faz parte do génio de nenhuma delas, não foi de todo o pilar em que assentaram as suas carreiras. Não sendo nada de admirar, não deve também apagar o talento das duas senhoras, nem a notável obra que deixaram para trás. Amy Winehouse não tem esse capital, e é por isso que a comparação não colhe.

Se isto é ser moralista, então sou moralista, não tenho problemas com isso.

Manolo,
Tem talento musical sim senhor, e não sabia que compunha (podia ter verificado, mas não o fiz). Reconheça-se esse talento também, porque as composições também são boas. Admito que não conheço o teor das críticas que se tem feito a Amy Winehouse. Ela pode até cantar completamente alcoolizada, desde que cante. Pelo que vi nos vídeos ele nem chega propriamente a cantar. Como dizes já é de esperar, toda a gente conhece a reputação de Amy Winehouse. Eu digo apenas que pessoalmente não irei ver um concerto dela, enquanto ela continuar a dar espectáculos destes.

Anónimo disse...

Lindo filha! E, tão verdadeiro pra quem te conhece! Segue assim, tirando vida das mortes, tão pequenas diante de tudo que podes!

Anónimo disse...

A decadência de Billie Holliday e Nina Simone, que não faz parte do génio de nenhuma delas, não foi de todo o pilar em que assentaram as suas carreiras.Creio que há excessos dos dois lados.

Anónimo disse...

Apoio o Zed. E acrescento preocupação pelo sucesso que faz entre os mais jovens que se preocupam menos com a qualidade musical (muitos infelizmente nunca ouviram um jazz ou um blues) mas mais com o icon e o que a Amy representa: rebeldia. "They try to make me go to rehab but I don't go, go, go"...

Um jovem de 18 anos, acompanhado por um cão rafeiro, ébrio, com uma garrafa de vinho debaixo do braço e uma telas e umas tintas pode ser, pala alguns, uma imagem poética. Esse jovem passados 40 anos, com a mesma garrafa de vinho, o rafeiro e com uns "cobertores" de cartão será igualmente poético?