Tive sobre Marselha um olhar deslumbrado. Edifícios de uma imponência desbotada, basílicas de arquitectura de imitação entre o Sacré-Coeur e São Marcos e praças de uma limpeza mais do que duvidosa, todos se parecem precipitar para os dois pontos mais vibrantes da cidade que são os portos; o moderno com o movimento dos navios de carga (legal e clandestina), cruzeiros e, sobretudo, o tráfego dos ferries para destinos que fazem logo planear outra viagem – Córsega, Sardenha, Tunísia e Argélia; e o velho porto que domina toda a cidade. Aí, entre o pequenos veleiros, lanchas e botes, partem também «cacilheiros» para o literário Chateau d’If, prisão do Conde de Monte Cristo e do Máscara de Ferro, e para as populares praias das ilhas de Frioul e turistas, franceses e emigrantes embarcam ruidosamente para um dia de férias, de folga ou de desemprego.
Sair e entrar de barco pelo velho porto é de uma beleza indescritível, uma sensação de viajante do séc. XIX no seu tour pela Europa.
Agora, leio Le Clézio, Deserto, e Marselha aparece menos fulgurante e antes como uma cidade cheia de medo e de ódio: «Estão todos prisioneiros do Panier. Talvez não o saibam realmente. Talvez julguem que poderão ir-se embora um dia, ir para outro lado, regressar às suas aldeias das montanhas e dos vales lamacentos, reencontrar aqueles que deixaram, os pais, os filhos, os amigos. Mas é impossível. As ruas estreitas de velhas paredes decrépitas, os apartamentos sombrios, os quartos húmidos e frios onde o ar cinzento pesa no peito, as oficinas abafadas onde as raparigas trabalham diante das máquinas que fazem calças e vestidos, as salas de hospital, os estaleiros, as estradas onde explode o estrondo dos martelos pneumáticos, tudo os segura, tudo os cerca, os faz prisioneiros, e nunca poderão libertar-se» (p.191).
Percebo que o meu olhar de turista ofuscado não corresponde a outras tantas vivências da cidade e que Marselha não é um sítio simples.
Impossível é, também, não fazer comparações com o Terreiro do Paço, fria praça ministerial para onde não se vislumbram soluções. Talvez aqui, igualmente, o olhar dos turistas vá mitigando o olhar desiludido dos lisboetas.
Sair e entrar de barco pelo velho porto é de uma beleza indescritível, uma sensação de viajante do séc. XIX no seu tour pela Europa.
Agora, leio Le Clézio, Deserto, e Marselha aparece menos fulgurante e antes como uma cidade cheia de medo e de ódio: «Estão todos prisioneiros do Panier. Talvez não o saibam realmente. Talvez julguem que poderão ir-se embora um dia, ir para outro lado, regressar às suas aldeias das montanhas e dos vales lamacentos, reencontrar aqueles que deixaram, os pais, os filhos, os amigos. Mas é impossível. As ruas estreitas de velhas paredes decrépitas, os apartamentos sombrios, os quartos húmidos e frios onde o ar cinzento pesa no peito, as oficinas abafadas onde as raparigas trabalham diante das máquinas que fazem calças e vestidos, as salas de hospital, os estaleiros, as estradas onde explode o estrondo dos martelos pneumáticos, tudo os segura, tudo os cerca, os faz prisioneiros, e nunca poderão libertar-se» (p.191).
Percebo que o meu olhar de turista ofuscado não corresponde a outras tantas vivências da cidade e que Marselha não é um sítio simples.
Impossível é, também, não fazer comparações com o Terreiro do Paço, fria praça ministerial para onde não se vislumbram soluções. Talvez aqui, igualmente, o olhar dos turistas vá mitigando o olhar desiludido dos lisboetas.
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