quinta-feira, 12 de abril de 2007

É normal ser mau professor

Para Sócrates 1º Ministro é corrente e é normal os professores universitários publicarem as notas muito tempo depois da época de exames. É normal os alunos ficarem meses a fio à espera dos seus resultados. É normal que em pleno período de férias (Agosto), no qual se regista uma ausência generalizada dos alunos na instituição, os docentes tenham a bondade de finalmente lançar as ditas notas. Bem, resta perguntar se vão ser esses os critérios a valorizar na avaliação dos professores. Afinal, o mérito é uma anormalidade. Valorize-se então a normalidade!

23 comments:

Hugo Mendes disse...

Não vamos entrar numa polémica espúrea, mas: ele não disse que essas práticas eram boas e meritóricas; disse que eram as práticas habituais daquela insttuição (e se calhar não apenas daquela universidade privada, sendo se calhar extensível a algumas públicas...), perante as quais ele, enquanto aluno, não pode ser responsabilizado. Era apenas isto que estava em causa; é que, convém lembrar, ele não estava neste processo como juiz (ou "avaliador dos professores"), mas como réu. Se há aqui dedo a apontar é à instituição - a quem, por sinal, foi dada ordem de encerramento.

A questão do mérito dos professores (mas duvido que isto possa ser avaliado por este tipo de critério procedimental; que tal olharmos para a prática lectiva dentro da sala de aula? :)) pode ser introduzida na discussão por ti, ou por nós, mas é, parece-me, razoavelmente indiferente a todo este processo.

CLeone disse...

O Hugo já disse tudo. Mas eu acrescento: não é para Sócrates que é normal o atraso sistemático. É para os portugueses e para as suas instituições. Quem não quer dizê-lo para ter um bode expiatório de conveniência que o faça...

FuckItAll disse...

Apesar do Hugo gostar de Sociologia francesa, neste caso tenho que concordar com ele: fossem estes todos os defeitos das universidades portuguesas! E como aluno Sócrates não teria responsabilidade neles, anyway.

Acho toda esta discussão muito infeliz. Estou-me nas tintas para os títulos académicos do Sócrates e acho que isto desvia a atenção do que realmente nos devia preocupar, que são as políticas dele enquanto governante.

Luís Marvão disse...

Muito bem visto, Renato.

Luís Marvão disse...

E a questão do mérito dos professores não é assim tão despicienda e deslocada de contexto, se nos lembrarmos dos anátemas que o governo de Sócrates lançou sobre os membros desta classe profissional. Porque afinal quem acusa, não pautou a sua trajectória no ensino superior por critérios de rigor e exigência. Por que não escolheu Sócrates uma universidade prestigiada, como por exemplo o IST?

Hugo Mendes disse...

"Por que não escolheu Sócrates uma universidade prestigiada, como por exemplo o IST?"

Caro Luis: o que é que isto interessa??? Quer provar que Sócrates não calcorreou as pradarias douradas do nosso sistema académico? Está mais que provado, toda a gente sabe, mesmo antes deste processo todo. Não percebo o que é que isto interessa. Sócrates terá sido um aluno mediano, com um percurso mediano. So what?

"a questão do mérito dos professores não é assim tão despicienda e deslocada de contexto, se nos lembrarmos dos anátemas que o governo de Sócrates lançou sobre os membros desta classe profissional"

Porque é que as pessoas continuam a confundir competência das pessoas (professores, médicos, juizes, padeiros, mecânicos) com a qualidade de funcionamento das instituições?

Hugo Mendes disse...

Renato, desculpa, mas todo este processo já é excessivamente opaco que o que me limitei a dizer foi que acrescentar essa questao à discussão é irrelevante.
Portanto, como afinal não se consegue provar nada de nada e chegamos à conclusão que tudo são insinuações, ou seja, como o homem afinal não é réu por aquilo que ele queria que ele fossem, passa então a ser réu por supostamente elogiar os que lançam notas fora de hora (cuja factualidade ninguém discute, porque pelos vistos há documentos e tudo: o que é mesmo mau é a opiniao complacente de Sócrates)...Há sempre forma de o apanhar. Sinceramente, já estamos na parte das migalhas. E a maioria já tem bolor :)

"Há 15 anos de lido com diferentes instituições de ensino superior, e ainda não me tinha apercebido desses atrasos generalizados. Devo andar muito distraído!"

Ou então tens tido sorte (ou azar, depende da perspectiva). Mas confesso que uma das coisas que mais confusão me faz neste processo são os telhados de vidro (não me retiro a ti, Renato, pessoalmente, como deves calcular)
Falsos purismos, não, por favor.

Hugo Mendes disse...

Renato, a demagogia quase nunca ajuda, mas acho que neste caso cai particularmente mal. Já viste onde vamos nesta discussao sem qualquer razão aparente?: na vitimização dos professores (eu falo de instituições, tu continuas a falar de professores, mas pronto, já percebi que a mensagem não passa), quando nunca foi isto que estava em causa...
Quando se diz mal é porque se diz mal, quando se não se diz mal é orque não se diz mal (e até supostamente se elogia o facto de - enorme pecado - lançar notas fora de horas)...

A. Cabral disse...

Os meus telhados sao de colmo, deixam entrar agua mas nao receiam a pedrada. (Nao me perguntem o que quero dizer com isto que nem eu sei...)

Ainda que a controversia tenha morrido ontem e seja para esquecer, fiquei chocado com a caracterizacao da UnI pedagogica e academicamente. Teve o Socrates 4 cadeiras com o mesmo professor. Foi o Socrates convidado para leccionar assim que terminou as suas 5 cadeiritas. Nao sao praticas que inspiram confianca.

Pode ate ser que as instituicoes nao sejam o somatorio dos seus membros mas ha que convir que os docentes contam para a qualidade do ensino.

Hugo Mendes disse...

"Pode ate ser que as instituicoes nao sejam o somatorio dos seus membros mas ha que convir que os docentes contam para a qualidade do ensino."

Claro que contam: a questão é que os actores (docentes, etc.) exploram os buracos que as instituições abrem na gestão e aplicação das suas regras.

De qualquer forma, já que estão todos a questionar a qualidade do professor, eu não sei como é que podemos estar a avaliar a qualidade do mesmo: uma coisa é achar esquisito que o mesmo professor dê 4 cadeiras (num regime quasi-industrial como na UInd a mim nem me espanta particularmente, este intensivo de mão-de-obra), outra coisa é achar que o professor é mau. Como é que se chegou a esta conclusão?

A. Cabral disse...

"Como é que se chegou a esta conclusão?"

Com o convite feito ao Socrates para leccionar assim que terminou o seu anito em pos-laboral.

Luís Marvão disse...

"Porque é que as pessoas continuam a confundir competência das pessoas (professores, médicos, juizes, padeiros, mecânicos) com a qualidade de funcionamento das instituições?"

Caro hugo Mendes

Não tente confundir as coisas, o que nós assistimos, por parte deste governo, foi a uma campanha para denegrir os docentes ( para dar um exemplo), o subtexto de que estes eram absentistas, de que trabalhavam pouco e tinham muitas férias, etc. Para pôr a opinião pública contra os docentes. Foi do domínio da política, por isso não venha agora trazer à colação a vulgata sociológica.

Hugo Mendes disse...

"mas se calhar isto também é irrelevante".

Não, não é, mas resolve-se com reformas no ensino superior, não com o primeiro-ministro a passar atestados moralistas (pretendia-se, afinal, que ele dissesse qualquer coisa do género: "olhem, eu beneficiei deste atraso, mas aproveito para dizer que estas práticas são lamentáveis e dignas de maus profissionais"?? Acham que ele ia dar um tiro no pé deste ou doutro género?? Sejamos sensatos...) em horário nobre na TV em que o que estava em causa era reagir às dúvidas e insinuaçoes em causa.

Hugo Mendes disse...

"Não tente confundir as coisas, o que nós assistimos, por parte deste governo, foi a uma campanha para denegrir os docentes ( para dar um exemplo), o subtexto de que estes eram absentistas, de que trabalhavam pouco e tinham muitas férias, etc. Para pôr a opinião pública contra os docentes. Foi do domínio da política, por isso não venha agora trazer à colação a vulgata sociológica."

O que foi e não foi dito era preciso ver exactamente - e sobretudo saber o que as pessoas interpretam. É que se eu disser, por exemplo, que "as escolas têm o problemas X, Y e Z", as pessoas vão IMEDIATAMENTE pensar que eu estou a criticar os professores. E não estou. Quem quiser, percebe, quem não quiser, paciencia. O que está aqui em causa é apenas o facto de que a forma como as instituições estão (mal) organizadas poderem canibalizar as competências dos seus profissionais, que podem ser muito bons, bons, medianos ou medíocres. Mas se as instiuições não aplicarem as regras ou tiverem regras com inventivos perversos, toda a qualidade dos profissionais pode ser desaproveitada e a organização funcional mal. É só isto que está em causa.
Infelizmente, o instinto corporativista de alguns corpos impedem que se diga o que quer que seja sobre que prática seja. É por isso que não se fazem reformas neste país, porque à primeira crítica fica toda a gente muito irritada.
Portanto a distinção entre profissionais e instituições tem toda a razão de ser, se quiser podemos passar algum tempo a distilá-la, faço isso de bom grado, para que as pessoas percebam o que está em causa e serem capazes de pensar um bocadinho mais analiticamente e menos emocional ou ideologicamente (o que digo não se reporta a si, pessoalmente, espero que perceba).

Hugo Mendes disse...

Se não ficou explícito lá atrás: a distinção entre instituições/organizações e profissionais tem a consequência precisamente de PROTEGER os profissionais, não colocando em causa a sua competência. Supõe que que se as organizações não funcionam como deviam funcionar, isso não se deve à maior ou menor competência dos seus elementos tidos individualmente (de novo, não é isto que está em causa), mas a forma como estão organizados e quais as regras com que se coze a instituição. E supõe que as reformas podem ser justificadas mesmo que os profissionais sejam todos brilhantes e dedicados - porque as organizações podem funcionar mal mesmo na presença destes profissionais.

Miguel Marujo disse...

Falo do que conheço: o ISCSP (da Universidade Técnica de Lisboa) até há uns anos permitia as inscrições na segunda época de exames até 15 de Agosto. A primeira época de exames, com segundas chamadas, prolongavam-se até final de Julho (aliás, este ano, o calendário do Instituto prevê "Férias de Ponto" de "27/06/2007 a 31/07/2007", ou seja a suspensão das aulas para a realização dos exames e orais). Era (será) compreensível que haja notas a serem lançadas nos primeiros dias de Agosto, pelo menos das orais (complementares aos exames, para quem for avaliado com determinadas notas). Este exemplo serve para dizer o óbvio: é uma falácia ingénua ou idiota agora achar-se que as universidades não funcionam em Agosto. Funcionam, como o país, a meio gás, mas funcionam.

Hugo Mendes disse...

Caro Miguel, ou muito me engano, ou podíamos multiplicar esses exemplos por 100 ou 200 ou...ou...

A. Cabral disse...

Hugo,
Perdi-me um pouco com os teus ultimos dois comentarios. Estas a dizer que queres manter a distincao entre instituicoes e membros para proteger os profissionais? Queres proteger os profissionais destas criticas?

Hugo Mendes disse...

"Perdi-me um pouco com os teus ultimos dois comentarios. Estas a dizer que queres manter a distincao entre instituicoes e membros para proteger os profissionais? Queres proteger os profissionais destas criticas?"

Eu não quero nem deixo de querer. :)
Estou apenas a dizer que essa distinção protege, objectiva e analiticamente, os profissionais tidos individualmente, porque o que está em causa nas reformas (e no discurso político, embora aqui admito que muitas vezes este pudesse ser mais polido) não é uma crítica aos profissionais em si, mas à forma como os estes são levados a desempenhar a sua actividade dentro de uma dada organização, sob determinadas regras e incentivos.

Agora, a faca tem dois gumes: se os protege "analiticamente", também esvazia muitas das reacções epidérmicas, porque se eles perceberem que não é sua competência que está a ser publicamente criticada, então têm menos razão para alimentarem discursos de vitimização.

A. Cabral disse...

Porque a minha digestao diaria e' a historia e sociologia da ciencia, estou predisposto a minar a autonomia profissional. Acho que em materia de conflicto de classes, as profissoes (e os seus modelos corporativos ou proximo disso) sao acassaveis pela situacao politica e sem duvida pela situacao cultural contemporanea. Acho que falta trabalho politico para acabar com esses monopolios e formas de autoridade. (Ainda ontem ouvi o Marc Hauser a discutir moralidade evolucionista, soa progressista mas e' absolutamente reaccionario)

Por isso, apesar de lamentar o ataque do poder governativo aos professores, acho que a resposta nao pode ser uma defesa "analitica" dos mesmos. Essa defesa e' insustentavel, e' ilusorio crer que sao mais do que trabalhadores assalariados.

Hugo Mendes disse...

"Porque a minha digestao diaria e' a historia e sociologia da ciencia, estou predisposto a minar a autonomia profissional"

Folgo em saber que algo nos aproxima. Mas:

"Acho que em materia de conflicto de classes, as profissoes (e os seus modelos corporativos ou proximo disso)"

Não acho que o modelo de luta de classes nos ajude a perceber bem o que se passa nas lutas internas aos grupos profissionais. E:

"e' ilusorio crer que sao mais do que trabalhadores assalariados."

É por serem profissionais que eles não são meramente trabalhadores assalariados. (um gestor que que ganha milhares de euros por mês e que não detém nenhuma percentagem do capital da empresa para quem trabalha, também é um trabalhador assalariado?)
É precisamente por aplicarmos a professores e a médicos essa grelha que, mesmo que involuntariamente, legitimamos os corporativismos.

"apesar de lamentar o ataque do poder governativo aos professores, acho que a resposta nao pode ser uma defesa "analitica" dos mesmos."

E os alunos? (ou os pacientes? ou...?) Quem os defende? Ou não entram na equação?

A. Cabral disse...

Ha muitos modelos de luta de classes, muitas matrizes de definicao. Eu sou sensivel ao jogo da politica identitaria que secciona o territorio social e que fabrica esse lugar cultural que sao as profissoes liberais. Para mim, nao ha nada inato ou involuntario nessa posicao de privilegio.

(Talvez eu misture perspectivas teoricas e me contradiga quando assento sobre essa cartografia a minha interpretacao economica que os profissionais sao assalariados. E nao estou seguro que a possa defender com grande sucesso.)

Nao sei como entendes a pergunta de quem defende os alunos, pacientes etc... Mas eu acho que eles tem de ser defendidos dos profissionais. Alias preconizam actualmente uma das mais interessantes formas de organizacao politica. O caso paradigmatico sao os doentes de SIDA que resistiram aos testes com placebos dos anti-virais.

Hugo Mendes disse...

Agora já estamos a falar a mesma linguagem e a partilhar as mesmas preocupações sócio-políticas.