Mesmo com uma manifestação contra os Organismos Geneticamente Modificados (OGNs) da qual participaram cerca de 30 mulheres, entre elas algumas gestantes, e de protestos de dois de seus integrantes, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou, na última sexta-feira, a liberação comercial do milho transgênico produzido pela multinacional suíça Syngenta. Está é a terceira liberação de variedades geneticamente modificadas de milho em quatro meses. A decisão anunciada ainda deverá ser aprovada pelo Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), composto por 11 ministros, mas que com certeza será ratificada.
Apesar das diversas manifestações contra os transgênicos, a postura do governo tem sido a de empurrar com a barriga esta questão. Pior, vem agindo sorrateiramente ao libera (seja por Medida Provisória [1] ou por decisão do CTNBio) em doses homeopáticas o cultivo e a comercialização desses produtos, sem esperar, sequer, por um parecer conclusivo das Audiências Públicas, promovidas pela Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara Federal dos Deputados, onde a discussão já foi iniciada e as contradições dos defensores dos OGMs são evidentes.
A produção dos OGMs não acabou com a fome no mundo, como previam as grandes corporações multinacionais de biotecnologia há 10 anos. Já que o argumento do “fim social” caiu por terra, o uso de sementes transgênicas tem sido agora defendido pelos interessados (leia-se empresas de biotecnologia) como alternativa para se atingir consideráveis aumentos de produtividade, redução de custos de produção e menores impactos ambientais (por um suposto menor uso de agrotóxicos). Argumentos que também não têm qualquer amparo estatístico ou científico confiável.
Segundo estudos realizados pelo Departamento de Engenharia Agrônoma da Universidade de Campinas (São Paulo), 77% dos transgênicos desenvolvidos atualmente contam com uma única característica: a de serem resistentes a herbicidas. Assim, se antes o produtor precisava ter cautela no uso do agrotóxico para eliminar o mato, agora ele pode pulverizar a sua lavoura sem qualquer critério, pois não corre o risco de atingir a cultura transgênica. Ou seja, os OGMs que se encontram hoje no mercado não foram desenvolvidos para serem mais produtivos, mas para resistirem a herbicidas e ao ataque de insetos, sem qualquer garantia de que o seu cultivo seja mais saudáveis ao meio ambiente.
Um outro mito que deve ser combatido é o argumento dos defensores dos OGMs de que essa atividade agrícola tem crescido no mundo inteiro. O que não é verdade, pois, além de sua produção estar restrita aos EUA, Argentina, Brasil e agora Índia - respectivamente em ordem de produção, muitos países estão impondo barreiras pesadas às importações de transgênicos, como é o caso do Japão, Uruguai e alguns membros da União Européia.
Seja como for, qualquer que seja o argumento não poderá determinar que o assunto é consenso e muito menos põe um ponto-final na discussão. Ao contrário. Mais do que nunca esse debate se faz obrigatório. Deve-se levar esta polêmica a toda a sociedade, mas com transparência cristalina e, acima de tudo, com ética e responsabilidade social. Pôr fim à polarização sectária que tem conduzido o assunto, como se somente a Engenharia Genética fosse capaz de discutir a questão com seriedade e propriedade, é a primeira barreira que tem de ser atacada por todos. A Ecologia e outras ciências correlatas têm sim que se sentarem à mesa de debates, pois qualquer decisão que não tenha como princípio uma abordagem sistêmica em termos de saúde pública e a defesa da biodiversidade não terá validade alguma.
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[1] Instrumento constitucional que permite ao presidente da República ditar normas, que passam a vigorar no ato de sua publicação até que o Congresso Nacional as aprove ou as desaprove. Como o governo tem a maioria, elas sempre são aprovadas.
7 comments:
Concordo que tem de haver um debate público desta matéria. Tem que começar por um debate técnico, sem preconceitos ideológicos. Nem os técnicos, nem os jornalistas, nem os políticos, tem sabido pôr a questão de um modo que a opinião pública possa debatê-la com conhecimento de causa.
Não concordo é com esta frase: "(...)como alternativa para se atingir consideráveis aumentos de produtividade, redução de custos de produção e menores impactos ambientais (por um suposto menor uso de agro-tóxicos). Argumentos que também não têm qualquer amparo estatístico ou científico confiável." Pode haver alguns estudos que contrariem esta visão, mas há muitos (penso que mais) que a apoiam.
O problema não é os transgénicos em si, mas o uso que se faz deles. Tal como o problema não é de saúde pública, é quando muito ecológico (um pouco), mas sobretudo económico.
Os transgénicos como tecnologia podem, se forem bem usados, ser benéficos para o ambiente. Podem de facto permitir a redução dos agro-tóxicos se as plantas forem resistentes a pragas (como é o caso do milho) ou se dispensarem o uso de fertilizantes. Claro que se forem resistentes a pesticidas pões um problema, mas isso é o mau uso dos transgénicos. Os transgénicos, em teoria, podem ser usados para viabilizar economicamente a exploração de cultivares tradicionais que vão sendo abandonados por serem pouco rentáveis. Na prática, com a aplicação da lei das patentes, o comércio das sementes transgénicas torna-se um monopólio que fica nas mão das grandes multinacionais. O problema é económico. Os governos não se devem demitir de intervir na situação, porventura incentivando mesmo pequenas companhias para diversificar a produção. Pelo contrário o que os governos têm feito, sob a pressão da opinião pública assustada com Frankensteins alimentares, é impor medidas de controlo de qualidade draconianas, extremamente caras, que só as grandes companhias podem comportar. É apenas uma maneira de dar o ouro ao bandido. Claro que aí o "mercado funciona", mas o resultado para além do monopólio é também a diminuição da diversidade das culturas.
Simplesmente, como diz o ditado "não podemos deitar fora o bebé com a água do banho". Os transgénicos são mal utilizados, mas isso não é razão para os recusar, antes para exigir dos governos que ele sejam bem utilizados. Se andamos há anos a investir no progresso da investigação científica, que saibamos beneficiar dela.
Olá, zèd.
Em momento algum eu descartei o parecer puramente técnico, coloco aqui que o debate deve também considerar outros pareceres científicos, não só o da Engenharia Genética, como tem sido feito nos últimos dez anos.
Já sobre a frase que você descorda, ela faz parte de um contexto que visa mostrar a mudança de comportamento dos defensores dos transgênicos. Que ora defendem uma coisa ora defendem outra. O que me leva a crer que são afirmações muits vezes subjetivas ou que os estudos não são conclusivos.
Além disso, ninguém pode garantir que os cultivadores de transgênicos usem menos agro-tóxicos em suas lavouras, uma vez que esses produtos só podem ser fornecidos pelas mesmas empresas que vendem as sementes e devem ser compatíveis com a variedade adquirida. E elas têm sistematicamente sonegado a informação da quantidade de produtivos químicos que são consumidos.
Também não afirmei que a produção afete a saúde pública ou o meio ambiente. Digo o seguinte: "A Ecologia e outras ciências correlatas têm sim que se sentarem à mesa de debates, pois qualquer decisão que não tenha como princípio uma abordagem sistêmica em termos de saúde pública e a defesa da biodiversidade não terá validade alguma". Ou seja, estou enfatizando aqui que a participação multidisciplinar é indispensável para se chegar a uma conclusão definitiva sobre o caso. E vou além quando digo que "qualquer que seja o argumento não poderá determinar que o assunto é consenso e muito menos põe um ponto-final na discussão". E foi isso que pretendi passar.
Como bem o dissestes, o debate tem de ser conduzido sem "preconceitos ideológicos", mas sem também abrirmos mão da "ética e responsabilidade social", princípios que devem nortear qualquer atividade científica. Também não posso deixar de dizer que tens uma visão interessante sobre o tema e que serão por mim consideradas.
Por outro lado são as grandes companhias - os monopólios ou mais correctamente os oligopólios - que já detêm o dominio do mercado de sementes, mesmo as não-transgénicas. Mas são também oligopólios que dominam o mercado dos automóveis, dos computadores, dos telemóveis, da energia, etc. E não vejo tanto zumzum nestas outras áreas.
Manolo,
Acho que estamos globalmente de acordo, exepto talvez algumas questões de pormenor. Vou tentar contribuir para, dentro das minhas limitações, com uma perspectiva mais técnica num post a publicar futuramente.
Pegando na tua frase "ninguém pode garantir que os cultivadores de transgênicos usem menos agro-tóxicos em suas lavouras, uma vez que esses produtos só podem ser fornecidos pelas mesmas empresas que vendem as sementes e devem ser compatíveis com a variedade adquirida.". Isto é verdade, e é um exemplo de um aspecto em que os governos deviam ser mais intreventivos.
Eu referi a saúde pública apenas porque são argumentos contra os transgénicos que já ouvi noutras ocasiões. Para a saúde pública porque há quem diga que os transgénicos podem ser nocívos como alimento, e para o ambiente porque se fala muito em poluição genética. Um e outro são perigos hipotéticos, que quando muito se aplicam a um ou outro transgénico específico mas não à generalidade dos transgénicos.
Cinico&contraditorio,
Não deixa de ser verdade que não há zumzum, como não deixa de ser lamentável. Isso não justifica que não se faça zumzum numa questão concreta, seja ela qual for. Contudo os transgénicos têm algumas especificidades que não se aplicam aos outros casos, nomeadamente o alarme que causam na opinião pública.
Sim, zèd, as nossas diferenças são bem pontuais. Não pretendi fazer um ataque brutal aos transgênicos como tampouco me mostrei arredio em aceitá-los. Fiz algumas considerações sobre as contradições que emperram qualquer conclusão final sobre a questão.
Concordo contigo que cabe ao Estado o controle final (assim como já o faz com os não-transgênicos), mas pra que isso aconteça não podemos ter qualquer dúvida sobre o assunto para que possamos cobrar do Estado um controle efetivo. Enfim, tens argumentos bem interessantes sobre o tema que merecem sim um post.
Olá, C&C.
Talvez não se faça tanto barulho contra esses monopólios porque eles produzem bens que a sociedade quer consumir, seja por conforto ou por símbolo de ascensão social.
Posso pedir a vossa opinião?
http://grafitosdalx.blogspot.com/2007/09/mandei-uma-sugesto-ao-sr-presidente-da.html#links
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