Aquele que olha para o seu passado
sem cansar a sua vida, sem obter
do medo uma carta fictícia de alforria
porque é árbitro das suas promessas e do seu isolamento,
e o tempo ou as quimeras não são portas do seu tumulto,
aquele que traz nas pregas da sua surpresa
ou da substância sua esse favor que se diz intermitente
e que permite cortar o destino como um queijo tenro,
um queijo que não dá volta à amargura mas adere à estupefacção
e é outro ou o mesmo, porque o fervor o distingue do terceiro espólio,
aquele que não vê esse gosto do despeito porque segue
rápido, a caminho da sobrevivência
para falar dos ázimos e benzer os pratos mais pobres,
tal a sua ciência é um ardor refutável entre limões
ou ambíguas presenças como fontes onde a doçura vigia,
fende corpos e empresta deuses para segurar pesados braços,
aquele que diz “eu não vim para triunfar,
mas para inquirir sobre o teor da persuasão,
dar à natureza uma queimadura viável
e evitar que o vinho se lembre do timbre pérfido”,
aquele que se manifesta sobre a ordem múltipla do êxito
para preservar a susceptibilidade com tâmaras veementes
e avisar a posteridade da arrogância da culpa,
aquele que conhece a sua fraqueza
e não despe com mais de duas mãos
não a ouve tão pouco mais ouvidos do que permite
a essência das coisas, a penitência assustada,
mas é de alto a baixo o inquérito sobre a alternativa,
mar rolado continuamente sobre o seixo exterminador,
ah vo-lo-dirão, enfim?
aquele que conhece bem a sua origem
é um homem que passa, leve, entre
os sinais da terra, que permite
aos seus olhos uma celebração contínua.
Ele não caminha de dia e de noite
entre a ruína das palavras e das visitações:
está parado entre duas carnes, tal a beneficência,
porque o seio do seu futuro
se apodera como uma ordenação da sua jornada
e, para lá do sábado, ele colhe e come entre juízos.
sem cansar a sua vida, sem obter
do medo uma carta fictícia de alforria
porque é árbitro das suas promessas e do seu isolamento,
e o tempo ou as quimeras não são portas do seu tumulto,
aquele que traz nas pregas da sua surpresa
ou da substância sua esse favor que se diz intermitente
e que permite cortar o destino como um queijo tenro,
um queijo que não dá volta à amargura mas adere à estupefacção
e é outro ou o mesmo, porque o fervor o distingue do terceiro espólio,
aquele que não vê esse gosto do despeito porque segue
rápido, a caminho da sobrevivência
para falar dos ázimos e benzer os pratos mais pobres,
tal a sua ciência é um ardor refutável entre limões
ou ambíguas presenças como fontes onde a doçura vigia,
fende corpos e empresta deuses para segurar pesados braços,
aquele que diz “eu não vim para triunfar,
mas para inquirir sobre o teor da persuasão,
dar à natureza uma queimadura viável
e evitar que o vinho se lembre do timbre pérfido”,
aquele que se manifesta sobre a ordem múltipla do êxito
para preservar a susceptibilidade com tâmaras veementes
e avisar a posteridade da arrogância da culpa,
aquele que conhece a sua fraqueza
e não despe com mais de duas mãos
não a ouve tão pouco mais ouvidos do que permite
a essência das coisas, a penitência assustada,
mas é de alto a baixo o inquérito sobre a alternativa,
mar rolado continuamente sobre o seixo exterminador,
ah vo-lo-dirão, enfim?
aquele que conhece bem a sua origem
é um homem que passa, leve, entre
os sinais da terra, que permite
aos seus olhos uma celebração contínua.
Ele não caminha de dia e de noite
entre a ruína das palavras e das visitações:
está parado entre duas carnes, tal a beneficência,
porque o seio do seu futuro
se apodera como uma ordenação da sua jornada
e, para lá do sábado, ele colhe e come entre juízos.
Exemplo maior (canto terceiro), Antuérpia, 1985
[excerto do poema]
Nb: com um agradecimento ao José Luís Tavares, pela lembrança.
2 comments:
Excelente. Não conhecia o João Vário. Vou comprar os livros dos poemas (espero que o André Belo não leia isto porque já não deve ter espaço nas estantes para mais livros!).
Acredito que agora a expressão "poeta bom é poeta morto" fará justiça a João Vário. O reconhecimento que nunca teve em vida talvez venha agora, pois a morte é o melhor investimento de um grande poeta. Sem palavras, deixo que a poesia de Armênio Vieira fale por mim.
CANTO FINAL FINAL OU AGONIA DUMA NOITE INFECUNDA
Como a flor cortada rente e desfolhada
ou os olhos vazados da criança
e o seu fio de pranto tênue e impotente
assim a noite caminha com os astros todos em vertigem
até que se atinge o ponto da mudez
a pesada mó triturando a sílaba
a garganta com as cordas dilaceradas
e uma lâmina ácida e pontiaguda enterrada ao nível da carótida
Entenda-se isto como noite e o seu transe derradeiro
tanto assim que a flor desfeita
não embala o coração do poeta
oh não
porque a flor defunta
se voa
não sobe nunca
e só dura
o espaço breve duma nota
Assim o canto se detém imóvel
como se da flauta
falhando súbito
na boca do poeta
ficasse o hiato
ou a saliva
de um tempo devassado por insectos cor de cinza
A voz suspensa e negada
cede a vez à letra amorfa
inscrita no silêncio
com seu peso
de chumbo e olvido
acaba o poema
e um ponto final selando tudo.
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