Depois de me armar em engraçadinho e lançar aqui uma provocação, lá tenho que vir aqui com a rábula do "não estava a falar a sério, era só uma provocação" (embora estivesse a falar a sério). As réplicas que tive à minha provocação, na caixa dos comentários, e em posts, deram boa resposta à minha questão "o que fez o Maio de 68 de importante para a esquerda?". Devo dizer em minha defesa (ou em busca de lenha para me queimar) que conheço muito pouco do Maio de 68, ou pelo menos, não tanto quanto gostaria.
Houve muitos Maios de 68, e por vezes concorrentes ou mesmo contraditórios. Como diz a Maria João Pires "Nem só de Maio e de França se fez 68. Em resposta à minha provocação Joana Lopes escreveu um excelente post, retenho a influência que o Maio de 68 teve em Portugal, ainda antes do 25 de Abril (era ainda a época marcelista e da Guerra Colonial). Retenho também a dimensão pessoal, afectiva mesmo, de quem viveu o Maio de 68, e fez aí uma parte importante da sua formação política. Rui Bebiano fala também desta dimensão, e não pensem que desvalorizo ou subestimo essa dimensão. Mais, respeito profundamente.
No entanto, eu referia-me, e refiro-me, ao caso francês. Pequeno truque de retórica, falar apenas de uma parte da questão. Mas mesmo no caso francês houve muitos Maios de 68. Houve o da Sorbonne e de Cohn-Bendit (ainda hoje uma figura muito interessante), que me parece, por acaso, ter sido bastante bem sucedido. Tenho a sensação que se fala pouco do quanto a França de De Gaulle vivia, em questões de costumes, segundo uma moral completamente anacrónica. Enquanto os jovens Anglo-Saxónicos andavam numa de "Sex, drugs and Rock&Roll", em França as raparigas não podiam usar mini-saias. A revolta da Sorbonne surge, em grande parte, como uma luta por mais liberdades sexuais e de costumes. O estudantes queriam afinal uma modernidade que lhes passava ao lado. E as mudanças em termos de costumes vieram rapidamente.
Depois houve o Maio de 68 político, o da esquerda, especialmente de comunistas e sindicalistas. Mais uma vez por reacção à figura opressiva e sufocante de De Gaulle (um reaccionário autoritário na linha de outros que a França já produziu, tais que le Roi Soleil ou o Bonaparte). Era uma esquerda cujo peso político não correspondia à força que representavam na sociedade francesa, por força do sistema eleitoral forjado por De Gaulle para a V República. O Maio de 68 surgiu como a oportunidade de sair para a rua e demonstrar o real peso da esquerda. Ocorreram greves e ocupações de fábricas. Nem sempre estes movimentos e os estudantes estavam em sintonia. Na minha opinião este Maio de 68 falhou. O objectivo era, ou devia ter sido, o da construção de um projecto político mobilizador, capaz de criar uma força eleitoral com possibilidade de chegar ao poder. Alguns acordos assinados por sindicatos com concessões do poder em favor dos trabalhadores acaba por ser apenas um prémio de consolação. Em vez de um projecto mobilizador surgiu uma fragmentação da esquerda, que ainda hoje fala de diversidade mas não sabe viver com ela (o que me faz lembrar o primeiro post que escrevi no Peão).
E talvez até no plano político o Maio de 68 tenha tido algumas (tímidas) consequências positivas. Apesar da vitória eleitoral, a quente, em Junho de 68, o Gaullismo tinha os dias contados. Veio primeiro Pompidou, da mesma família política de De Gaulle, em 1969. Mas em 1974 os franceses escolheram, talvez não por acaso, o mais jovem presidente da V República, um político com ares de modernidade e fama de competência tecnocrática, Valéry Giscard d'Estaing. Ainda assim, um presidente de centro-direita, embora uma ruptura com o Gaullismo. Foi na presidência de Giscard d'Estaing que Simone Veil legalizou o aborto. Consequências do Maio de 68?
E no entanto sinto ainda uma estranha necessidade justificar a minha provocação. Só pelas respostas que tive valeu a pena. Talvez por ser um iconoclasta tímido, não gosto de comemorações. Parece-me que o Maio de 68 corre um sério risco de mistificação, se calhar já aconteceu, é porventura inevitável. Comemorando as imagens, ou melhor, APENAS as imagens, o Maio de 68 reduz-se aos seus ícones, e esquece-se o conteúdo. Pessoalmente, por belos que fossem os cartazes, e eram, as razões que tinham por trás são mais importantes. E a mistificação trás os risco da satisfação com a revolta. A revolta era, é sempre, um meio para atingir um fim, e não um fim em si mesma. Alguns fins foram alcançados, outros, muitos, não. É bom que não nos contentemos com a revolta pelo simples facto de nos termos revoltado. Não esqueçamos os objectivos que não foram conseguidos, que ainda perseguimos. Mas, claro, celebre-se aquilo que foi conseguido. Eu não estava lá, não consegui nada, conseguiram-no vocês. Eu agradeço-vos!
Houve muitos Maios de 68, e por vezes concorrentes ou mesmo contraditórios. Como diz a Maria João Pires "Nem só de Maio e de França se fez 68. Em resposta à minha provocação Joana Lopes escreveu um excelente post, retenho a influência que o Maio de 68 teve em Portugal, ainda antes do 25 de Abril (era ainda a época marcelista e da Guerra Colonial). Retenho também a dimensão pessoal, afectiva mesmo, de quem viveu o Maio de 68, e fez aí uma parte importante da sua formação política. Rui Bebiano fala também desta dimensão, e não pensem que desvalorizo ou subestimo essa dimensão. Mais, respeito profundamente.
No entanto, eu referia-me, e refiro-me, ao caso francês. Pequeno truque de retórica, falar apenas de uma parte da questão. Mas mesmo no caso francês houve muitos Maios de 68. Houve o da Sorbonne e de Cohn-Bendit (ainda hoje uma figura muito interessante), que me parece, por acaso, ter sido bastante bem sucedido. Tenho a sensação que se fala pouco do quanto a França de De Gaulle vivia, em questões de costumes, segundo uma moral completamente anacrónica. Enquanto os jovens Anglo-Saxónicos andavam numa de "Sex, drugs and Rock&Roll", em França as raparigas não podiam usar mini-saias. A revolta da Sorbonne surge, em grande parte, como uma luta por mais liberdades sexuais e de costumes. O estudantes queriam afinal uma modernidade que lhes passava ao lado. E as mudanças em termos de costumes vieram rapidamente.
Depois houve o Maio de 68 político, o da esquerda, especialmente de comunistas e sindicalistas. Mais uma vez por reacção à figura opressiva e sufocante de De Gaulle (um reaccionário autoritário na linha de outros que a França já produziu, tais que le Roi Soleil ou o Bonaparte). Era uma esquerda cujo peso político não correspondia à força que representavam na sociedade francesa, por força do sistema eleitoral forjado por De Gaulle para a V República. O Maio de 68 surgiu como a oportunidade de sair para a rua e demonstrar o real peso da esquerda. Ocorreram greves e ocupações de fábricas. Nem sempre estes movimentos e os estudantes estavam em sintonia. Na minha opinião este Maio de 68 falhou. O objectivo era, ou devia ter sido, o da construção de um projecto político mobilizador, capaz de criar uma força eleitoral com possibilidade de chegar ao poder. Alguns acordos assinados por sindicatos com concessões do poder em favor dos trabalhadores acaba por ser apenas um prémio de consolação. Em vez de um projecto mobilizador surgiu uma fragmentação da esquerda, que ainda hoje fala de diversidade mas não sabe viver com ela (o que me faz lembrar o primeiro post que escrevi no Peão).
E talvez até no plano político o Maio de 68 tenha tido algumas (tímidas) consequências positivas. Apesar da vitória eleitoral, a quente, em Junho de 68, o Gaullismo tinha os dias contados. Veio primeiro Pompidou, da mesma família política de De Gaulle, em 1969. Mas em 1974 os franceses escolheram, talvez não por acaso, o mais jovem presidente da V República, um político com ares de modernidade e fama de competência tecnocrática, Valéry Giscard d'Estaing. Ainda assim, um presidente de centro-direita, embora uma ruptura com o Gaullismo. Foi na presidência de Giscard d'Estaing que Simone Veil legalizou o aborto. Consequências do Maio de 68?
E no entanto sinto ainda uma estranha necessidade justificar a minha provocação. Só pelas respostas que tive valeu a pena. Talvez por ser um iconoclasta tímido, não gosto de comemorações. Parece-me que o Maio de 68 corre um sério risco de mistificação, se calhar já aconteceu, é porventura inevitável. Comemorando as imagens, ou melhor, APENAS as imagens, o Maio de 68 reduz-se aos seus ícones, e esquece-se o conteúdo. Pessoalmente, por belos que fossem os cartazes, e eram, as razões que tinham por trás são mais importantes. E a mistificação trás os risco da satisfação com a revolta. A revolta era, é sempre, um meio para atingir um fim, e não um fim em si mesma. Alguns fins foram alcançados, outros, muitos, não. É bom que não nos contentemos com a revolta pelo simples facto de nos termos revoltado. Não esqueçamos os objectivos que não foram conseguidos, que ainda perseguimos. Mas, claro, celebre-se aquilo que foi conseguido. Eu não estava lá, não consegui nada, conseguiram-no vocês. Eu agradeço-vos!
7 comments:
Caro Zéd,
tenho muitas dúvidas de que as francesas estivessem tão oprimidas quando chegou o Maio 68.
Em 1964, tinha eu 19 anos, fui a Paris e a primeira surpresa que tive ao sair do metro foi ver um casal beijando-se apaixonadamente em plena rua. Em 1967 em Lisboa, num banco da Estufa Fria, fui eu admoestado por um polícia por dar um inocente beijinho à minha namorada em público.
O grande salto nas liberdades sexuais veio com a pílula que nasceu nos EUA, em 1960.
Em meados dos anos 60, em Lisboa, no meio estudantil, a principal dificuldade era encontrar um local para fazer amor (sem o polícia, claro).
mas com a pílula?
Não duvido que em 68 as portuguesas e os portugueses estivessem ainda mais reprimidos do que as francesas e os franceses. Mas lembre-se que o Maio de 68, dos estudantes franceses, começou em Março, em Nanterre, por questões ligadas à liberdade sexual.
E a pílula, lá está, começou nos EUA, é um exemplo daquilo de que falo no post.
Quanto a mulheres, tudo é relativo. Se estamos a comparar Portugal e França, em 1968, claro que havia muito mais «liberdades» em França. Mas o Zèd tem razão. Escrevi algo sobre o assunto aqui:
http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com/2008/04/maio-de-68-no-feminino.html
Quanto ao resto do «post», claro que valeu a pena a provocação! Pôs-nos a pensar e a escrever. Talvez ainda aqui volte mais tarde.
my turn de fazer uma pequena provocação (vem tão a propósito de coisas q ficam implícitas pelos comentários anteriores): que no feminino Maio 68 (e seus "correlegionários") foi uma revolução do caraças alguém duvida?
Felizmente (digo admirador confesso de mulheres emancipadas).
A tua provocação só deve chatear mesmo os reaccionários mais conservadores, como o PP espanhol de que fala o Rui Bebiano (http://aterceiranoite.wordpress.com/2008/05/07/o-fundo-e-a-questao/).
Em 1968,em Lisboa,as mulheres já usavam minisaia.Não acredito que as francesas não o fizessem também já antes do Maio de 68.
Há aqui um equívoco qualquer...
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