segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Cameron Todd Willingham

Imagine-se o pior dos pesadelos possíveis, por exemplo: um homem não só vê a sua casa arder com as suas três filhas dentro, num incêndio acidental, sem poder salvá-las, como ainda por cima vê-se acusado de fogo posto e homicídio voluntário, para acabar condenado à morte e executado. Será possível? Se o homem for pobre e desempregado, sem dinheiro para advogados, se tiver no cadastro uns pequenos furtos quando era jovem, se tiver uma relação turbulenta e por vezes violenta com a mulher, e se tudo isto se passar no Texas, sim é possível. Foi o que aconteceu com Cameron Todd Willingham. A sua casa ardeu com as suas três filhas dentro nas vésperas de Natal de 1991, e foi executado em Fevereiro de 2004. O New Yorker faz no seu último número uma excelente reportagem sobre o caso de Willingham, em que se demonstra nomeadamente que as perícias que os polícias supostamente especialistas em fogo posto que investigaram o caso não tinham a mínima preparação técnica-científica para o fazer. Essas perícias foram a base fundamental da acusação (para além delas a acusação tinha apenas elementos circunstanciais também desmentidos, e o testemunho de um companheiro de cela nada credível a quem Willingham teria supostamente confessado o crime). A análise que os peritos fizeram dos indícios do incêndio baseou-se numa série de convicções pessoais e folclore que eram correntes entre os polícias "especialistas" em incêndios, mas que nada tinham de científicos. Vale a pena em especial ler a parte em que se fala os incêndio de Lime Street em Jacksonville Florida (pág 13 e 14), em que Gerald Wayne Lewis foi acusado de fogo posto num caso em tudo semelhante ao de Willingham; a acusação baseava-se nos mesmíssimos argumentos dos "especialistas". Numa tentativa de provar que a versão dos factos de Lewis era inconsistente, e que apenas um fogo posto poderia explicar os indícios encontrados nos escombros da casa ardida, a acusação decidiu reconstituir o incêndio numa casa vizinha à de Lewis, virtualmente idêntica, e que estava destinada a ser demolida. O resultado foi a abolição de Lewis, e a prova de que as tais crenças e folclore dos peritos de incêndios da polícia eram destituídos de qualquer base científica ou sequer racional (a esse respeito pode ainda ver-se o vídeo abaixo). Um pequeno pormenor: o incêndio de Lime Street deu-se mais de um ano antes do incêndio da casa de Willingham. Se é grave condenar um inocente com base em pseudo-ciência, mais grave ainda é se a condenação ocorre depois de se demonstrar que essa pseudo-ciência é caduca.
As dúvidas sobre o caso de Willingham ganharam a atenção da imprensa logo em 2004, o Chicago Tribune publicou então uma reportagem em que a julgamento era desacreditado. Desde então pelo menos nove (verdadeiros) especialistas em questões de incêndios reviram os indícios no caso de Willingham. Segundo estes, não é sequer uma questão dos indícios serem insuficientes para provar que Willingham era culpado, eles provam que ele era inocente. Em 2005 o estado do Texas constituiu uma comissão para analisar os erros no caso de Willingham; Craig Beyler, um dos especialistas em incêndios, elaborou para essa comissão um relatório que foi entregue recentemente. Segundo Beyler os investigadores no caso de Willingham não tinham bases científicas para concluir que o incêndio era fogo posto, ignoraram evidências que contradiziam as suas teorias, não tinham compreensão da dinâmica do fogo (em particular do fenómeno de "flashover"), basearam-se em folclore desacreditado, e nunca conseguiram eliminar a hipótese do fogo ser acidental. Ainda segundo Beyler a abordagem dos peritos parece negar qualquer racionalidade, sendo mais parecido misticismo e psiquismo; a investigação violou não apenas os padrões de investigação actuais, mas mesmo os da época (pag. 16).

Nota: Na foto Willingham com a sua filha mais velha, Amber.


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