quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Guia prático do passageiro da Vimeca

Ao Zéd

É tempo de voltar a circular entre casa e trabalho. Este ano, estão mais intensos os apelos para que utilizemos os transportes públicos, mas a decisão deve ser ponderada em cima de factos concretos ou da experiência adquirida. Por exemplo, se precisamos vencer o percurso entre Lisboa e um dos bairros de Oeiras mais próximos daquela cidade (Carnaxide, Queijas, Linda-a-Velha...), de um lado da balança, estará o automóvel particular, e do outro, teremos os autocarros da Vimeca que, está provado, poupam a cidade de uma considerável quantidade de CO2 no ar. Pode ser que as pessoas não se convençam apenas por ouvir dizer que a Vimeca proporciona viagens confortáveis, a bordo de autocarros que deslizam agradavelmente pela A5 e num ambiente que sempre oferece histórias e novidades. No entanto, as dúvidas podem ser desfeitas conferindo se o (hipotético) “Guia prático do passageiro da Vimeca” mantém as seguintes orientações ao passageiro frequente:
“ Em hora de ponta avalie, antecipadamente, a sua condição geriátrica (e a dos outros passageiros) antes de optar pelos assentos dianteiros. Se se considera ainda longe dela, saiba que a cedência de lugar aos mais velhos não está assinalada porque contamos com os olhares de censura dos demais passageiros para orientar a sua conduta de passageiro mais novo. É para nos poupar ao trabalho de fiscalização que serve a “fundamentada” interiorização das regras sociais e o controle social que os verdadeiros vimequeiros podem exercer uns sobre os outros.
- É provável que viaje ao lado de um passageiro que mal caiba no nosso espaço-padrão individual. Os nossos assentos foram concebidos para pessoas que estão “antenadas” com as novas tendências em termos de pesos e medidas;
- No entanto, se for mulher e não tiver dúvidas de que o vizinho é apenas um espaçoso mal-intencionado, mantenha-se firme no seu lugar, e como barreira entre os dois, use a bolsa, a pasta, os livros, o guarda-chuva, o casaco, o que tiver à mão. Deixe bem claro que já percebeu que ele está confundindo você, deliberadamente, com o braço da poltrona lá de casa. Felizmente que estes casos são raros, mas se acontecer com você, faça toda esta operação de forma a atrair a atenção dos outros passageiros. Pode estar certa que o danado, pelo menos receberá olhares de censura de muitos, aliás, de muitas, a maioria dos nossos utentes;
- Em alguns autocarros, reservamos um dos assentos a pessoas que ultrapassam as medidas, mas esperamos poder contar com os nossos passageiros mais fiéis para divulgar entre os demais que aqueles bancos são para o tamanho “um e meio” e não para duas pessoas. Por enquanto, não nos responsabilizamos pelas situações em que duas pessoas, depois de sentarem-se ali, apertadas lado a lado, evitam encarar-se, mas são obrigadas a trocar olhares constrangidos com quase todos os demais passageiros enquanto seguem viagem naquele banco que dá as costas ao motorista. Mesmo sem saber o que fazer às mãos, às bolsas ou outros objectos, a experiência tem demonstrado que poucas se atrevem a levantar-se quando percebem o seu engano. Em tempos do politicamente correcto, aconselha o nosso departamento de pesquisa e atendimento ao passageiro-cliente a não afixarmos nenhum aviso sobre as restrições ao uso daquele assento. Ainda não nos decidimos sobre a palavra que mais correctamente deverá designar as pessoas a quem está reservado.
- Se é sensível a cheiros, saiba que de manhã, as fragrâncias (colónias, águas-de-cheiro, perfumes) se misturam pois, é uma qualidade do nosso passageiro padrão matinal tomar banho antes do trabalho. Portanto, não se queixe, há coisas muito piores.
- Se insistir em abrir as janelas durante o Inverno ou quando chove, não nos responsabilizamos pelos olhares unânimes e furiosos que lhe forem dirigidos; cabe ao Estado a responsabilidade por explicar às pessoas que, tal como nos hospitais, também os autocarros devem ser ambientes mais frios, mas arejados e livres daqueles bichinhos que trocamos pelo ar e que nos contaminam a todos.
- Aproveite o aperto das viagens matinais para apreciar as modas e conferir se você está actualizado ou precisa dar aquela “baixa” no seu guarda-roupa. Á excepção dos estudantes (que não devem dizer-lhe muito em termos de style) viajará entre um grupo representativo da classe média urbana portuguesa que, maioritariamente, trabalha em escritórios de Lisboa.
- Ao final da tarde, já sabe que viajará com telemóveis a tocar e a ligar furiosamente. Em todas as nossas viagens, oferecemos aos nossos passageiros a vista agradável das bordas do Monsanto, mas procure não se distrair assim tanto a olhar pela janela porque o trânsito na A5 é lento; não nos responsabilizamos pelos sustos que poderá levar se divagar muito e julgar que há um papagaio ou sapo-passageiro quando ouvir um som mesmo à sua frente. Não podemos evitar uma ponta de orgulho; nossos passageiros serão, porventura, os mais criativos na escolha do toque personalizado do seu telemóvel.
Para melhor usufruir dos nossos bons serviços, aconselhamos que, na medida do possível, adapte os seus horários ao período de procura menos intensa pelos nossos autocarros, entre as 10 horas e as 16 horas, durante a semana. Neste caso, lembramos que sempre poderá trocar de lugar se:
- Encontrar-se “ensanduichado” entre dois jovens, que indiferentes um do outro, escutam no Mp3 um rock “pauleira” e um zouk estremecedor;
- Certificar-se que algum passageiro por perto considera que as botas de Inverno não precisam ser trocadas por outro calçado nas outras estações do ano;
- Não conseguir fingir desinteresse em acertar o país a que pertence aquela mãe tão loira que fala com a sua filhinha numa língua que, de certeza, é “do leste”;
- Verificar que não assimilou bem a mensagem da campanha “Todos diferentes, todos iguais”, e dá conta de si prestando uma atenção (incomodada) aos diálogos e às posturas da nossa clientela multicultural: ucranianos, romenos, brasileiros, Palopianos... Se for um dos nossos passageiros “da casa” sempre transportará um livro, um jornal ou uma revista para distraí-lo em ocasiões desconcertantes como esta.
Ou então, não troque de lugar por nenhuma destas razões e aproveite a viagem para treinar a sua sensibilidade em todas as oportunidades.”

Se você, passageiro em potencial, puder confirmar a actualidade destas orientações gerais do Guia Prático do Passageiro da Vimeca, aprecie a viagem. Melhor ainda se for num dos autocarros novinhos em folha, grandes, de linhas futuristas e assentos ecologicamente correctos (no material) que são o último grito a la União Europeia. Com a A5 livre, estará no Marquês de Pombal em 15 ou 20 minutos.
Ao chegar ao Parque Eduardo VII, se a senhora de saia comprida quiser ler-lhe a sorte diga-lhe que sorte mesmo é poder viajar de Vimeca.
Bien sur

8 comments:

Zèd disse...

Ah! Ah! Ah! Iolanda, eu sabia que não me ias desiludir, excelente.

Há bem uns dez anos que deixei de usar a Vimeca, mas o charme pelos vistos mantém-se e apura com o tempo. Melhor ainda pela tua pena!

Anónimo disse...

Passei anos a esperar pela Vimeca. Belo guia!

Sofia Rodrigues disse...

Adorei o post de «verdadeira vimequeira». Esperávamos por ele há muito tempo.

Iolanda Évora disse...

Zéd e Anónimo,
agora, é só entrar, sentar e curtir a Vimeca. Boa viagem.

Daniel Melo disse...

É caso para dizer, quem viaja na Vimeca não tem enxaqueca!
Parabéns pelo humor rodoviário!!
Não há nada como um bom peão brincar ternamente com a concorrência...

Anónimo disse...

Agora este anónimo está longe de Portugal. Por isso é que é tão fácil lembrar-me da Vimeca com um sorriso nos lábios e nostalgia da adolescência.

Sappo disse...

Arre, guria! Estão deliciosas as tuas peripécias com os Vimecas. Belíssimo texto. Mas como não posso deixar de tirar um sarrinho, vai aqui uma observação: pra quem pegava aqueles ônibus chumbregas da Paulicéia Desvairada qualquer outro meio de transporte coletivo é de primeira classe. Como sabes bem, por estas bandas só sai ileso dos transportes coletivos quem usa tática de guerrilha urbana.

jocas

Iolanda Évora disse...

Pela descrição, este estaria no topo de um desses rankings da União Européia que se multiplicam.