quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Perguntar não dói

Essa história de Sarkô querer se aventurar na selva pra garantir a libertação
pelas Farc da franco-colombiana Ingrid Betancourt seria um gesto humanitário,
ou mais uma jogada de puro marketing do presidente francês? Ó dúvida cruel!

Retrospectiva do cineasta Amauri Tangará na Fabula Urbis

Esta 6.ª feira, a livraria Fabula Urbis propõe mais 2 filmes do brasileiro Amauri Tangará: Pobre é quem não tem jipe (1997) e A oitava cor do arco-íris (2004). A projecção conta com a presença do cineasta.
A livraria de Alfama prossegue assim a sua retrospectiva da obra deste cineasta nascido no Paraná e radicado no Mato Grosso, iniciada na 6.ª passada, com o documentário Carlos Reiners - o último comunista convicto do Pantanal (2002).
Na próxima semana será a vez da estreia mundial do seu último Horizontem, apoiado institucionalmente pela UNESCO, e de Ao Sul de Setembro (2005). A estreia em Portugal deve-se a Tangará estar neste momento uma temporada no país, preparando a peça «Em brasa», em conjunto com o Teatro O Bando, peça que se estreia a 17 de Abril no Teatro S. Luís, em Lisboa.
O resumo e ficha técnica dos filmes desta semana vêm aqui.
Para quem não sabe onde fica esta livraria lisboeta pode ver este mapa.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A bolha de Rio

O edil portuense acaba de ganhar mais uma bolha no pé, após a entrega no parlamento duma petição com 50 mil assinaturas para travar a transformação do histórico mercado do Bolhão em mais um shopping liofilizado e pró-fino freguê$, claro está.
Na recolha das assinaturas participaram várias associações e movimentos portuenses, incluindo a Campo Aberto, a Casa Viva, a Associação de Estudantes da FAUP, o MIC-Porto (ligado a Manuel Alegre), o GAIA, o Terra Viva!, etc..
É verdade que o mercado precisava de obras. O irónico e revoltante disto tudo é que já existia um projecto de recuperação para o Bolhão, do arq. Joaquim Massena, entregue em 1998. Mas como foi entregue sob um consulado socialista e o actual edil sofre de partidarite aguda...
Sobre o centenário mercado popular vd. aqui. O movimento de apoio à salvaguarda deste espaço patrimonial único lançou em finais de Janeiro o blogue Mercado do Bolhão vivo. Também o blogue Opozine tem um dossiê dedicado ao Bolhão. É, pelo andar da carruagem, vai virar bolhona no pé do autarca... e com as urgências a fecharem à velocidade da luz, não sei não...
Nb: notícia desenvolvida sobre a entrega da petição na TvNet; imagem retirada daqui.

Fait divers III

O blog A cavalo no diabo fez o melhor post da blogosfera sobre a red carpet dos óscares.

Brasil é racista, corrupto e injusto. E a ONU descobre o ovo de Colombo.

A Organização das Nações Unidas (ONU) cobra proteção aos Direitos Humanos no Brasil. O parecer da entidade destaca problemas como corrupção, desiguladade social, racismo, tortura e impunidade. O documento salienta também que Brasil ainda não cumpriu as recomendações feitas. Em 2005, a ONU deu o prazo de um ano para que o governo brasileiro adotasse medidas para a proteção dos Direitos Humanos. Dois anos se passaram e o governo sequer disse o que pretende fazer para resolver (ou, pelo menos, atenuar) tal situação. Esta conclusão faz parte do primeiro raios-X completo sobre a situação dos Direitos Humanos no país. O relatório será debatido pelo Plenário da ONU em abril próximo e, até , o governo terá de se preparar para dar respostas necessárias. Até ai, nada de novo em Terras Tupiniquins.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Fait divers II

E o melhor Profeta Elias do red carpet

Fait divers I





Os mais lindos da noite dos óscares

Con Zapatero hasta la muerte

Obituário publicado ontem no diário espanhol El País.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Banksy

Ninguém o conhece, mas é famoso, logo toda a gente o conhece. Banksy é o nome que assina por baixo de várias instalações artísticas em Bristol e um pouco por todo o lado. Podem ver coisas dele no seu website.






















Banksy vs. Monet

P.S. Alguém me explica como uma cidade como Bristol consegue produzir coisas tão interessantes como Banksy, o Wild Bunch e por aí fora?

Os rumores da locura do presidente francês foram manifestamente exagerados

Passados todos estes anos chegamos afinal à conclusão de que os rumores da loucura do presidente da república francesa, e que levaram a que o seu mandato durasse apenas alguns meses, foram afinal manifestamente exagerados. É certo que era um homem que vivia na angústia de desagradar, que era hiperactivo, que lidou mal com o facto de um presidente da república ter afinal menos poderes do que aqueles que pensava. É certo que o excesso de pressão a que um presidente da república está sujeito o conduziu a acessos coléricos e a episódios de depressivos. Viveu rodeado de guarda-costas o que o isolou do contacto com os outros, e a sua relação com o seu pai também não terá ajudado, bem pelo contrário. Esse excesso de pressão terá levado ocasionalmente à hiperexpressividade e à desintegração relativa do EU. Mas era apenas um homem apaixonado, não um homem passional. Os seus discursos inflamados denunciavam uma necessidade de seduzir, de atrair para si as atenções, e a sua inclinação teatral. Teria afinal uma vocação e sensibilidade artísticas, e falhou talvez uma carreira nas artes dramáticas. E mesmo que seja verídico o episódio em que terá descido ao jardim do seu castelo semi-nú e falado tranquilamente com o jardineiro antes de se banhar num tanque para depois não ter consciência do sucedido, mesmo que seja verdade que caiu pela borda fora do comboio presidencial em andamento a meio da noite durante o sono, muitos dos mitos que se contam a seu respeito são completamente infundados. Não é verdade (ou melhor, não há provas credíveis) que tenha sido a sua mulher quem assinou a sua carta de demissão, nem que tenha assinado documentos oficiais com a firma de Napoleão ou Vercingétorix, nem tampouco que tenha sido certa vez encontrado pelos seus colaboradores refugiado em cima de uma árvore. Não era afinal o presidente tresloucado que o folclore normalmente representa. Era apenas um homem que sucumbiu à pressão, atacado pelo excesso de fadiga, resultante de demasiado trabalho, de demasiada entrega às suas funções presidenciais.
Tudo isto e muito mais se aprende na Wikipédia, a respeito de Paul Deschanel, Presidente da República Francesa de 18 de Fevereiro a 21 de Setembro de 1920.

O desespero bate à porta de Clinton. E o jogo-sujo entra na campanha.

Uma foto de Obama tirada em 2006, durante uma viagem ao Quênia, ameaça levantar discussões sobre suas supostas raízes muçulmanas (sim, e daí?). Na imagem, o democrata usa roupas de um ancião somali. A foto, que segundo o sítio Drudge Report foi divulgada por colaboradores de Hillary Clinton, somada ao anúncio de apoio do líder muçulmano, Louis Farrakhan, à candidatura de Obama podem fortalecer aqueles que acusam o democrata e a mulher, Michelle, de não serem suficientemente patrióticos. O anúncio acontece dias antes das primárias no Texas, um dos estados americanos mais conservadores. Em outras eleições, fotografias fizeram grandes estragos nas campanhas de candidatos à Casa Branca. É o caso, por exemplo, do democrata Gary Hart que, em 1988, foi visto com a amante sentada em seu colo e o seu rival Michael Dukakis fotografado posando em um tanque de guerra. Este é o jogo-sujo de quem sabe que já não tem muito a perder.

Logotipos comprometedores (ou no mínimo curiosos)

Recebi há semanas um e-mail de um amigo desocupado com imagens de alguns logotipos fotografados alhures. Já que a publicidade é uma área que pouco conheço (assim como o Oscar) e como o dia amanheceu como se estivesse na andropausa, por falta do que fazer procurei na etimologia a informação necessária sobre o assunto. Abro o meu Houaiss Eletrônico e descubro que a palavralogo” vem do grego (lógos) e significa palavra, uma narração, um pronunciamento, verbo, conceito, idéia. "Tipo" também vem do grego (týpos) e significa figura, imagem, representação, sinal e etc... Em suma, logotipo é então o símbolo visível de um conceito e que serve à identificação de uma empresa, instituição, produto e tudo mais que o mercado de consumo cria pra arrancar o nosso rico dinheirinho. Sendo assim, vamos analisar sob à luz deste conceito o que significa os logotipos aqui postados.

Seria este um lugar onde se faz diagnósticos urológicos on-line?

que os preços dos fármacos estão de f. Mas não precisa ser tão explicito assim.


Sugestão de nome para esta clínica dentária: Kama Sutra. Já imagino o que virá a seguir.

quem desenhou este logotipo deveria estar encarcerado por apologia à pedofilia.


Creio que o artista que criou este logotipo é um adepto da psychedelic art, tipo um incondicional do lisérgico Timothy Larry. O que seria kids exchange, transformou-se em uma clínica de mudança de sexo para futuros transexuais.

PS: Para aqueles que pretendam ingressar no mercado empresarial, o conselho que dou é que pensem muito bem na hora da escolha do profissional que cuidará da publicidade e da imagem de sua empresa. Caso contrário, dará nisto.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Annuntio vobis gaudium magnum: habemus presidente

Como o previsto, o general de exército, Raúl Castro, foi “eleito” pela Assembléia Nacional do Poder Popular presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros. Ou seja: é o novo (pero no mucho) Big Boss dos cubanos. Não me acostumo (e jamais me acostumarei) com esta idéia bizarra de que um conclave de 614 iluminados possam decidir por quase 11 milhões.

Quando certos políticos citam Shakespeare é mau presságio

Um outro olhar sobre o Kosovo

Cartoon de GoRRo (c) 2008

Nb: GoRRo recomenda a leitura do texto «O 'efeito Kosovo'», de Vital Moreira.

Outro poeta



Mais um trecho da novela “Sarkozy presidente”.

É preciso relembrar que houve algumas pessoas que foram julgadas por terem insultado o antigo ministro do Interior e o agora Presidente (ver esse caso mas há outros).


Talvez a pessoa insultada vai queixar-se mas, como se sabe, o Presidente francês não pode ser julgado - salvo casos muito graves - enquanto é presidente.

Catalunha perde parte de sua poesia: Josep Palau i Fabre (1917 – 2008)








O poeta, ensaísta e dramaturgo Josep Palau i Fabre faleceu ontem, aos 90 anos. Fabre foi uma grande expressão da literatura catalã do pós-guerra e um dos maiores conhecedores da obra de Pablo Picasso. Na História da Literatura Catalã, publicou, em conjunto com Joan Brossa , Poemas de de l’alquimista", uma verdadeira alquimia poética.

Pedra
(a Xavier Zubiri)
(versão livre de Yvette Centeno)

Dura como a água dura.
Raiz de si própria.
Em êxtase perpétuo
a pedra perpetua
a pedra, imagem pura
e a idéia de pedra
se nos torna madura
(1942)

sábado, 23 de fevereiro de 2008

A ciberdemocracia espanhola. Olé!

A campanha oficial (mas já deu a arrancada há algum tempo) para as eleições gerais parlamentares de 9 de março próximo na Espanha começou ontem. A novidade é que a exemplo de que acontece nos Estados Unidos, com a CNN/YouTube, o eleitor espanhol terá na Internet mais uma opção para acompanhá-las e, melhor ainda, interagir on-line com os respectivos candidatos. Quatro canais de vídeos estão disponíveis. A RTVE aliou-se ao YouTube e em conjunto criaram um canal dedicado às eleições. O canal reserva um espaço para cada uma das forças partidárias concorrentes e lança o desafio aos eleitores para que interpelem os candidatos e coloquem as suas perguntas. Ou seja, os internautas registram suas perguntas para os candidatos em vídeos de 30 segundos: "Tengo una pergunta para usted". As perguntas mais interessantes são colocadas no ar pela TVE e dirigidas aos candidatos. Além da rede pública, a empresa de comunicação social privada Antena 3 (abertamente pró Mariano Rajoy, líder do PP) não quis ficar atrás (esse pessoal de direita é mesmo invejoso, não!?) e criou um outro canal à imagem e semelhança da TV pública. Como me nego a fazer qualquer concessão à direta, não colocarei aqui o link pro dito cujo. Quem o quiser, que o procure no Google. E fora da plataforma YouTube, foi aberto um canal de vídeos para acompanhar o as eleições no sitio Tu.tv. “Tú lo ves, tú eliges”.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

A meter água desde 2005

Cartoon de GoRRo (c) 2008

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Novos apoios ao Grémio Lisbonense

Anteontem, a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou uma moção de apoio ao Grémio Lisbonense, defendendo a sua continuidade na R. dos Sapateiros, 226 (ao Rossio) e assumindo a responsabilidade pela sua manutenção. A moção foi aprovada com os votos de todos os quadrantes políticos, excepto do PS e do CDS/PP, que se abstiveram. Ainda segundo a Agência Lusa, os proprietários do edifício mostraram abertura para a negociação, tendo o Grémio Lisbonense apresentado uma proposta para esse efeito.
Aguarda-se agora que este centenária associação possa prosseguir com as suas actividades socioculturais no lugar onde está desde o século XIX. Lisboa merece um espaço assim.
Enquanto isso não sucede, o Grémio vai recolhendo a solidariedade de congéneres: depois do Crew Hassan e do Grupo Desportivo da Mouraria é a vez do Clube Ferroviário de Portugal, que promove amanhã um concerto de apoio ao Grémio, com a actuação da Kumpania Algazarra. Música de arromba, novamente à la Kusturica (é às 23h, na R. de St.ª Apolónia, 59; +inf. nas agendas Le Cool Lisboa ou Rodobalho).

Turismo Petrificado

Cartoon de GoRRo (c) 2008

Vá, agora podeis ser politicamente incorrectos

Quando James Watson gerou polémica há poucos meses por defender que os Africanos eram menos inteligentes e que isso era determinado geneticamente houve na direita um movimento de solidariedade para com Watson contra o politicamente correcto. Pouco importa que James Watson não tenha avançado qualquer dado científico para sustentar as suas afirmações (e lamento muito mas dizer - cito de memória - "quem já trabalhou com negros sabe que as coisas não são bem assim" não pode ser considerado como um dado científico, é preciso um bocadinho mais). Acontece que agora há dados científicos que comparam geneticamente americanos descentes de africanos e de europeus, e os resultados são ligeiramente diferentes do que o próprio Watson esperaria (mas a esperança é a última a morrer, sobretudo para Watson). Um artigo acabadinho de sair na prestigiadíssima revista Nature mostra que os descendentes de africanos têm maior diversidade genética, mas isso são trocos, e - surprise, surprise... -, muito mais importante, os descendentes de europeus têm mais mutações deletérias. O que me chateia no jargão técnico é que um gajo no meio do climax tem que fazer uma pausa para dar explicações (e peço desculpa a quem conheça o palavrão "deletério"). Uma mutação deletéria é uma mutação que provoca deficiências graves e em geral a letalidade, ou seja uma deficiência genética. Quer isto dizer: os europeus têm mais deficiências genéticas do que os africanos (OK, reconheço que a inteligência não foi tratada neste estudo, portanto não podemos dizer nada a esse respeito). Eu pessoalmente até não acho que o artigo seja muito bom, nem interessante, nem sequer muito relevante. Não dou para esse peditório. Mas espero ansiosamente que aqueles tão voluntariosos espíritos que defenderam James Watson e as suas teses eugenistas sejam igualmente pungentes e enérgicos agora a bradar a única conclusão eugenicamente aceitável deste estudo: os africanos são geneticamente superiores aos europeus! Vá lá malta do politicamente incorrecto, repitam cem vezes e em coro: os africanos são geneticamente superiores aos europeus!

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

3 anos de lérias

Cartoon de GoRRo (c) 2008

Nb: a confrontar com o anterior desta saga, o «2 anos de férias».

A fábula inédita de Cardoso Pires

Lavagante. Encontro desabitado. Assim se intitula o texto inédito de José Cardoso Pires que abre a colecção «Mil Horas de Leitura» das Edições Nelson de Matos. Um excerto da obra foi publicado em Dezembro de 1963 na revista O Tempo e o Modo, com uma nota indicando-o como um capítulo do próximo romance do autor. A publicação do texto em livro, 45 anos depois, excede as expectativas. Era de esperar uma escrita com a qualidade e as marcas do estilo enxuto, preciso, denso de Cardoso Pires. Mas não surpreenderia que se um autor tão consagrado em vida não chegasse a publicar uma obra fosse por a considerar inacabada. O leitor teria portanto acesso a uma narrativa fragmentada, a episódios de ligação discutível, a uma história abruptamente interrompida. Não é o caso: estamos perante uma história contada em catorze pequenos capítulos, encadeados de modo a saltar-se rapidamente do fim de um para o seguinte. Uma revisão escrupulosa deu origem a apenas três notas o que, num livro de 89 páginas, é insignificante.
Podemos especular por que é que o autor não se decidiu a publicar o livro em vida: porque o concebeu como romance e saiu-lhe um texto demasiado curto; por causa de eventuais coincidências entre ficção e vida real (hipótese induzida pelo virtuosismo do autor em “imitar a vida”); por as alusões a acontecimentos que parecem ser a crise académica de 62 implicariam a apreensão certa do livro na década de 60 e tornavam-no desactualizado após o 25 de Abril. A certeza é que estamos perante uma história à qual poderá ter faltado uma última revisão, mas não um desfecho.
Os sinais de um tempo muito particular da História portuguesa caracterizam, situam as personagens e o enredo, sem as fechar no passado, pois é da natureza humana que aqui se trata, tratando-a com técnicas narrativas sofisticadas e com uma das mais antigas artes do mundo: a de contar histórias, melhor, a de contar fábulas. O lavagante alimenta o safio na toca até ficar tão gordo que já não consegue sair e se torna presa das suas garras afiadas. E por isso torna-se arquétipo de um perfil humano, como o delfim, o dinossauro excelentíssimo, o sapo, o galo. Mas o homem não é apenas um animal, e por isso é mais animalesco do que os bichos, pois faz por perversidade o que num animal é apenas instinto: «Neste caso foi o safio que se libertou pela mão do lavagante. Questão de táctica, pura questão de táctica. Para ganhar uma presa é necessário às vezes soltar a outra. Todos os bichos sabem isso, e o lavagante também» (1).
(1) José Cardoso Pires, Lavagante. Encontro Desabitado, Lisboa, Edições Nelson de Matos, 2008, p. 83.

Lavagante

«O terceiro indivíduo já lá estava quando Cecília chegou ao snack-bar.
A rapariga sentou-se ao balcão e olhou o espelho que havia por cima da frasqueira. Descobriu dois olhos grossos e uma boquilha. Era ele, o terceiro indivíduo. Tinha chapéu de abas largas e samarra, ar de amigo de patuscadas e de toureiros retirados.
Cecília bebeu o primeiro café, bebeu o segundo. No espelho, o homem tirava fumaças e fazia-lhe olhos doces, os olhos do velho galo conquistador.
Curvada sob o peso daquela presença, a rapariga abriu uma revista – o último número dos Cahiers du Cinema, se por acaso se lembrou de o comprar e se, comprando-o, o tivesse trazido com ela – abriu o Cahiers e tentou ler. As mãos suavam-lhe terrivelmente. Ela sabia o que isso queria dizer e foi lavá-las com carinho, compadecida e vagarosa para ganhar tempo. Depois voltou para o lugar. Daniel acabava de aparecer.»
PIRES, José Cardoso, Lavagante. Encontro desabitado, Lisboa, Edições Nelson de Matos, 2008, pp. 71-72

Corrida americana: cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém

Depois de vencer em Wisconsin e no Havaí (o décimo triunfo consecutivo), Barack Hussein Obama (este é o nome completo dele) vai de vento em popa para as decisivas primárias do próximo dia 4 em Ohio e Texas. Segundo sondagens da Reuters/Zogby, divulgadas hoje e realizadas em nível nacional, Obama aparece com 52% dos votos declarados contra apenas 38% de Hillary. No mês passado, os dois senadores apareciam em empate técnico. Nesta mesma pesquisa, o senador também supera o seu rival republicano John McCain (47 – 40%), na simulação para a eleição geral de novembro, enquanto a ex-primeira dama aparece atrás do candidato governista. Como política não é uma ciência exata e cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém, seria muito precipitado supor que esta disputa esteja definida. Nada disso. O próprio azarão McCain é a prova viva de que nesta corrida presidencial a única certeza que se pode ter é a dúvida de que se .

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O antónimo de Relativismo é: Absolutismo

E o Absolutismo Moral é o princípio e a justificação de todas as intolerâncias. Vem isto a propósito da crónica de Pacheco Pereira "Boomerang" no Público (16/02/2008), e em particular esta citação:

O "multiculturalismo", com o seu forte relativismo cultural, é cada vez mais difícil de compatibilizar com o adquirido civilizacional ocidental. Os valores que consideramos universais, em particular os direitos humanos, são postos em causa pelo relativismo "multicultural", que tende a desvalorizar a universalidade desses conceitos e a substituí-los por "interpretações" culturais que os põem em causa.

O relativismo moral não nos impede de defender perante outros os valores morais/éticos que consideramos justos, nem sequer nos impede de tentar persuadí-los com o uso de uma argumentação racional, e muito menos nos obriga a aceitar e/ou adoptar valores que não são os nossos. Impede-nos apenas, e bem, de impôr, em particular pela força, os nossos valores a quem tem valores diferentes. A única coisa que é posta em causa pelo relativismo "multiculturalista" é a possibilidade do ocidente impôr o seu adquirido civilizacional (o que quer que isso seja) a outros que o não queiram.

Amar e trabalhar na Europa

Este meta-post remete para aquele lá mais atrás, o primeiro da série unilateralmente proclamada, SMS. Nem a propósito dessa reflexão telegráfica, realizou-se no ISCTE um seminário internacional com o tema "Amar e trabalhar na Europa". Alguém foi? Será possível obter as intervenções efectuadas? Entretanto, transcrevo aqui este texto retirado do folheto de divulgação do dito seminário:
«Terão perguntado a Freud o que, no seu entender, uma pessoa normal deveria ser capaz de fazer bem. O entrevistador provavelmente esperaria uma resposta complicada. Contudo Freud, no estilo sintético do final da sua vida, terá dito: 'Lieben und arbeiten' (amar e trabalhar). E. H. Erikson (1998), 'Eight stages of man'.
Para Freud, saúde mental é poder amar e trabalhar. Amar no sentido da partilha, da entrega e do reconhecimento pelo outro. Trabalhar no sentido de ser autónomo, útil, produtivo.»

Para além da 'estúpida' economia

Este pertinente desafio lançado por João Rodrigues, que, aliás, tem aparecido recorrentemente na blogosfera, deverá ser levado a sério. No entanto, tenho uma observação: do meu ponto de vista o suposto debate à esquerda deve ultrapassar a questão económica e, sobretudo, deverá representar mais do que uma mera discussão em torno da viabilidade económica do Estado social. Trinta anos depois do 25 de Abril, Portugal continua a ser um país muito assimétrico, não só em termos socioecónomicos, mas, também, em termos territoriais e urbanísticos, ou em termos culturais e educacionais. Apesar de ter existido uma evolução significativa desde os anos 60, continuamos a ser uma sociedade estruturalmente dualista. Para um verdadeiro debate à esquerda (com consequências) é necessário, por um lado, denunciar as causas e os mecanismos que reproduzem esse perene dualismo, e, por outro lado, encetar um caminho programático que avance com propostas concretas e viáveis para inverter de vez com os ciclos que teimam num contínuo vicioso.

Fidel Castro renuncia à presidência de Cuba

Alertas

E o único dia que merecia um alerta laranja/vermelho não o teve. O Ministro diz que a culpa é dos Presidentes de Câmaras, os Presidentes dizem que é do Ministro e todos dizem que foi da chuva...

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Kosovo tem o direito à autodeterminação. E cada qual que cuide de si.

Finalmente, a União Européia chegou a uma posição comum sobre a declaração de independência do Kosovo. Agora cada país-membro decidirá se reconhece ou não a independência proclamada unilateralmente (pasmem! como se houvesse outra forma de se declarar independência). Que paises como a Espanha, Bélgica, Romênia e Rússia, entre outros, temam por uma onda separatista no continente é uma possibilidade até que real, mas isto não lhes dá o direito de negarem aos kosovares o que é fundamental e inerente ao ser humano: o direito à autodeterminação. E também que cada qual cuide de seu quintal.

Nb.: Na foto da AFP, a nova bandeira do Kosovo independente.

Publicidade institucional: A Evolução de Darwin

E por falar em Darwin, em 2009 comemoram-se os 200 anos do nascimento de Charles Darwin, e por ventura mais relevante, os 150 anos da publicação de "A Origem das Espécies" (em que Darwin expõe a sua teoria da evolução). A Fundação Calouste Gulbenkian vai apresentar uma grande exposição sobre Darwin, a inaugurar a 12 de Fevereiro de 2009, dia do 200° aniversário do seu nascimento. Entretanto, enquanto se prepara a exposição, foi lançado um blog "de apoio" em que se vai escrevendo sobre Evolução, Darwin e Biologia. Passem por lá (e divulguem).

Ano da Batata

Não sei como é que o Peão deixou passar esta: 2008 é o Ano Internacional da Batata, de acordo com as Nações Unidas (não, não estou a inventar, podem ver aqui).

Eterno defensor dos direitos da batata, seleccionei um clip para assinalar o evento: uma cena clássica de Southpark, da morte de Kenny. O que é que tem a ver?, perguntam vocês... Aparentemente, nada... Mas só aparentemente (vejam clip até ao fim).



domingo, 17 de fevereiro de 2008

Mudam-se os tempos, mudam-se os blogues

A blogosfera lusa vai mexendo: nos últimos tempos surgiram uma série de blogues sobre a precariedade laboral e a «fuga de cérebros». Trazem casos, testemunhos e informação sobre iniciativas, algumas irreverentes, como os «certificados de precariedade» em forma de carimbos-grafitti apostos nas fachadas de empresas amigas...
Aqui ficam registados alguns destes blogues (já inseridos na coluna da direita):
>Exige-arq (de J. Albuquerque e P. Canotilho; desde V/2007)
>Lisboa em Alerta (desde XI/2007)
>MayDay!! lisboa (deste mês)
>Mind this GAP - Graduados Abandonam Portugal (de M.ª Luís Neiva; desde V/2007)
>PI- Precários Inflexíveis (desde VII/2007).
O pioneiro Vidas precárias, surgido em III/2006, está inactivo desde X/2007.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

A desigualdade segundo Gilberto Gil

Há algo que me perturba quando os artistas de verdadeiro talento são capazes de emprestar beleza ao que de belo não tem nada. Acho mal! Sou frontalmente contra, e devia ser proibido. Era preciso um Idanov para tratar do assunto. O Gilberto Gil, sendo um grande artista, é useiro e veseiro nestas prevaricções. Veja-se por exemplo o tema "A Novidade" (pode ouvir-se ali em baixo), o poema é dele. Um/a gajo/a ouve isto e fica a pensar: "...lindo!, é lindo!". Ou seja a desigualdade social é linda! A guerra entre ricos e pobres é linda. Repare-se:"Ó, mundo tão desigual / Tudo é tão desigual / Ó, de um lado este carnaval / Do outro a fome total", e depois canta aquilo com guitarrinha em ritmo de samba-reaggae, e arranjo tropicalista, como se falasse da coincidência mais feliz do mundo. E eu pergunto: Onde anda a escola urbano-depressiva? Onde anda o negativismo constitutivo? Onde anda o pessimismo sistémico? Sei lá, não se arranja pelo menos um faduncho? Temos que levar com esta alegria incorrigível? Eu acho mal! Sou contra!
Pode ler-se a letra completa, e umas notas do Gilberto Gil sobre a estória deste poema aqui.


P.S. - Lifelogger rocks! Thanx Shyz!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Vamos lá viver este dia

Ando há que tempos com uma frase do escultor Rui Chafes na cabeça para meter aqui no Peão. É sobre o tempo, essa questão fundamental. O respeito do tempo dos outros, a possibilidade de desfrutar do seu próprio tempo quotidiano. Não são umas balelas quaisquer: é uma coisa fundamental da vidinha, tal como a logística afectiva (o trabalho que os afectos dão no quotidiano).

Vamos então, sem perder mais tempo, à frase do Rui Chafes. Está no JL. Sim, o "Jóta Éle", ele mesmo, o Jornal de Letras. (um dia, se tiver tempo, gostava de fazer o elogio do JL, esse anacronismo). E está num JL já desactualizado, como convém a um anacronismo. É o n° 969, de 21 de Novembro a 4 de Dezembro do ano passado.

A frase, então. Vai a bold para ser fulminante, para entrar mesmo no quotidiano das cabeças.

Não vale a pena lutar contra o tempo nem contra as crianças. Primeiro, porque elas têm razão em tudo, segundo, porque o tempo delas é o real, o da irrupção da vida, das flores que nascem, das nuvens que passam. O único tempo real é acordar de manhã, esfregar as mãos e dizer: vamos viver este dia".

É uma pérola, não é? E foi dita assim, numa entrevista a um JL escondido, anacrónico. Ficou-me semanas na cabeça, entrou nas minhas contradições, falou-me quando dei por mim a apressar a minha filha enquanto ela lava as mãos e quer sentir a água a correr por entre os dedos. Ou quando examina atentamente uma pedra que está no passeio. Ou se põe a pintar um detalhe de um desenho com minúcia. Sem pensar no tempo.

E depois há a logística, a tramada da logística. Os momentos em que, realmente, não temos tempo, apesar da beleza criancil. Em que não podemos, simplesmente, por causa do raio do modo de produção insuperável. Para todos. E a frase do Chafes continua ali a pairar, como utopia do quotidiano belo, como contradição outra vez.

Vamos lá então viver este dia.

Que cinema faz o documentário português?

Esta é a interrogação que nos traz «Panorama», a 2.ª mostra do documentário português, que hoje se inicia no cinema S. Jorge (Lisboa) e que termina a 24 deste mês. Há filmes para todos os gostos, sobre as mais desvairadas cousas e nos mais diversos lugares. Os realizadores são de várias gerações, havendo ainda tempo para uma homenagem a Paulo Rocha, do qual são apresentados 4 documentários. A organização cabe à Videoteca de Lisboa, à APORDOC e à EGEAC. Os ingressos têm preços de mil novecentos e troca o passo. É tentador, não é?...

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

O Voo do Condor - perdão, Concorde

Recomendação musical de qualidade: trata-se da melhor banda do mundo - ou por outras palavras, da quarta melhor dupla da cena folk-parody neo-zelandesa: os The Flight of the Conchords.

Já tiveram direito a especial na BBC e a uma série televisiva na HBO. Se não viram ainda a série, epá, mandem vir o DVD agora mesmo.




"Humans are Dead" - canção que prolonga o debate filosófico da distopia iniciado pela saudosa trilogia de Schwarzenneger, "Terminator".

Henri Salvador (1917 – 2008). E a bossa nova perde o seu inspirador.

Morreu nesta quarta-feira o cantor e compositor francês (Guiana) Henri Salvador. Considerado um dos grandes nomes do jazz, foi o maior inspirador da bossa nova. A sua canção "Dans Mon Île" (de 1957 e gravada por Caetano Veloso nos anos de 1980) foi uma das grandes influências de Tom Jobim (e de outros músicos brasileiros que a ouviram no filme "Nuits d’Europe") na criação da bossa nova. Um cantor eclético, que ia do rock às canções românticas, sem nunca perder o bom humor. Aqui, a sua última aparição em Ipanema (Rio de Janeiro), em 2006.

A tal canção do filme (to Daniel with luv)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Inscrições abertas

PENSAMENTO CRÍTICO CONTEMPORÂNEO
SEMINÁRIO DE INTRODUÇÃO

Ver programa aqui.

Galiza, os galegos e a súa cultura. Visións e experiencias dende o Portugal de hoxe

Varias semanas atrás tratouse neste blog - por Daniel Melo - da exposición, organizada e promovida polo Consello da Cultura Galega (CCG), “O sorriso de Daniel” que se pode visitar aínda (até o día 15) na Reitoría da Universidade Nova de Lisboa (UNL) en Campolide.
Quixera aproveitar para informarvos de que mañá, quinta feira 14 de fevereiro, vai ter lugar un acto, a medio camiño entre o académico e o informal, complementario da referida exposición. Trátase da celebración dunha mesa redonda ou de debate arredor do tema: Galiza, os galegos e a súa cultura. Visións e experiencias dende o Portugal de hoxe.
Esta actividade desenvolverase a partir das 18h30’ de mañá no Auditorio da sé lisboeta do Instituto Cervantes (Rúa de Santa Marta 43B) e no mesmo participarán a Professora e lingüista da Faculdade de Letras da UL Rita Marquilhas; o antropólogo do ISCTE António Medeiros e D. Constantino Costal, empresario portugués de orixe galega, actual presidente da Assambleia Geral da Xuventude de Galicia/Centro Galego de Lisboa.
As experiencias vitais, culturais, asociativas e laborais do importante continxente de emigrantes galegos en Lisboa durante a primeira metade do século XX; as percepción políticas e culturais que dende Galiza se teñen de Portugal (e viceversa); ou a orixe común das linguas galega e portuguesa e o seu proceso histórico de diferenciación ortográfica, serán algúns dos temas que conformarán un debate que ten a intención de abrir a participación o máximo posible ás persoas que estean interesadas en asistir.
Portugal é un referente central para certos discursos políticos e culturais – procedentes xa de finais do século XIX – do nacionalismo galego actual. Tamén a fonte de algúns tópicos e prexuízos etnocéntricos fortemente arraigados na Galiza… Que significa Galiza e o feito cultural galego hoxe para os portugueses? Ten unha connotación distinta para os portugueses do Minho e para os do Sur do país? Disólvese a imaxe que os portugueses teñen de Galiza na que manexan con respecto do Estado español?
Para debater sobre estas cuestións e aquelas outras que puideran xurdirnos, teño o pracer de convidarvos a todos/todas á devandita mesa redonda, que terei a honra de moderar. Eu, cando menos, agardo aprender moitas cousas.

Darjeeling limited

Mesmo temendo alguns maneirismos fashion sem qualquer conteúdo, acabei por ver o novo filme de Wes Anderson, Darjeeling limited. E sim, os maneirismos lá estão, na inevitável referência ao conjunto de malas Mark Jacobs-na Louis Vuitton- para Wes Anderson, na banda sonora a sair de um iPod ou na aldeia indiana azul turquesa de encomenda, mas cheios de sentido e, sobretudo, a rirem de si próprios, o que é ainda melhor.
Cómica demanda espiritual, em que as experiências sensoriais estão mais próximas da ingestão de analgésicos sem receita ou da pulverização com gás pimenta, mas, onde, mesmo assim, as instruções de um guru contratado acabam por se cumprir.
Na Parte I do filme, Hotel Chevalier, (com a cada vez mais irritante Natalie Portman), os diálogos brilham. E só para dar um exemplo:
"Ex-girlfriend: If we fuck I'm gonna feel like shit tomorrow.
Jack: That's okay with me."
P.s. - Alguém me poderia ensinar novamente a postar videos do YouTube? Queria pôr uma das canções do filme e não consigo perceber como é que o posso fazer. Obrigada.

O triste fim de Tarzan em Terras Tupiniquins

Yes we can



Esta fotografia foi tirada em Alexandria, VA, à 3 dias. Hoje a Virginia foi um local onde Obama venceu, bem como no estado de Maryland e DC.

Intitulo este post com o slogan de Obama, mas receosa que mude para Yes we could depois dos votos de todos os latinos do Texas estarem contados. A ver vamos. Continuo a apostar $$$$ numa final Clinton/McCain com vitória para McCain.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Laranja ou cristal?

A deixar traço desde 1958,

e ainda risca....







Tão amigos que eles eram...



É curioso, os mesmíssimos periódicos que apresentavam Sarkozy como imbatível a uma semana das eleições presidenciais, no que não foi mais do que campanha eleitoral encapotada, apresentam agora Sarkozy como a grande decepção, nem faz um ano sequer. Os media que tanto ajudaram Sarkozy a chegar a presidente, agora que ele agoniza nas sondagens não hesitam a ajudar ao enterro. Chamem-me cínico. Esta imprensa, que não é toda a imprensa, limita-se a andar atrás da opinião pública. Não têm qualquer escrúpulos em morder a mão que deu de comer (o que no caso em apreço não me incomoda minimamente, estão bem um para o outro). Faz-me lembrar uma linha que retive de um dos melhores filmes que já vi: "Os jornais não fazem a opinião pública, é a opinião pública que faz os jornais" (cito de memória, e admito que deva ser uma adaptação muito livre, mas a ideia está lá).

Por falar nisso, a obsessão actual da imprensa francesa, particularmente a de esquerda, com a queda Sarkozy nas sondagens faz-me alguma comichão. Que me importa agora se o homem está em queda nas sondagens, se ele for re-eleito daqui a quatro anos? É certo que a magnitude da queda nas sondagens, e a aparente incapacidade de gerir a imagem depois de estar no poder, são no mínimo surpreendentes para quem soube tão bem usá-las para chegar ao poder. Mas isso não justifica tanto sururu. E bem fariam os jornais se em vez de se focalizarem nas taxas de aprovação fossem à procura das razões dessa impopularidade (à cabeça das quais estará o poder de compra - "it's the economy, stupid!"

Adenda - Sarkozy continua a descer nas sondagens, e os jornalistas continuam obcecados com isso.

Rapariga negra, rapariga branca

No início, Rapariga negra, rapariga branca será sobre o remorso-branco e o rancor-negro na América pós-Nixon. Uma América feita maquete de campus universitário fundado sobre os grandes princípios dos direitos civis e da igualdade social ("... and justice for all"). Mas Joyce Carol Oates aprofunda, ainda mais, estes sentimentos, escrutinando todas as personagens até que delas saia o pior: suspeita, manipulação e incapacidade, muita incapacidade para enfrentar a vida pessoal, profissional, familiar e amorosa.
O tom é de crueza e ninguém tem nada para dar, excepto complexos e agressividade vindos de uma herança esquerdista desequilibrada ou de uma desajustada rigidez. Uma sombria e lúcida reflexão sobre constragimentos sociais e percursos particulares.
Imagem: Kara Walker - da série My Complement, My Enemy, My Oppressor, My Love. Artista contemporânea norte-americana que utiliza a técnica vitoriana da silhueta para retratar a violência durante a escravatura nos Estados Unidos. Como, muitas vezes, retrata a violência de negros para negros causa alguma polémica na comunidade afro-americana.