É caixa-de-óculos, gordalhufo, usa
jeans xxl e tem um andar desajeitado. Além disso, fala sobre coisas chatas como trabalho, dignidade, justiça social, desigualdades, etc.. Um cromo destes só pode ser um incómodo, claro.
Capitalism: a love story é o seu último filme. A recepção foi desigual, indiferente à adesão nos cinemas, urbi et orbi. Por mim, considero-o o melhor filme que vi em 2009, mais, um dos melhores de sempre.
Vou tentar explicar porquê. Um dos pontos mais fortes do documentário (sim, porque é um documentário, se virmos o género sem espartilhos tecnicisto-formais) é o ponto onde começa: Flint, berço do cineasta e satélite da todo-poderosa General Motors, que se torna cidade-fantasma mal esta sai de lá, por razões meramente economicistas. Foi por aí que Michael Moore começou a sua carreira, com Roger & me (sendo Roger o presidente da GM a quem ele nunca consegue chegar à fala), um documentário cru sobre a devastação da sua cidade-natal, assim qualquer coisa como uma cidade do tamanho de Aveiro. No presente Capitalism, vemos o pai de Moore a confessar-nos que, enquanto operário dessa multinacional nos idos de 50-70, o ambiente de trabalho era bom, tinha férias pagas, automóvel, casa, qualidade de vida, etc.. Hoje, tudo isso está em risco para esse e outros grupos sociais...
Para Moore, criado no ideal norte-americano, de terra de oportunidades para todos, de prosperidade (ainda que desigual), a actual situação de descalabro financeiro-económico, de engodo, de desigualdades extremas, é um autêntico pesadelo. É esta a tese central do filme: também ele, um tipo de esquerda, acreditou que a América era uma terra de esperança, e agora apercebe-se de que tinha acreditado numa mera encenação, numa grande ilusão. A crise financeira e económico-social recente é apenas um apropriado locus do dia: o problema é bem mais fundo. Wall Street e os seus interesses comandam as vidas de todos nós, prejudicando-nos; pior, eles manobram os próprios representantes do povo para beneficiar interesses privados, em detrimento do interesse público.
Além disso, o filme tem momentos inesperadamente dolorosos, mesmo para o mais impedernido dos cépticos, como o caso dos seguros sobre a morte de empregados de empresas (sim, o dinheiro do seguro de morte apenas revertia para essas empresas, @s viúv@s ficavam a ver navios).