terça-feira, 12 de junho de 2007

atmosferas

Há cidades incriveis e há maneiras incriveis de representar as cidades. Uma cidade é o espaço, mas também é o tempo. São indestrinçaveis. Ao estar em Barcelona, lembrei-me vezes sem conta do filme Lost in translation (2003) de Sofia Coppola. Não que Barcelona tenha algo que ver com Tóquio, nem que me tivesse sentido em perda, ou que me fosse difícil entender o "outro". Rigorosamente nada disso. Também não senti a leveza das imagens do filme de Sofia Coppola, nem parti para o aeroporto ao som dos The Jesus and Mary Chain. Porque é que, então, os associei? Esta dúvida persistiu uns dias, pois não estava a fazer sentido. Até que hoje, no combóio para Coimbra, entre o embalar da velocidade do Alfa, a leitura que interrompi, e o olhar lá para fora pela janela, fez clique. O primeiro clique foi o óbvio: o facto de eu ir num combóio e ter olhado pela janela, qual Scarlett Johanson (com um ar, todavia, menos melancólico e muito menos estiloso). O segundo clique é que já me convenceu. A forma como as sensações se sobrepõem à narração, ou melhor, como as sensações criam a narração. Sofia Coppola é magistral no modo como representa essas sensações e da forma como as cria. Toda a atmosfera do seu filme (e dos outros também) é intrinsecamente sensorial. As suas imagens autorais possuem essa marca da sensorialidade, e também da sensualidade, embora não seja isso que me interesse neste momento. O clique fez com que me apercebesse que o importante ali era o facto de as sensações terem um poder dominante sobre tudo o resto. O Palau de la música e as casas do Gaudi, no seu expoente modernista, são isso mesmo: quem olha para ele(a)s derrete-se em sensações várias. Ou seja, as formas da arquitectura modernista de uma cidade burguesa que é Barcelona, provocam no espectador (aquele que olha embasbacado) momentos de sensorialidade extrema perante o objecto impossível. (Há uma impossíbilidade intuída na arquitectura modernista, uma vez que aquilo que criaram não parece, de facto, possível. O Palau é exemplo disso)

3 comments:

Leonor disse...

"momentos de sensorialidade extrema" é absoluta e rigorosamente isso ... não podias ter colocado melhor as coisas. Nunca estive em Tóquio, mas Barcelona é uma daquelas cidades onde dá vontade de viver.
Beijos

Anónimo disse...

Sim, só para quem nao vive...
"Cidade Burguesa" só para quem conhece as casas de gaudi e palau de la musica...Mas, Barcelona infelizmente é muito mais que isso!

vallera disse...

Quando falo em cidade burguesa é por oposição a aristocrata. Barcelona desenvolveu-se enquanto cidade da burguesia e não enquanto local da aristocracia.
Acredito que seja muito mais para quem lá viva.