sexta-feira, 29 de junho de 2007

Caminhos perigosos

Para encerrar o caso Charrua (sobre o qual escrevi aqui, e o Hugo aqui), e agora que se sabe melhor o que está em causa, esclareça-se o seguinte: o contexto aqui importa muito, sob pena de tornarmos as nossas vidas profissionais um inferno na terra.
Quem nunca desabafou em privado no local de trabalho junto de colegas/ amigos que atire a 1.ª pedra. Mesmo que um certo desabafo em privado seja um impropério - e este será sempre condenável -, não deixa de ser um desabafo em privado. Sobre este caso, Francisco Teixeira da Mota traz-nos o seu parecer de jurista, com o qual concordo:
"Veja-se o caso do professor Fernando Charrua e da DREN, que se continua a arrastar e em que o Ministério da Educação já deveria, há muito, ter 'pulverizado' o processo disciplinar com a constatação da evidente inexistência de qualquer infracção. É pena que a ministra não tenha sido capaz de fazer frente a uma tal inépcia dos seus serviços, pondo termo de imediato ao processo. Mesmo que as palavras proferidas tenham sido as que se referem na acusação - «somos governados por uma cambada de vigaristas e o chefe deles todos é um filho da puta» -, parece claro que, tendo em conta a situação, não há mais do que um desabafo privado. Pouco louvável certamente quanto aos termos, mas insusceptível de configurar qualquer ilícito disciplinar ou criminal sob pena de qualquer dia termos receio de falar livremente com colegas, amigos ou vizinhos. Todos nós já desabafámos quanto aos mais diversos governos do nosso desagrado..." (in "Fretes administrativos", Público, 23/VI).
Também José Vítor Malheiros perspectivara este como um lamentável caso de delito de opinião (vd. Público de 22/V, p. 41). Agora, parece que vem aí outro caso, o do afastamento da directora do Centro de saúde de Vieira do Minho por causa dum cartaz-fotocópia jocoso alusivo ao ministro da Saúde...

6 comments:

Zèd disse...

Sem estar a defender o ministério da educação ou da saùde, acho que estes dois casos revelam um problema crónico de falta de profissionalismo e seriedade em Portugal. Sem ter toda a informação estes parecem mal conduzidos, e sobretudo as sanções parecem claramente excessivas. Mas uma repreensão faria todo o sentido.

Concordo que o contexto é tudo, impropérios proferidos numa reunião de trabalho ou numa pausa para café não são de todo equivalentes (se bem me lembro o caso do Charrua foi numa reunião de trabalho).

Quando se tem uma divergência com a hierarquia pode-se e deve-se expôr essa divergência dentro e fora do quadro profissional. Dentro, pode-se sempre expôr uma opinião devidamente fundamentada e propôr alternativas, e fazê-lo de forma profissional não se centrando nas pessoas mas nos problemas concretos (da educação ou da saùde). Serà seguramente mais produtivo. E fora do quadro profissional pode-se expôr as suas opiniões no espaço pùblico (jornais, blogues, cafés, etc...).

Nestes dois casos não foi nada disso que aconteceu, as coisas são pessoalizadas, feito de forma pouco séria e nada profissional, e sem qualquer resultado pràtico. Insulta-se por insultar, satiriza-se por satirizar sem ajudar a resolver problema nenhum. E ainda para mais dentro o quadro profissional.

Portugal é um país de adolescentes.

Hugo Mendes disse...

Desculpem lá, mas fazem-se tantos comentários sem saber REALMENTE o que se passou, com base em vários "se aconteceu isto, então"...Há um processo em curso, e tantas informações que, naturalmente, escapam aos jornais...

Zèd disse...

Hugo,
De qualquer modo nunca se sabe REALMENTE o que aconteceu, até porque segundo pessoas diferentes muitas vezes aconteceram coisas diferentes. Tal como também nunca se tem TODA a informação. Temos que viver com a informação que temos, com todos os riscos que isso comporta (um deles é por vezes enganarmo-nos). That's life...

PS - gosto da nova foto

Zèd disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Hugo Mendes disse...

Desculpa, mas isso não é justificação. É que se não houver o mínimo de cuidado - é, por exemplo, necessário que as pessoas aprendam a "ler" os jornais, isto é, como as notícias são muitas vezes feitas; saber que histórias deste tipo são invulgarmente mal contadas; que há um processo a decorrer e as pessoas têm o direito a não ser julgadas na praça pública, etc. etc.: tudo coisas que me parecem de elementar bom senso - as pessoas correm o risco de cair na primeira "casca de banana" que lhes aparece nos jornais e serem acusadas de dar direito de antena a "falsas verdades". É um risco intelectual sério que correm (cada um valoriza isto como entender, atenção). Mas depois não se admirem que lhes digam que sabem pouco do que falam e que deviam ter mais atenção ao que dizem :).

Zèd disse...

Isso remete-nos para um outro debate. Se é preciso saber "ler" os jornais é porque os jornais não estão "bem" escritos. Se os jornais estivessem bem escritos bastaria saber ler tout court. Sem perder o espírito crítico, é preciso confiar que o que é publicado tem um mínimo de rigor e que pode servir de base para formular uma opinião. Se o que está publicado é incorrecto então deve ser denunciado.

Também concordo que as pessoas têm o direito de não ser julgadas na praça pùblica (se bem que não é a praça pùblica que lhes vai exonerar ou punir disciplinarmente, por muito que a "praça pùblica" o quisesse). Mas pode tentar tirar-se algumas ilacções destes casos, com as informções que temos disponíveis, e debater. Debater é sempre uma boa ideia :-)