terça-feira, 5 de junho de 2007

Rigorosamente paradoxal



Com este artigo, Francisco José Viegas pretende defender a ideia que o rigor ortográfico é fundamental para a compreensão de um texto mas acaba por provar que não o é.

15 comments:

Zèd disse...

E o mais engraçado é que Viegas na sua inoçência nem sequer se apercebe, nem tal coisa lhe deve ter passado pela cabeça.

Hugo Mendes disse...

Mais engraçado ainda é que as pessoas que fazem demagogia (como o FJV) com esta opção pedagógica mostra que ela não compreenderam - ou não quiserem compreender - o motivo que lhe subjaz, que é efectivamente valorizar a capacidade intepretativa dos miúdos, colocando entre parênteses a sua forma de expressão (que já era tida em conta, e os erros devidamente penalizados, no exercício ao lado).
Podemos discutir, pedagogicamente, se isto faz sentido; pessoalmente, eu acho que faz, embora seja leigo em questões de pedagogia, e acho perfeitamente admissível que se discorde - desde que se argumente. A questão, claro, é que FJV não apresenta um argumento. Nem um. O nível de argumentação é, aliás, de uma pobreza franciscana. Se a prova de aferição tivesse uma composição para aferir da capacidade argumentativa e analítica do aluno, FJV chumbava certamente se repetisse este exercício.
Mas os idiotas, sabemos, são sempre os outros.

Zèd disse...

Argumentos? Não é preciso argumentos!
Voltamos à velha discussão da TLEBS e de Plutão ser ou não um planeta. Plutão é um planeta porque sempre foi um planeta e todos aprendemos de cor os planetas do sistema solar, Plutão era o último. São precisos argumentos? É assim porque é assim!

L. Rodrigues disse...

O texto de FJV é perfeitamente compreensível porque a gramática está toda certa.
No seu "The Language instinct" Steven Pinker revela que há uma maior abundância de textos agramaticais entre académicos do que entre os miudos do gueto... A ortografia não é irrelevante, mas quando traduz consistentemente a fonética, é mais que suficiente. Tudo o resto, uma questão de elegância. Como comer com garfo e faca, ou apenas com o garfo.

MPR disse...

A expressão escrita correcta não é uma questão de elegância. É uma questão de saber expressar-se, é uma questão estruturante da linguagem e do pensamento. É claro que o texto se percebe, a questão não é essa, apesar de eu, na minha ignorância ter demorado mais tempo a percebê-lo. Uma construção correcta quer em termos de ortografia, quer em termos de sintaxe é indispensável para a estruturação da comunicação escrita, o desenvolvimento da mesma, a compreensão da mensagem e do próprio pensamento. As regras gramaticais não foram inventadas só para chatear, ou para parecer bem. Não é uma birra das elites. Nem é algo exterior à comunicação. Toda a comunicação escrita, principalmente num teste de português, tem que estar correcta. É a base da língua. É como dizer que num exame de matemática não importa se a pessoa sabe ou não os números e operações desde que saiba o resultado.

L. Rodrigues disse...

MPR.
Note que se ler bem o que escrevi, a gramática é o fundamental. E usando a matemática como exemplo, não há muita diferença entre usar a e b como variáveis ou X e Y.

Zèd disse...

"Toda a comunicação escrita, principalmente num teste de português, tem que estar correcta. É a base da língua."

Só não percebo como é que já não falando latim CORRECTO como outrora ainda nos percebemos todos mutuamente.
Caro mpr o seu ponto de vista é simplesmente um ponto de vista conservador, tal como o de Francisco José Viegas.

Hugo Mendes disse...

Caro MPR, eu acho que neste caso é importante perceber quem é que pode beneficiar de um esquema tal como foi usado nas provas de aferição (que, recordo, penalizavam, no exercício anterior, os erros ortográficos como tradicionalmente; não vamos ignorar este facto elementar). Uma das vantagens da opção de colocar "entre parênteses" a ortografia na prova de interpretação é dar aos alunos que sentem que não dominam a lingua uma oportunidade de se expressarem mais livremente no plano interpretativo. Sabemos que os alunos muitas vezes nao usam o que consideram ser "palavras caras" porque têm medo de dar erros, e como a sua ortografia é pobre (e estou a separar ortografia de gramática, porque é a ortografia que está aqui em causa), a intepretação explanada é ela pobre, porque está refém da primeira. Ora, o que se pretendia era, parece-me, convidar os alunos a tentar analises e interpretações que não ficassem presas do medo de errar na escrita das palavras (sabendo também que o léxico da maioria dos jovens de origem social desfavorecida é, nestas idades, muito limitado).

MPR disse...

l.rodrigues - sim, mas escrever 2+2 é diferente de escrever 2-2. Dizer 2-2=4 é errado, mesmo que o aluno queira dizer que está a querer representar uma adição.
zéd - olha que argumento hein? Latim? Mas o que é que o cu tem a ver com as calças? Escrever correctamente é conservador? Que raio de argumento. Esta tarde vou fazer uma cesta/sesta. Agora diz-me, vou dormir ou trabalhar com verga?
hugo mendes - e a discriminação de quem escreve e se expressa correctamente? Não conta? Agora é o vale tudo? O tanto faz? O que queremos é uma educação baseada no rigor ou no facilitismo? E os professores que exigem um português correcto, como são vistos? Perante pais e alunos são desacreditados. Agora entramos numa de tanto faz? Onde é que pára? Às tantas avaliamos intenções: não foi isto que o menino escreveu, mas era o que queria escrever.

Hugo Mendes disse...

Caro MPR, eu acho que não vale a pena fazer demagogia sobre esta questão e achar que entretanto vai desabar o mundo. É fácil mas não acho que avance muito a discussão. Quem escreve e se expressa correctamente vao continuar a escrever a expressar-se correctamente e a ser avaliado e premiado como tal no futuro.
Quem continuar a dar erros ortográficos será penalizado no futuro.
Agora, parece-me muito importante saber avaliar o que o "menino" quer dizer, mesmo que ainda nao se saiba expressar correctamente. Significa que tem pensa, que intepreta, que imagina, que tem potencial cognitivo e que deve ser estimulado a usá-lo o mais cedo possível. O pior nisto tudo - e, embora nao seja especialista na área, está pensado e estudado - é pensar, porque a linguagem não é absolutamente correcta num dado momento, as crianças não poderem explanar e estimular o poder da interpretação. A não, claro, que ache que o poder de interpretação é nulo se a escrita não for impecável. Mas esta, parece-me, é uma tese bem falsa.

MPR disse...

O problema não é o "ainda não se saber expressar correctamente". Supostamente os alunos já sabem ler e escrever. O potencial cognitivo deve ser estimulado claro, mas não na base do tanto faz.Não na base do facilitismo. Se agora a ortografia não conta porque é que há-de contar mais tarde? E já agora, onde se estabelece o limite? As regras de ortografia são um código estabelecido e aceite para a comunicação escrita. Quebrando esse código, onde se traça a linha? Se um aluno quiser escrever queijo e escrever ceijo conta? E keijo? Então e geijo? Qual é o limite? A compreensão do professor? A paciência do mesmo? E paramos nos erros de ortografia ou vamos à sintaxe? Eu ceijo cumi ôje para eu hoje comi queijo conta? Não conta? Porquê? Qual é o parametro que se segue? É que quem vos ouça (ou leia neste caso) parece que isto é apenas uma questão de picuinhas mentecaptos agarrados a conceitos com 200 anos. Não é.

Hugo Mendes disse...

"Se agora a ortografia não conta porque é que há-de contar mais tarde?"

Não conta só mais tarde. Conta na mesma prova de aferição. Pode ir ao site da GAVE para ler as regras de correcção das provas de aferição:
http://www.gave.min-edu.pt/np3/7.html

"As regras de ortografia são um código estabelecido e aceite para a comunicação escrita."

Sem dúvida, e "estabelecido" e "aceite" por convenção. Ora, a avaliação da gravidade dos actos ao incumprimento do código é também feito por convenção. Parece-me simples. A "linha", a tal "slippery slope", que tanto o preocupa, é traçada por convenção, em função de certos critérios e justificações. Eles nunca agradam a todos, estou certo disso.
Mas ninguém chamou ninguém de "picuinha mentecapto". Apenas me parece que as pessoas estão mais interessadas em fazer demagogia e em enquadrar tudo o que podem na famosa tese do "eduquês" que - posso exagerar também um pouco? eu também gosto de usar demagogia de vez em quando - acha que vai "destruir a nossa civilização".
Quem quer perceber os critérios usados, tudo bem. Quem acha que isto é facilitismo, tudo bem também. Eui só acho que a caricatura é o contrário do pensamento e da crítica. E aqui, enquanto continuarmos a assustar a opinião pública como fez o FJV, não me parece que se tenha ido mais longe.

MPR disse...

Agora conta nas provas de aferição, mas não contava. Ninguem diz (eu pelo menos não digo) que é a desgraça ou o que seja. Mas que esses erros devem ser contabilizados. Só isso. A linha é traçada por convenção? Claro. Mas se há linha é porque se considera que há erro e que se deve valorizar quem não erra. Só isso, nada mais. Ser indiferente é que não me parece lógico.

Zèd disse...

Caro mpr,
Escrever bem não é conservador, é essa ideia de que existe uma forma correcta de escrever e falar única, absoluta e imutável que é conservadora. A ideia de que se não falarmos todos segundo as regras não no entedemos é conservadora. A ideia de que a Gramática e a Ortografia são como que leis é conservadora. Daí o exemplo do Latim, no território que é hoje português falou-se em tempos o Latim, como noutras regiões, mas entretanto esse Latim evoluiu para línguas diferentes, o que é um processo normal. Se o pensamento conservador estivesse certo, ao deixar de se falar o Latim correcto os falantes teriam deixado de se compreender uns aos outros, o que manifestamente não é o caso. As línguas evoluem desrespeitando as regras da Gramática e da Ortografia, e é normal.

Não há regras, ou melhor as regras são feitas pelos falantes da língua no dia a dia, por um processo de tentativa e erro. A única regra é que os falantes da mesma língua têm que comunicar de modo mutuamente inteligivel. O objectivo da Gramática e da Ortografia - e do trabalho dos linguistas - não é o de ditar regras às quais se submetem os falantes da língua, mas o de compreender quais são e como funcionam as regras que estes vão "inventando" enquanto vão falando. Trata-se apenas de uma questão operacional, trata-se de compreender a língua que se fala e não de ditar regras. Cesta e Sesta têm significados diferentes, logo torna-se ambíguo usar-se uma em vez da outra, logo por tentativa e erro não se usa uma ou outra forma indestitamente. "Ouro" e "oiro" são grafados diferentemente, qual é que está correcta? Provavelmente houve uma época em que uma "oiro" era correcta e os conservadores bradavam aos céus quando se usasse "ouro", hoje usa-se mais "ouro" mas ambas estão correctas, talvez um dia "oiro" seja incorrecto. As criancinhas que escrevam "oiro" nos exames estão condenadas a um futuro negro, em que nunca compreenderão nada nem se farão compreender?

MPR disse...

Zéd, pelo amor de Deus! Estou a virar católico com tanta demagogia junta. Devia se calhar começar a aprender Latim. Não se pode misturar coisas que nada têm a ver umas com as outras. A evolução das linguas é SEMPRE feita. Isso não significa que tudo seja válido e tudo possa ser aceite. Comparar miudos que não sabem escrever com a evolução linguística é totalmente descabido. Para que conste oiro e ouro estão ambos correctos, se alguém escrever oiro num exame não será penalizado, o resto são tretas.
Não sei se sabe mas os miudos ao abrigo do 319 (um decreto que salvaguarda o ensino especial com excepções para alunos com dificuldades de aprendizagem médicamente diagnosticada) faz com que não sejam descontados os erros ortográficos em qualquer exame. Estamos portanto agora, nesta prova, a querer tratar todos os alunos como se tivessem algum tipo de deficiência. Não pode ser esse o padrão de exigência mínima. Facilitar quando são novos só lhes vai dificultar a vida mais tarde. Lêr e escrever correctamente é a base mínima para a compreensão do que se lê e se escreve. É como querer correr sem saber andar. Vá falar com qualquer professor e pergunte-lhe se um aluno que não sabe escrever tem ou não dificuldades de intrepretação. A resposta será unânime: sim.