Foi recentemente apresentado na Câmara dos Deputados do Brasil um projecto-lei que requer que todas as instituições de ensino superior público e as unidades de investigação fiquem obrigadas a construir os seus repositórios institucionais, onde deverá ser depositada toda a produção técnico-científica dos seus corpos docente, discente e de pesquisa. O diploma estabelece ainda que esses conteúdos deverão ser divulgados através da rede global, a internet, de forma livre, para que qualquer pessoa possa consultar, copiar, descarregar.
Trata-se de uma iniciativa de grande importância, não apenas para o Brasil, mas para o conjunto da comunidade científica. Em Portugal, há também um movimento a favor do Acesso Livre à literatura de carácter académico ou científico.
Eu gostava que este movimento fosse ainda mais longe: além da investigação 'acabada' (dissertações, teses, relatórios, trabalhos de final de curso, etc.), o auto-arquivo em livre acesso devia também incluir instrumentos de análise de suporte à produção científica. Por exemplo, inquéritos, entrevistas, biografias, recolhas de história oral e outros trabalhos de base, elaborados por investigadores de Ciências Sociais, em instituições públicas e com financiamento público.
Quando citamos um livro ou uma fonte existente num arquivo público, é fácil qualquer pessoa cotejar a citação com o original. Porém, quando citamos um excerto de uma entrevista que dirigimos ou nos reportamos aos resultados de um inquérito que lançámos, os nossos pares (para não falar do público em geral) não têm acesso garantido à informação que recolhemos. Se outras razões não existissem, parece-me que esta é suficientemente forte para defendermos o auto-arquivo em acesso livre da produção científica (acabada e em curso) realizada no sector público: a possibilidade de verificação/confrontação. Ocorre-me também que muitas vezes repetimos trabalho já feito ou podíamos aproveitar dados compilados por outros (com a respectiva menção de responsabilidade, é claro).
À atenção do Conselho de Reitores e do Conselho dos Laboratórios Associados.
À atenção do Conselho de Reitores e do Conselho dos Laboratórios Associados.
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2 comments:
Mais uma boa iniciativa do Brasil (faz-me lembrar a produção de medicamentos para o combate à SIDA sem pagar copyright às farmacêuticas).
Mas vejo um potencial problema, quando por exemplo um artigo científico é publicado numa revista internacional a revista fica com direitos de autor. O mesmo artigo não pode ser tornado disponível livremente. Para ganhar visibilidade e credibilidade os artigos têm que ser publicados em revistas com peer review. Será necessário ter que optar entre uma e outra?
(a solução ideal seria que essas revistas fossem também de livre acesso, mas muito poucas o são)
Olá Zèd, essa questão que levantas deve ser equacionada neste quadro de debate.
Porém, julgo que é possível trabalhar soluções exequíveis. Assim de repente lembro-me de uma: as publicações pagas podiam ter um período de 'embargo', 1-2 anos (ou mais, era algo a negociar), e ao fim desse tempo aceitavam ser integradas em certas bases de dados e implicando a citação da fonte original.
Apesar do que disse, ou seja, de ter tentado encontrar compromissos, tenho muitas reservas quanto ao facto da produção científica realizada com fundos públicos (é desta que falo agora) não estar toda disponível em livre acesso para todos (com as devidas excepções previstas na lei, claro, investigação em segredo de Estado, etc.). Não digo que tenha que o ser logo que é feita, daí a questão do faseamento no tempo, o que não colide com a salvaguarda do princípio da democratização do acesso ao saber e à informação.
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