terça-feira, 5 de junho de 2007

O todo e a parte da "facilidade em despedir"

Título da SIC Notícias on-line sobre a intenção do Governo querer "facilitar" os despedimentos por justa causa: Mais facilidade em despedir

Também podiam ter posto: Mais facilidade em contratar. Ou: Mais protecção fora do emprego. Ou: Mais aposta na formação.

Isto é importante porque o está em causa - uma relativa aproximação ao dá pelo nome de "flexisegurança" - são mudanças múltiplas no desenho das instituições do mercado de trabalho. Ver as coisas apenas pelo prisma da maior facilidade dos despedimentos é bastante redutor e tendencioso - quanto mais não seja porque, convém não esquecer, Portugal é dos países da Europa com o mercado de trabalho mais regulado e onde os despedimentos são, por lei, mais complicados, em particular nos trabalhadores com contrato sem termo. Já o tinha referido aqui. Depois posso voltar ao assunto, que é sempre mais complicado do que parece, em particular a diferença entre a rigidez da lei e a relativa arbitrariedade na sua aplicação - o que mostra a fragilidade e ilusão de termos leis que contemplam uma forte protecção.

Recupero parte de um post que escrevi em Junho do ano passado no Véu da Ignorância, e que apresentava um gráfico que ajuda a perceber alguns dos dilemas inscritos no desenho de uma política de mercado laboral, em particular o trade off existente entre os a protecção social fora do emprego e a protecção laboral em alguns países na Europa: a maior protecção de um lado tende a variar inversamente com a protecção do outro. Nos países nórdicos opta-se por reforçar o apoio às pessoas no desemprego em detrimento de criação de dificuldades excessivas aos despedimento; nos países do Sul adopta-se a solução inversa.

Convém lembrar que é nos países do Norte da Europa que taxas de desemprego são mais baixas e onde as fronteiras entre insiders (empregados) e outsiders (desempregados) são mais ténues.


*Gráfico retirado de um working paper da Columbia University, intitulado "Civic Attitudes and the Design of Labor Market Institutions: Which Countries can Implement the Danish Flexicurity Model?", da autoria dos economistas franceses Yann Algan e Pierre Cahuc.

3 comments:

Pedro Ribeiro disse...

Concordo com o que dizes uma vez mais, em tese. É obviamente mais atraente um modelo que protege as pessoas pelo simples facto de elas estarem ligadas à "comunidade" por laços de cidadania e não simplesmente porque participam no mercado de trabalho. Mas um tal modelo exige uma grande mobilidade das pessoas entre empregos e como tal um nível de formação muito elevado. E aqui é que reside o nosso problema. Podemos despejar dinheiro sobre as pessoas em formação mas a questão no nosso país coloca-se a montante: mais do que um problema de formação, nós temos um problema de educação. Sem uma educação de base adequada que dote as pessoas de ferramentas que lhes permitam receber formação específica diversa ao longo da vida e adaptar-se a diferentes cenários que se lhe possam colocar, o investimento em formação torna-se completamente ineficaz. Com o défice educacional que notoriamente temos, parece-me para já complicado impor um modelo à imagem dos países nórdicos.
Há um grande investimento a fazer ao nível da educação de base. Não sei se é isto que estamos a fazer neste momento...

Nota: gostaria que desses uma olhadela ao meu comentário à "polémica" sobre os "trabalhadores europeus" e se entenderes por bem, gostaria de ler a tua opinião. De qualquer modo, fica a nota do meu interesse nas tuas análises...

Hugo Mendes disse...

Caro Rui, obrigado pelo comentário, com o qual concordo inteiramente, nas suas duas vertentes centrais:
1) o modelo é exigente, de facto, e por isso não está em causa a sua transposição a-crítica para Portugal, mas a uma adequação cuidada, diria quase-experimental. Diria mais (e este é o argumento do Algan e do Cahuc): o seu funcionamento exige níveis de capital social e cooperação institucional que são difíceis de encontrar num país como Portugal.
2) o nosso problema é, de facto, de educação de base. Tenho escrito isso milhares de vezes neste blogue. Muitas das pessoas preocupam-se com os níveis de desemprego dos licenciados quando a nossa real tragédia nacional são os níveis baixíssimos de educação básica, e sem esta, como bem dizes, "o investimento em formação torna-se completamente ineficaz". Um trabalhador sem qualificação não pode ser "re-qualificado"; ele tem de adquirir uma base sólida de skills até à idade em que o pode fazer para construir os alicerces de uma fundação futura, e isso deve acontecer até aos 16-18 anos.

"Há um grande investimento a fazer ao nível da educação de base. Não sei se é isto que estamos a fazer neste momento..."

Olha que sim, a grande atenção das políticas actuais centram-no no primeiro ciclo: isto não é seguramente por acaso. E ainda há muita coisa por fazer no alargamento do pré-escolar. É um projecto cujo cumprimento demora tempo, mas tratam-se de prioridade absolutas.

Vou ver o teu comentário ao outro post dos trabalhadores europeus, confesso que me havia escapado.

abraço
Hugo

Unknown disse...

Fale com o seu amigo e diga-lhe que eu peço desculpa...por caridade!

http://absolutamenteninguem.blogspot.com/2007/06/falar-com-deus.html