terça-feira, 17 de julho de 2007

Persépolis

Persépolis, aí está um filme que vale a pena ver. Adaptação para o cinema de uma banda desenhada com o mesmo nome. A adaptação é feita pela própria autora da banda desenhada, Marjane Satrapi, mas desta vez em parceria Vincent Paronnaud (prémio do Júri do festival de Cannes). O filme, e a banda desenhada são autobiográficos, contam a experiência de Marjane Satrapi no Irão desde a queda do Xá, no fim dos anos 1970, quando era ainda criança, até à saida definitiva do país nos anos 90, já adulta. Sendo uma autobiografia é inevitavelmente parcial, nem pretende ser outra coisa. Mas a autobiografia tem a vantagem de nos dar um relato da vida do dia-a-dia, uma visão quotidiana do que é viver sob o regime da República Islâmica do Irão. A Marjane (refiro-me à personagem) vem de uma família progressita laica, de opositores de esquerda ao regime do Xá, que passam a opositores do regime dos Ayatolas, e o filme é feito nessa perspectiva. Ainda assim, é na boca do mais idealista dos personagens, o tio de Marjane, que sai a frase que muitos gostariam(os) de ignorar, a República Islâmica do Irão foi escolhida democraticamente pelo povo iraniano em referendo, com uma votação massiva, mais de 80%. Com o optimismo dos condenados diz-nos que é uma fase passageira. É o ponto de vista daqueles que pensavam de depois do Xá nada podia ser pior, e vêem desaparecer os direitos e o estilo de vida que davam como adquiridos.
A animação é excelente, os ambientes que o preto e branco sem cinzentos criam funciona belissimamente. Mas o melhor para mim foi a sensibilidade com que o filme é feito, que se revela sobretudo na evolução da perspectiva do narrador ao longo do filme. O narrador é a própria Marjane, que começa como criança, e conta a estória como uma criança, e ao longo do filme vai evoluindo para adolescente inconsciente com crises de rebeldia, estudante emigrada, jovem idealista e mulher adulta. A narrativa acompanha na perfeição essa narrativa. A relação de Marjane com a avó, que atravessa todo o filme, é tocante.
Adenda: Esqueci-me de referir que na versão francesa as vozes de Marjane e da avó são emprestadas por Chiara Mastroiani e Catherine Deneuve respectivamente. Vão muito bem.

1 comments:

Nuno Teles disse...

a mais bela banda desenhada que já li. pena que a edição portuguesa esteja esgotada (nem sei se chegou a ultrapassar os dois primeiros volumes).