Porque hoje é o dia do Senhor, Sr. Baco evidentemente, aqui no Peão escreve-se sobre vinhos, e hoje é a minha vez. Nisto dos vinhos não sou propriamente um conhecedor, sou um apreciador mas não um conhecedor. A minha escrita vai ser portanto algo diletante, sobre o processo de aprendizagem e descoberta dos vinhos franceses (e, meus amigos, se há matéria para explorar!). Aviso prévio: regra geral só falo de vinhos tintos, sumo de uva não faz tanto o meu género.
Por defeito de formação, se não mesmo congénito, gosto de sistematizar as coisas de uma forma lógica (o que é uma grande mentira, mas é conveninte para o propósito deste post). Este meu primeiro post dos vinhos ao domingo vai ser sobre a minha sistematização dos vinhos fanceses, e não tanto sobre um vinho em particular. Descobri que os vinhos franceses podem ser classificados com a ajuda de um referencial cartesiano, lá está Descartes era francês e provavelmente inspirou-se no vinho. Nesse referencial temos Bordeaux nas abcissas e Bourgogne nas ordenadas.
O Bordeaux é tipicamente mais encorpado, de cor mais escura e mais alcoólico (por isso fica no eixo horizontal, não é por acaso). As principais castas de Bordeaux são o Cabernet Savignon, o Cabernet Franc e o Merlot. O Bourgogne é mais rico em aromas (porventura subtis), de cor mais clara e menos alcoólico. As principais castas são o Pinot Noir (a mais importante e tradicional) e o Pinot Gris (e para quem interessarem os brancos, o Chardonnay). Os outros vinhos franceses situam-se, neste referencial, algures entre estes dois extremos. Os mais aromáticos e delicados são a atirar para o Bourgogne e os mais robustos e fortes são a dar para o Bordeaux. Convém ter sempre presente a noção de que tudo é relativo, quando digo encorpado estou medir na escala francesa, porque se fosse encorpado como o mais pujante dos Borbas, lá ia a grelha de classificação para o hiper-espaço. Devo admitir que sendo eu um gajo de esquerda minha inclinação natural é para os vinhos mais encorpados (essa estória dos aromas subtis parece-me até uma treta um bocado burguesa), gosto dos vinhos de degustação longa a acompanhar repastos demorados como nos falava o Renato domingo passado. Logo o meu preconceito vai mais para o lado dos Bordeaux, e já bebi uns quantos de muio boa qualidade.
Nisto vi um documentário, o Mondovino (sobre o qual o peão Daniel Melo escreveu nos tempos do Fuga para a Vitória). O documentário Mondovino mostra impecavelmente como um grupo empresarial forte, no caso a americana Mondavi, consegue com o seu poderio económico, e através de ramificações com a imprensa especializada e influência de críticos do vinho, impôr no mercado internacional um padrão do "bom gosto". O tal padrão de "bom gosto" é o vinho de cor escura, encorpado e com elevado teor alcoólico. Um dos parceiros da Mondavi, François Roland, é um consultor em vinhos que vende uma tecnologia, a micro-oxigenação, basicamente faz com a fermentação seja completa, o que leva a que o vinho seja escuro, encorpado e alcoolizado. Quem passa a trabalhar com Michel Roland vê logo as vendas subirem. Quem mais benificia são os vinhos californianos e o Bordeaux (e sobretudo a Mondavi). Quem perde é o consumidor que procura a diversidade de vinhas e casta, e quem se dedica a produzir outros vinhos fora do "padrão".
No documentário Bourgogne aparece como os antipodas do Bordeaux também na virtude e na pureza do cultivo da vinha. Em defesa do Bourgogne há um vitivinicultor da região que diz que os vinhos de hoje, referindo-se tal "padrão de bom gosto" são vinhos transversais, enquanto os Bourgogne, e outros vinhos tradicionais são longitudinais. Quer ele com isto dizer que nos vinhos transversais o sabor está todo lá desde o primeiro gole, é como chocar contra uma parede, vem tudo de uma vez e dali não sai mais nada. Nos vinhos longitudinais, pelo contrário, os sabores vão-se desenvolvendo ao longo do tempo, com a degustação há aromas que vão aparecendo progressivamente. Nisto tenho que dar razão ao apreciador dos vinhos longitudinais, afinal essa é uma, senão a, caracteristica do vinho que o torna único como bebida e que cativa os apreciadores. O meu esquerdismo levou-me assim a descobrir o Bourgogne e a abandonar o Bordeaux.
Não quero no entanto acabar este post sem deixar um par de sugestões de garrafas. O melhor Bourgogone que já bebi, graças aos bons ofícios de um amigo, foi um Fixin 2001 Domaine de la Croix de Bois (não é bem o que está na foto mas quase), dificil de encontrar em super-mercados. Como convém foi consumido a acompanhar um Boeuf Bourgignon - estufado de vaca ele próprio cozinhado num Bourgogne. Do que se encontra em super-mercados o Domaine du Pavillon 2001, Pinot Noir, não é nada mau e fica por 7,50 euros.
Mas ainda assim, o Bourgogne não é o vinho que me enche completamente as medidas, apesar de tudo continua ser demasiado franzino para o meu gosto. E provavelmente é a região que mais sucesso de vendas tem, a seguir a Bordeaux, outros há que sofrem mais do que Bourgogne com a globalização no mercado do vinho. Estas constatações obrigaram-me a procurar outros vinhos noutras paragens, mas isso fica para uma próxima oportunidade, um outro domingo aqui no Peão.
Por defeito de formação, se não mesmo congénito, gosto de sistematizar as coisas de uma forma lógica (o que é uma grande mentira, mas é conveninte para o propósito deste post). Este meu primeiro post dos vinhos ao domingo vai ser sobre a minha sistematização dos vinhos fanceses, e não tanto sobre um vinho em particular. Descobri que os vinhos franceses podem ser classificados com a ajuda de um referencial cartesiano, lá está Descartes era francês e provavelmente inspirou-se no vinho. Nesse referencial temos Bordeaux nas abcissas e Bourgogne nas ordenadas.
O Bordeaux é tipicamente mais encorpado, de cor mais escura e mais alcoólico (por isso fica no eixo horizontal, não é por acaso). As principais castas de Bordeaux são o Cabernet Savignon, o Cabernet Franc e o Merlot. O Bourgogne é mais rico em aromas (porventura subtis), de cor mais clara e menos alcoólico. As principais castas são o Pinot Noir (a mais importante e tradicional) e o Pinot Gris (e para quem interessarem os brancos, o Chardonnay). Os outros vinhos franceses situam-se, neste referencial, algures entre estes dois extremos. Os mais aromáticos e delicados são a atirar para o Bourgogne e os mais robustos e fortes são a dar para o Bordeaux. Convém ter sempre presente a noção de que tudo é relativo, quando digo encorpado estou medir na escala francesa, porque se fosse encorpado como o mais pujante dos Borbas, lá ia a grelha de classificação para o hiper-espaço. Devo admitir que sendo eu um gajo de esquerda minha inclinação natural é para os vinhos mais encorpados (essa estória dos aromas subtis parece-me até uma treta um bocado burguesa), gosto dos vinhos de degustação longa a acompanhar repastos demorados como nos falava o Renato domingo passado. Logo o meu preconceito vai mais para o lado dos Bordeaux, e já bebi uns quantos de muio boa qualidade.
Nisto vi um documentário, o Mondovino (sobre o qual o peão Daniel Melo escreveu nos tempos do Fuga para a Vitória). O documentário Mondovino mostra impecavelmente como um grupo empresarial forte, no caso a americana Mondavi, consegue com o seu poderio económico, e através de ramificações com a imprensa especializada e influência de críticos do vinho, impôr no mercado internacional um padrão do "bom gosto". O tal padrão de "bom gosto" é o vinho de cor escura, encorpado e com elevado teor alcoólico. Um dos parceiros da Mondavi, François Roland, é um consultor em vinhos que vende uma tecnologia, a micro-oxigenação, basicamente faz com a fermentação seja completa, o que leva a que o vinho seja escuro, encorpado e alcoolizado. Quem passa a trabalhar com Michel Roland vê logo as vendas subirem. Quem mais benificia são os vinhos californianos e o Bordeaux (e sobretudo a Mondavi). Quem perde é o consumidor que procura a diversidade de vinhas e casta, e quem se dedica a produzir outros vinhos fora do "padrão".
No documentário Bourgogne aparece como os antipodas do Bordeaux também na virtude e na pureza do cultivo da vinha. Em defesa do Bourgogne há um vitivinicultor da região que diz que os vinhos de hoje, referindo-se tal "padrão de bom gosto" são vinhos transversais, enquanto os Bourgogne, e outros vinhos tradicionais são longitudinais. Quer ele com isto dizer que nos vinhos transversais o sabor está todo lá desde o primeiro gole, é como chocar contra uma parede, vem tudo de uma vez e dali não sai mais nada. Nos vinhos longitudinais, pelo contrário, os sabores vão-se desenvolvendo ao longo do tempo, com a degustação há aromas que vão aparecendo progressivamente. Nisto tenho que dar razão ao apreciador dos vinhos longitudinais, afinal essa é uma, senão a, caracteristica do vinho que o torna único como bebida e que cativa os apreciadores. O meu esquerdismo levou-me assim a descobrir o Bourgogne e a abandonar o Bordeaux.
Não quero no entanto acabar este post sem deixar um par de sugestões de garrafas. O melhor Bourgogone que já bebi, graças aos bons ofícios de um amigo, foi um Fixin 2001 Domaine de la Croix de Bois (não é bem o que está na foto mas quase), dificil de encontrar em super-mercados. Como convém foi consumido a acompanhar um Boeuf Bourgignon - estufado de vaca ele próprio cozinhado num Bourgogne. Do que se encontra em super-mercados o Domaine du Pavillon 2001, Pinot Noir, não é nada mau e fica por 7,50 euros.
Mas ainda assim, o Bourgogne não é o vinho que me enche completamente as medidas, apesar de tudo continua ser demasiado franzino para o meu gosto. E provavelmente é a região que mais sucesso de vendas tem, a seguir a Bordeaux, outros há que sofrem mais do que Bourgogne com a globalização no mercado do vinho. Estas constatações obrigaram-me a procurar outros vinhos noutras paragens, mas isso fica para uma próxima oportunidade, um outro domingo aqui no Peão.
4 comments:
Hic!
Muito bem, fiquei a aprender umas coisas. Essa maneira cartesiana de falar do vinho deu um belo post. Será que o método resistirá à prova. Bem, está visto, teremos de marcar uma sessão para testar a hipótese. Isto tudo numa base científica claro! :))
Ora bem, cá ficamos nós outra vez a salivar em seco...
Fica a vontade de beber esses néctares franceses, Bordeaux ou Bourgogne, oh se fica!
O Cabernet Sauvignon é realmente uma das castas mais nobres, porque, além de dar vinhos mais encorpados, adapta-se muito bem a vários tipos de solos.
Por seu turno, os entendidos dizem que o Pinot Noit é muito caprichoso, mesmo em termos de terroir, ou seja: tanto pode sair uma colheita espectacular como outra insuficiente.
Em Portugal é difícil conseguir-se um bom Pinot Noir, daí apostar-se pouco nesta casta.
Seja como for, uma grande parte dos vinhos é feito com vários castas, e aí o Cabernet Sauvignon é muito usado, e não é só por cá.
O problema, como tu bem dizes, é quando meia dúzia de castas começam a substituir a riqueza de centenas de castas e a singularidade das combinações de castas mais conhecidas com outras autóctenes e desconhecidas.
E não é só o mercado: é também perguiça e comodismo dos produtores e enólogos.
Só para terminar a questão do gosto, que acho que o Zèd colocou muito bem: há castas que são mais difíceis de se gostar à primeira vez; têm um sabor mais adstringente ou a terra, são mais 'rústicos', como os vinhos do Dão ou da Bairrada, por exemplo.
No entanto, à medida que o nosso paladar se vai habituando, vai-se apercebendo melhor das características deste tipo de vinhos e da diversidade do próprio vinho. Além disso, os pratos também podem ajudar a certos vinhos, nomeadamente as carnes assadas ou um bom cozido à portuguesa.
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