Dum romance histórico de Joaquim Mestre (esse mesmo, director da Biblioteca Municipal de Beja), retiro esta passagem saborosa sobre os sonhos dum homem que, à falta de destreza culinária, vai sonhando com a boa comida alentejana:
"Já é noite cerrada e Manuel Gasparim não sabe de Maria Galariana nem da mãe, que foram para a serra de manhã cedo. Está esfomeado pois desde o almoço que não come nada e a fome nunca foi boa conselheira. Dorme e sonha com iguarias especiais, como sopa de beldroegas com ovos escalfados; tengarrinhas com feijão-manteiga; açorda de espargos com carne de porco frita; açorda de coentros com carapaus fritos de véspera; migas gatas com poejos; caldo de peixe com poejos e hortelã da ribeira; cogumelos assados com sal, túberas com feijão branco, acelgas e chícharos com grão; gaspacho com sardinhas fritas; jantar de azeite com sopas migadas; esparregado de cunetas e de alabaças; salada de pimpalhos e agriões; bolos de amassadura com banha de porco; merendeiros com linguiça; tibornas; cavacas. Sonhou com todas estas comidas, dispostas numa mesa enorme, com uma toalha branca de linho toda bordada, cadeiras forradas a veludo e brocados orientais, jarras de alpaca com flores, talheres de prata, copos de cristal, pratos de porcelana, vinhos raros e perfumados, doces conventuais, licores esquisitos, criados de libré e casaca, música de Wagner ou corais alentejanos, que ele não conseguiu distinguir porque os sonhos são mesmo assim".
Joaquim Mestre
(O perfumista, Lisboa, Oficina do Livro, 2006, p.135/6)
Nb: imagem de ensopado de borrego alentejano no blogue Beja, onde tb. vem a respectiva receita, bem como da açorda & etc.
3 comments:
Belíssimas dicas culinárias. É para já a açorda de espargos :-)
Tens a certeza que a foto é daquilo que os lisboetas chamam açorda alentejana (e q os alentejanos chama, tão somente, açorda)? Não quero ser picuinhas mas o pão da açorda não costuma ser cortado assim (yep, os cortes do pão variam consoante a sopa a q se destinam. Por exemplo, para a sopa de tomate o pão é sempre fatiado).Hum, e aquela cor não é bem a da açorda, q é mais clara.
Tens razão, Shyz, é capaz antes de ser ensopado de borrego. Com pão, claro.
Vou corrigir o lapso e aqui ficam as minhas desculpas ao auditório peonístico.
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