domingo, 22 de julho de 2007

A grelha de classificação (ou como a ideologia me fez descobrir novos vinhos)

Porque hoje é o dia do Senhor, Sr. Baco evidentemente, aqui no Peão escreve-se sobre vinhos, e hoje é a minha vez. Nisto dos vinhos não sou propriamente um conhecedor, sou um apreciador mas não um conhecedor. A minha escrita vai ser portanto algo diletante, sobre o processo de aprendizagem e descoberta dos vinhos franceses (e, meus amigos, se há matéria para explorar!). Aviso prévio: regra geral só falo de vinhos tintos, sumo de uva não faz tanto o meu género.
Por defeito de formação, se não mesmo congénito, gosto de sistematizar as coisas de uma forma lógica (o que é uma grande mentira, mas é conveninte para o propósito deste post). Este meu primeiro post dos vinhos ao domingo vai ser sobre a minha sistematização dos vinhos fanceses, e não tanto sobre um vinho em particular. Descobri que os vinhos franceses podem ser classificados com a ajuda de um referencial cartesiano, lá está Descartes era francês e provavelmente inspirou-se no vinho. Nesse referencial temos Bordeaux nas abcissas e Bourgogne nas ordenadas.
O Bordeaux é tipicamente mais encorpado, de cor mais escura e mais alcoólico (por isso fica no eixo horizontal, não é por acaso). As principais castas de Bordeaux são o Cabernet Savignon, o Cabernet Franc e o Merlot. O Bourgogne é mais rico em aromas (porventura subtis), de cor mais clara e menos alcoólico. As principais castas são o Pinot Noir (a mais importante e tradicional) e o Pinot Gris (e para quem interessarem os brancos, o Chardonnay). Os outros vinhos franceses situam-se, neste referencial, algures entre estes dois extremos. Os mais aromáticos e delicados são a atirar para o Bourgogne e os mais robustos e fortes são a dar para o Bordeaux. Convém ter sempre presente a noção de que tudo é relativo, quando digo encorpado estou medir na escala francesa, porque se fosse encorpado como o mais pujante dos Borbas, lá ia a grelha de classificação para o hiper-espaço. Devo admitir que sendo eu um gajo de esquerda minha inclinação natural é para os vinhos mais encorpados (essa estória dos aromas subtis parece-me até uma treta um bocado burguesa), gosto dos vinhos de degustação longa a acompanhar repastos demorados como nos falava o Renato domingo passado. Logo o meu preconceito vai mais para o lado dos Bordeaux, e já bebi uns quantos de muio boa qualidade.
Nisto vi um documentário, o Mondovino (sobre o qual o peão Daniel Melo escreveu nos tempos do Fuga para a Vitória). O documentário Mondovino mostra impecavelmente como um grupo empresarial forte, no caso a americana Mondavi, consegue com o seu poderio económico, e através de ramificações com a imprensa especializada e influência de críticos do vinho, impôr no mercado internacional um padrão do "bom gosto". O tal padrão de "bom gosto" é o vinho de cor escura, encorpado e com elevado teor alcoólico. Um dos parceiros da Mondavi, François Roland, é um consultor em vinhos que vende uma tecnologia, a micro-oxigenação, basicamente faz com a fermentação seja completa, o que leva a que o vinho seja escuro, encorpado e alcoolizado. Quem passa a trabalhar com Michel Roland vê logo as vendas subirem. Quem mais benificia são os vinhos californianos e o Bordeaux (e sobretudo a Mondavi). Quem perde é o consumidor que procura a diversidade de vinhas e casta, e quem se dedica a produzir outros vinhos fora do "padrão".
No documentário Bourgogne aparece como os antipodas do Bordeaux também na virtude e na pureza do cultivo da vinha. Em defesa do Bourgogne há um vitivinicultor da região que diz que os vinhos de hoje, referindo-se tal "padrão de bom gosto" são vinhos transversais, enquanto os Bourgogne, e outros vinhos tradicionais são longitudinais. Quer ele com isto dizer que nos vinhos transversais o sabor está todo lá desde o primeiro gole, é como chocar contra uma parede, vem tudo de uma vez e dali não sai mais nada. Nos vinhos longitudinais, pelo contrário, os sabores vão-se desenvolvendo ao longo do tempo, com a degustação há aromas que vão aparecendo progressivamente. Nisto tenho que dar razão ao apreciador dos vinhos longitudinais, afinal essa é uma, senão a, caracteristica do vinho que o torna único como bebida e que cativa os apreciadores. O meu esquerdismo levou-me assim a descobrir o Bourgogne e a abandonar o Bordeaux.
Não quero no entanto acabar este post sem deixar um par de sugestões de garrafas. O melhor Bourgogone que já bebi, graças aos bons ofícios de um amigo, foi um Fixin 2001 Domaine de la Croix de Bois (não é bem o que está na foto mas quase), dificil de encontrar em super-mercados. Como convém foi consumido a acompanhar um Boeuf Bourgignon - estufado de vaca ele próprio cozinhado num Bourgogne. Do que se encontra em super-mercados o Domaine du Pavillon 2001, Pinot Noir, não é nada mau e fica por 7,50 euros.
Mas ainda assim, o Bourgogne não é o vinho que me enche completamente as medidas, apesar de tudo continua ser demasiado franzino para o meu gosto. E provavelmente é a região que mais sucesso de vendas tem, a seguir a Bordeaux, outros há que sofrem mais do que Bourgogne com a globalização no mercado do vinho. Estas constatações obrigaram-me a procurar outros vinhos noutras paragens, mas isso fica para uma próxima oportunidade, um outro domingo aqui no Peão.

4 comments:

vallera disse...

Hic!

Renato Carmo disse...

Muito bem, fiquei a aprender umas coisas. Essa maneira cartesiana de falar do vinho deu um belo post. Será que o método resistirá à prova. Bem, está visto, teremos de marcar uma sessão para testar a hipótese. Isto tudo numa base científica claro! :))

Daniel Melo disse...

Ora bem, cá ficamos nós outra vez a salivar em seco...
Fica a vontade de beber esses néctares franceses, Bordeaux ou Bourgogne, oh se fica!
O Cabernet Sauvignon é realmente uma das castas mais nobres, porque, além de dar vinhos mais encorpados, adapta-se muito bem a vários tipos de solos.
Por seu turno, os entendidos dizem que o Pinot Noit é muito caprichoso, mesmo em termos de terroir, ou seja: tanto pode sair uma colheita espectacular como outra insuficiente.
Em Portugal é difícil conseguir-se um bom Pinot Noir, daí apostar-se pouco nesta casta.
Seja como for, uma grande parte dos vinhos é feito com vários castas, e aí o Cabernet Sauvignon é muito usado, e não é só por cá.
O problema, como tu bem dizes, é quando meia dúzia de castas começam a substituir a riqueza de centenas de castas e a singularidade das combinações de castas mais conhecidas com outras autóctenes e desconhecidas.
E não é só o mercado: é também perguiça e comodismo dos produtores e enólogos.

Daniel Melo disse...

Só para terminar a questão do gosto, que acho que o Zèd colocou muito bem: há castas que são mais difíceis de se gostar à primeira vez; têm um sabor mais adstringente ou a terra, são mais 'rústicos', como os vinhos do Dão ou da Bairrada, por exemplo.
No entanto, à medida que o nosso paladar se vai habituando, vai-se apercebendo melhor das características deste tipo de vinhos e da diversidade do próprio vinho. Além disso, os pratos também podem ajudar a certos vinhos, nomeadamente as carnes assadas ou um bom cozido à portuguesa.