sábado, 8 de março de 2008

Aux Grandes Femmes, la Patrie Reconnaissante



A Mairie de Paris teve uma iniciativa notável por ocasião do dia internacional da mulher, que se comemora hoje. Paris decidiu honrar a memória de nove mulheres que marcaram a História de França. Já que a Pátria não o fez, fê-lo Paris em nome da Pátria (como se diz aqui). São nove figuras do feminismo, não só marcaram a história, como se bateram todas, em diferentes contextos, e de diferentes maneiras, pelos direitos das mulheres. A Mairie de Paris afixou um retrato de cada uma destas mulheres, acompanhado de uma citação. Diz o Maire de Paris, Bertrand Delanöe, a igualdade dos géneros faz-se também pela história e pelo trabalho de memória, e tem razão. A iniciativa é particularmente feliz em vários aspectos. A escolha do local onde as fotografias das mulheres homenageadas é excelente: o Panthéon. Do ponto de vista visual as fotografias na fachada são imponentes, o que tem que ver com a arquitectura do edifício, e da própria praça do Panthéon. Mais importante ainda, do ponto de vista simbólico a escolha do Panthéon é importantíssima, é o lugar para onde vão os heróis da Pátria, é onde estas mulheres deveriam estar. Das nove apenas uma está de facto (Marie Curie). Ainda do ponto de vista simbólico a escolha da frase que dá o título a esta homenagem (e a este post): "Aux Grandes Femmes, la Patrie Reconnaissante", ou seja "Às grandes mulheres, a Pátria Reconhecida" quando precisamente no Panthéon está gravado a ouro, na fachada "Aos Grandes Homens, a Pátria Reconhecida"..., enfim, pequenos pormenores.

As nove mulheres são: Olympe de Gouges, Simone de Beauvoir, Marie Curie, Colette, Georges Sand, Solitude, Louise Michel, Charlotte Delbo e Marla Deresmes. Confesso que só conhecia duas ou três, mas isto serviu-me para aprender mais um pouco. Simone de Beauvoir, ao centro, e de quem se comemora do centésimo aniversário do nascimento este ano, dispensa apresentações. Marie Curie ganhou dois prémios Nobel, pouca gente, homem ou mulher conseguiu esse feito. Abriu o caminho para as mulheres entrarem no mundo da Ciência. Olympe Gouges, uma das primeiras feministas francesas, autora da Declaração dos Direitos da Mulher nos tempos da revolução francesa. Foi condenada à morte pelo Tribunal Revolucionário em 1793. Louise Michel, militante anarquista revolucionária, lutou durante a Comuna de Paris. Foi deportada e morreu no exílio. Charlotte Delbo, participou na Resistência Francesa durante a segunda Guerra, e foi uma das poucas mulheres a sobreviver a Auschwitz.

A minha preferida, mesmo que não faça sentido estabelecer preferências, é Solitude. Na realidade o seu nome não é conhecido, embora a sua história seja, o nome Solitude foi-lhe dado pelas circunstâncias da sua morte. Solitude era uma mulata escrava da ilha da Guadeloupe. Filha de uma escrava violada por um branco a bordo de um barco negreiro, ainda no caminho de África para as antilhas. Tornou-se mulher livre quando a Revolução Francesa aboliu a escravatura, e lutou para manter a sua liberdade quando Napoleão decidiu re-estabelecer a escravatura, e fazer todos os negros e mulatos tornados livres regressar à condição de escravo. Nunca é demais relembrá-lo, esse grande homem que foi Napoleão Bonaparte fez a França regressar ao regime esclavagista quase dez anos depois da Revolução o ter abolido. Uma das consequências foi a independência do Haiti, no que foi a primeira (de muitas) derrota militar de Napoleão, e logo contra um exército de negros ex-escravos. Na ilha da Guadeloupe os escravos não lograram esse sucesso (ainda hoje faz parte de França), mas combateram as tropas de Napoleão vindas para repor a ordem esclavagista na ilha. Nesse combate destacou-se como líder o mulato Louis Delgrès, que havia já sido da militar da Revolução Francesa. Solitude combateu ao lado de Delgrès, chegando a combater grávida. Foi capturada e condenada à morte por enforcamento, tendo sido executada no dia seguinte a ter dado à luz o seu filho. Tem uma estátua erigida em sua memória na Guadeloupe, em que é representada grávida (foto em baixo). As suas últimas palavras são a citação que acompanha o seu retrato no Panthéon, e que foi o grito dos que lutaram ao lado de Delgrès: "Viver livre ou morrer!"


Mais informações sobre a homenagem às nove mulheres no Panthéon aqui. Programa das comemorações do dia Internacional da Mulher em Paris aqui. Foto de Solitude retirada daqui.

1 comments:

Sofia Rodrigues disse...

"Às grandes mulheres, a Pátria Reconhecida", muito simbólico e muito bonito.
Essa iniciativa é mesmo notável.
Belas notícias nos trazes de Paris.