quinta-feira, 31 de maio de 2007

Estaline e a Guerra Civil de Espanha (agenda)

A pedido de um proto-peão, aqui fica o anúncio duma conferência sobre a Guerra civil de Espanha (esta 5.ª, às 17h30, no ISCTE), por Daniel Kowalsky, um dos maiores especialistas da actualidade:
"No âmbito do seminário permanente que tem vindo a decorrer desde o mês passado dedicado ao tema Comunismos: História, Poética, Política e Teoria, tem lugar na próxima quinta-feira, no auditório B203 do ISCTE (edifício novo), às 17,30h., a sessão dedicada ao tema «Comunismo na guerra civil de Espanha».
O conferencista é desta vez DANIEL KOWALSKY, Professor da Queen’s University de Belfast e actualmente um dos mais reputados especialistas mundiais sobre este tema. A sua tese de doutoramento realizada na Universidade de Wisconsin, Stalin and the Spanish Civil War, mereceu o American Historical Association's Gutenberg-e Prize em 2001. Actualmente desenvolve também pesquisa sobre cinema espanhol na época da transição para a democracia e é ainda o editor da série respeitante à União Soviética da publicação oficial dos Documentos Britânicos de Política Externa. Tem orientado seminários de investigação na Sorbonne e na London School of Economics, bem como em Espanha e nos EUA.
Em conclusão da sua tese, defende que «em todas as facetas do envolvimento soviético nas questões espanholas durante a guerra civil, a posição de Estaline nunca foi de força, mas antes de fraqueza». A iniciativa conta com o apoio do British Council e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
"

Nb: mais informações sobre a restante programação do seminário aqui; imagem retirada daqui.

MECENAS, MECENAS

Domingo, 3 de Junho de 2007, na escadaria do hall dos congressos da Fundação Calouste Gulbenkian.
MECENAS, MECENAS4 peças inéditas + um mistério de Almeida Faria tudo à espera que voltem 32 fantasmas de mecenas
Uma leitura encenada, pelos Artistas Unidos.
Começa entre as 14h30 e as 15h00.
Depois, e até por volta das 23h, vão ser lidas mais peças e mais textos, em tom animado.
Para mais informações, veja aqui o site.

Retaliação no funcionalismo público (balanço do mês)

Em 3.º lugar, cabe falar da punição de um funcionário público (da Direcção Regional de Educação do Norte) por contar uma anedota alegadamente «lesa-majestade».
É verdade que há um processo disciplinar em curso (os quais, a propósito, demoram sempre um ror de tempo, por mais concreta que seja a questão), mas atendendo ao que já se sabe (o próprio afiança que foi uma mera piada humorística em torno de títulos académicos, pegando no caso do diploma do PM) é caso para perguntar: será que o excesso de zelo faz sentido em democracia? Alguém deseja um Cavaco II autoritário como PM? Já se esqueceram do que foi o seu final de consulado?
Nb: o funcionário em causa, Fernando Charrua, foi transferido de serviço, da DREN para a escola de origem, pese a boa nota de avaliação; imagem extraída daqui.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Sindicalismo precisa-se!

Esta greve geral foi um fracasso, como comprovou a infeliz conferência de imprensa do Secretário Geral da CGTP. Foi doloroso vê-lo a falar sozinho enquanto os repórteres fechavam a transmissão televisiva. Carvalho da Silva calou-se assim que as câmaras o deixaram de filmar. Em certo sentido, é uma imagem cheia de simbolismo: este sindicalismo calou-se de vez. É urgente que se renove, a começar pelos seus dirigentes. É urgente que as suas estruturas internas se democratizem. É urgente que se autonomize face aos programas e às estratégias partidárias, que comece a agir com pensamento próprio. É urgente um sindicalismo livre!

O fim de uma luta

Cindy Sheehan perdeu um filho, Casey, na Guerra do Iraque. Casey morreu dias depois de ter desembarcado no Iraque como soldado. Cindy Sheehan tornou-se conhecida quando comprou um terreno em frente ao rancho de George W. Bush no Texas, e lá montou um acampamento de protesto. Exigiu ser recebida por Bush para que este lhe explicasse por que nobre razão morreu o seu filho, nunca foi recebida. Tornou-se uma das figuras emblemáticas do movimento anti-Guerra nos EUA, e dedicou-se a tempo inteiro ao activismo. Depois de ter perdido três anos, o seu casamento, todo o dinheiro da indemnização devida pela morte do seu filho e pela venda de livros, e ter passado por problemas de saúde, Cindy Sheehan resolveu parar. Ou talvez tenha resolvido tentar a última tática: o silêncio.
Escreveu um post muito amargo onde explica a sua decisão.

"The most devastating conclusion that I reached this morning, however, was that Casey did indeed die for nothing."

Trinta e tal anos para escrever uma tese que no fundo se podia resumir num sms:

Tudo dpende d tudo.As 5 na creche,ok?Bjs

David Bordwell

Para quem gosta de cinema, especialmente do teórico David Bordwell, aqui fica o site, repleto de críticas, blogues, livros, etc..

Debates de St.ª Engrácia (balanço do mês)

Eis o 2.º assunto que ficou por falar, o putativo aeroporto da Ota.
Enfim, foi abordado via cartoons, mas vale a pena aprofundar.
É de facto inacreditável como por cá se prolonga a resolução de certos problemas. Este já tem c.10 anos, o debate fez-se há uns 5 anos, mas após a decisão há sempre quem venha com novas ideias. Aqui está um problema da democracia lusa: o défice de capacidade de mobilizar a comunidade para discutir uma questão numa dada altura (dando-lhe previamente os dados para reflectir, claro), e arrumar o assunto. Andamos muito tempo com muitos assuntos às costas, sem perceber que mais vale discutir bem e encerrar um assunto em dada altura do que estar a arrastar a coisa.
Quanto ao novo aeroporto, o senão é que pode não ter sido bem discutido e porque surgiram agora objecções que podem ser relevantes: a maior vulnerabilidade a terramotos e o maior custo quanto a terraplanagens. Novamente, é óbvio que o problema pode ter sido levantado por interesses obscuros (no caso, ligados à especulação imobiliária); seja como for, interessa é a questão de fundo. Resta dizer que o aeroporto da Portela há muito que não devia estar a funcionar (por poluição sonora grave) e que rebenta actualmente pelas costuras.
Entretanto, com a algazarra toda, deixou de se falar em política de desenvolvimento. A Ota salta de 3 opções fracas, parecendo que terá sido tal escolha a ditar a configuração prática do modelo de desenvolvimento para todo o país. Será? Se sim, é pertinente? Seria bom que a discussão se re-enquadrasse no debate de estratégias consistentes para o país.
Nb: cartoon de autor desconhecido, de homenagem às boutades do ministro Lino.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Vida (às vezes) com TV

Aqui para quem perdeu a excelente edição de 27 de Maio do programa Câmara Clara (e para quem tiver paciência de o ver integralmente no computador). Jorge Silva Melo era o convidado e, por isso, a conversa foi mesmo interessante.

Voos ministeriais... rasantes (balanço do mês)

Cartoon de GoRRo (c) 2007

Here we go again...

Vai uma Guerra Fria como nos velhos tempos?

Mundos sem voz e direitos de antena


Acabou de sair o novo livro do sociólogo Renato Carmo (dizem que ele tb escreve aqui neste blogue). O livro intitula-se "De Aldeia a Subúrbio. Trinta anos de uma Comunidade Alentejana" e é publicado pela Imprensa de Ciências Sociais (ver: http://www.ics.ul.pt/imprensa/det.asp?id_publica=194).

Se quiser perceber por que é que há pessoas que dizem - metaforicamente, é claro! - que 'a sociologia é um desporto de combate', venha ao lançamento deste livro no dia 4 de Junho pelas 17h no Instituto de Ciências Sociais (sala 2) da Universidade de Lisboa.

É que parece que há mundos - por exemplo, comunidades rurais alentejanas como a do livro do Renato Carmo - que têm menos voz e direitos de antena do que outros. Será que é por acaso?

O livro será apresentado pelo Prof. Doutor Fernando Oliveira Baptista.

Assuntos que ficaram por falar (balanço do mês)

Proponho uma breve reflexão sobre 4 temas que não foram falados neste blogue mas que marcaram a agenda lusa pelo alcance com que foram abordados.
Em primeiro lugar, o divórcio.
A conjugalidade é difícil, não vale a pena fingir que é só facilidades e um sonho de príncipes e princesas, porque não é. Se a vida em si não é fácil, porque é que a união conjugal o havia de ser? Mais: em certas situações as coisas deixam mesmo de funcionar, e não faz sentido obrigar as pessoas ao calvário dos tribunais apenas porque um dos cônjuges quer retaliar, o que se agrava muito no caso de haver crianças.
O problema é que o divórcio é um assunto incómodo na sociedade indígena. Muitos preferem fingir que não há problemas na actual legislação, apesar das evidências. Pior, é mesmo um tabu, porque quebra um sacramento que alguns querem fingir que é sagrado, mesmo que seja um contrato civil. Daí, em grande medida, as resistências. Numa sociedade conservadora como a portuguesa era natural a dificuldade em enfrentar a questão. Já dá mais que pensar a atitude do PS e do governo ao rejeitarem liminarmente o projecto-lei do BE. Se a questão era, alegadamente, não estar bem salvaguarda a posição do cônjuge que está em desvantagem económico-social no casal (porque optou por deixar de trabalhar, porque tinha piores condições económicas à partida, porque ficará com os filhos a seu cargo, etc.), então o PS devia ter proposto a alteração desse ponto para a discussão na especialidade, assim colocando no cerne do debate um aspecto relevante eventualmente em falta. Caso contrário é tão-só uma atitude de avestruz (ou, então, retaliação face a pelejas recentes). Não se pense que a revisão da lei sobre o divórcio é uma questão marginal: vários foram os deputados do PS que apelaram a um debate aprofundado sobre a questão, valendo a pena ler alguns textos de reflexão (vd. Daniel Oliveira, no Arrastão, e Daniel Sampaio, este na Pública do passado domingo).
Nb: imagem retirada daqui; +inf. jurídica aqui.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Um plano Rehn-Meidner para o 1º ciclo do ensino básico

Mais escolas primárias vão ser fechadas no início do próximo ano lectivo. A onda de protestos já começou, centrada por agora na dúvida em torno do número final de estabelecimentos em causa. Mas agora que escrevi o post anterior a partir do modelo/plano Rehn-Meidner, vale a pena mostrar o improvável paralelismo entre os dois processos.

Uma das características do modelo/plano Rehn-Meidner era o, como escrevi lá átras, aumentar o salários mais baixos - acima do que o mercado ditaria - e evitar a subida dos salários dos trabalhadores mais qualificados (wage restraint of the well paid = wage solidarity), mas com a condição de aumentar a produtividade das empresas. Como? Obrigando-as a racionalizar os métodos de produção ou fechando-as. Os trabalhadores seriam então retreinados (daí a importância das políticas de mercado de trabalho activas) e integrados em empresas mais produtivas. Note-se: a política não era o proteccionismo da mediocridade - baseava-se precisamente no esforço para eliminar a mediocridade.

Ora, o Ministério da Educação não pretende nada de particularmente diferente: apenas acabar com as más escolas (tal como como Rehn e Meidner pretendiam acabar com as empresas improdutivas). As escolas que ficam serão de nível superior e puxarão os mínimos na qualidade dos processos de ensino e da aprendizagem para cima - os mesmos mínimos (escolares, económicos, culturais) que são tão baixos num país como o nosso.
A justificação filosófica, essa, é Rawlsiana, e segue a regra do maximin (abreviatura de maximum minimorum), que tem como objectivo, na definição de políticas públicas, a maximização do bem-estar ou da utilidade dos que estão na pior situação.

Redistribuindo a riqueza? Ou falta de decência?

Cartoon de GoRRo (c) 2007

Ainda os trabalhadores europeus - e o significado não-hipócrita de "solidariedade"

O Nuno Teles - a quem agradeço a réplica - acha que eu adiro acriticamente ao modelo neoclássico do mercado de trabalho para justificar o meu post anterior de comentário crítico ao dele sobre o conflito entre trabalhadores suecos e letões. É falso que o meu quadro de partida seja neoclássico; a melhor teoria do mercado de trabalho disponível é a "corporatista", e é dos seus pressupostos que parto, seja para analisar empiriciamente o problema, seja para avaliar politicamente os dilemas criados - e já agora, para pensar numa eventual saída para eles.
O que é que está aqui em causa (retirada deste livro (p.23))? Olhemos para a foto, que representa o modelo Calmfors-Driffill, que nos diz que o desemprego será baixo tanto no melhor dos mundos neo-liberal, o do firm-level bargaining ou no melhor dos mundos social-democrata, o do economy-level bargaining. Ele tenderá a ser alto quanto a negociação é sectorial e envolve competição entre vários sindicatos pouco preocupados com a externalidades produzidas pelas suas acções e reivindicações.

O que faz a força do modelo sueco? O que os sindicatos suecos conseguiram foi levar o nível da negociação para um nível de coordenação nacional e evitar a fragmentação da representação de interesses que tantos problemas causa em países como a França ou a Itália na luta contra o desemprego (Portugal também poderia ser incluído neste grupo, fica para outra discussão). Ou seja, a Suécia tem, tradicionalmente, um economy-level bargaining e a França e a Itália têm um industry-level bargaining. Foi assim que os suecos conseguiram a sua dinâmica economia capitalista (à força de tanto se dizer mal do capitalismo, convém de vez em quando lembrar que a Suécia é um país capitalista, mesmo que com uma variante muito particular :)); deixa-me discordar frontalmente: não por uma luta através da luta social nacional e internacional(ista), muitas vezes trágica. Isto é uma reconstrução da história a posteriori. O que o movimento operário sueco soube fazer foi ser mais inteligente que os capitalistas; em vez de lutar e reinvindicar isto e aquilo sem uma estratégia definida, propôs um modelo de desenvolvimento da economia, o modelo Rehn-Meidner, que é base da compressão salarial, das políticas de mercado de trabalho activas e da flexibilidade interna que fez sucesso durante décadas. E, sim, isso envolveu aceitarem "provisoriamente salários bem mais baixos do que os seus congéneres", porque o que o modelo envolve é uma pressão sobre os salários compensada pela expansão de serviços públicos fornecidos pelo Estado. O crescimento dos salários nunca foi uma prioridade central do movimento operário sueco, porque a dinâmica da economia depende das exportações, e qualquer wage drift insensato prejudicaria tanto os capitalistas como trabalhadores. A prioridade era o pleno emprego.

Quanto ao "modelo social europeu" que os trabalhadores suecos dizes terem alcançado, bom, o que apetece dizer é que o "modelo social europeu" é uma ficção no pior dos casos, e um ideal regulador kantiano no melhor. A diversidade nos sistemas de protecção social e laboral na Europa é tal - tanto ao nível da cobertura como ao nível da forma como estão desenhados - que devemos ter cuidado em utilizar essa expressão: sobretudo quando há vested interests a quem ela serve bem, e outros que o mesmo modelo deixa de fora.

Voltemos ao modelo Calmfors-Driffill. O problema actual é que aquilo que os suecos haviam resolvido a nível nacional regressa agora a nível europeu. Agora, quando há, por exemplo, dois países envolvidos, emergem os problemas de coordenação que haviam sido internalizados a nível nacional, e somos arrastados de novo para uma situação equivalente à do industry-level, em que existe competição entre centrais sindicais - que por isso não estão muito preocupadas com as externalidades negativas que provocam na constituency alheia (mesmo que continuem a falar dos "trabalhadores" como se fossem uma massa "homogénea" e com os mesmo interesses) - e que arrisca fazer subir o desemprego ou a inflação porque os trabalhadores melhor colocados não estão dispostos a perder as suas boas condições ("boas", relativamente, claro).

Atenção: isto é muito importante, e por isso repito: os trabalhadores melhor colocados não estão dispostos a perder. Ora, toda a questão é que eles DEVIAM estar dispostos a perder algo, sim, mesmo que seja um pouco, mesmo que seja por um tempo.

Repara: o que acontecia no modelo Rehn-Meidner era que os trabalhadores mais qualificados - ou seja, que podiam usar o seu poder de mercado para exigir melhores salários - aceitaram ceder essa vantagem e com isso permitir que os trabalhadores menos qualificados e mais mal pagos fossem integrados na estrutura sindical e ganhassem com isso melhores condições do que se estivessem no papel de outsiders. É isto que faz da estrutura salarial sueca uma das menos inigualitárias do mundo (provavelmente a menos inigualitária - depois vamos a este pormenor). É isto que se chama solidariedade: os que podiam fazer uso da sua posição contra os mais frágeis aceitam enveredar por um self-containment de forma a que os mais frágeis possam ser puxados para cima. Esta é a história que é regularmente esquecida na narrativa das "lutas sindicais": é que sem cedências daquela que podia transformar-se numa labour aristocracy, os verdadeiros proletários teriam continuado na indigência. É isto que faz a compressão salarial, a alta produtividade, o sentido de coesão e de solidariedade.

Ora, é isto que os trabalhadore suecos - se bem percebi a episódio em causa, mas se ele não ocorreu exactamente assim, o problema que apresento e o meu raciocínio, mesmo que meramente hipotéticos, continuam a ser válidos - parecem não querer aceitar. Achar que o problema se resolve alinhando as regras por cima, de forma automática, é falacioso, porque isso faz simplesmente isto aos trabalhadores letões: it prices them out of the market. E deixa-os potencialmente no desemprego, sem protecção social decente (comparada com as que os suecos têm). Ora, isto, desculpa Nuno, é que não pode ser: e se não és indiferente a estes trabalhadores, então pensa duas vezes na sua situação antes de te preocupares mais com os que ganham muito mais e têm protecção muito superior. Eu, por método rawlsiano, penso sempre nos que estão pior. E aqui, eu estou muito mais preocupado com os letões do que com os suecos. Não preciso explicar melhor porquê.

Como é que isto pode ser contornado? Bom, em teoria, tornando efectivo a nível internacional algo similar ao que foi possível fazer a nível nacional. Descontando os obstáculos empíricos - que são enormes, como calculas -, não seria impossível, por exemplo, através de políticas de mercado de trabalho activas, melhorar as competências dos trabalhadores letões e torná-los mais produtivos e competitivos, partilhando com eles os fundos que estão ao dispor dos trabalhadores suecos (por exemplo, o fundo de desemprego dos trabalhadores suecos auxiliar os trabalhadores letões em caso de necessidade). O ideal seria um pooling de fundos e de riscos, no sentido lato. Uma estratégia solidarista passaria pelos trabalhadores suecos apertarem um pouco o cinto, redistribuindo algum dinheiro e condições pelos seus colegas letões, que apesar de tudo poderão ter que aceitar ganhar um pouco menos, dado que partem de condições muito diferentes. Mas isto são questões de acerto empírico. O principal é uma questão de estratégia. Agora, claro, isto é muitíssimo mais complicado à escala inter-nacional do que à escala nacional (ainda por cima em países pequenos: não é por acaso que o economy level-bargaining foi instituído em países pequenos como os nórdicos; fazê-lo em países de 40, 50, 60 milhões de habitantes como os grandes países europeus era mais complicado). O problema está todo aqui. E não pode ser ignorado pensando que vamos resolver o problema internacional comportando-nos como no passado, quando este tipo de competição internacional não se colocava. Porque o problema é este: desta maneira (ficando-lhes com o contrato), os trabalhadores suecos não estão a ajudar os trabalhadores letões que, como eu argumentei no meu post anterior, não vão ter outro recurso, numa próximo round negocial, senão concorrer ainda mais em função do preço e não da qualidade.

Gosta Rehn e Rudolf Meidner não argumentariam - nem eu - a favor da competição entre os dois grupos de trabalhadores: eles veriam os letões, como viam dantes os trabalhadores suecos não-qualificados e mal pagos, como um perverso subsídio ao capital. A solução - em teoria, repito -, é os sindicatos conseguirem chegar a um acordo de cooperação, de forma a reduzir as diferenças entre os trabalhadores, pagando mais aos letões, subsidiando a sua formação, etc., mas com um trade-off: neste modelo, os trabalhadores suecos teriam que redistribuir parte do que têm direito, para melhorar as condições dos trabalhadores letões. Tal como os trabalhadores mais qualificados suecos dos anos 50 que podiam ter feito finca pé e ter argumentado algo semelhante a "eu não abdico da minha posição de mercado e do salário que mereço", mas não o fizeram, também os trabalhadores suecos hoje deviam dizer "eu abdico de um pouco dos meus direitos adquiridos ao longo de décadas para que os meus camaradas letões possam ter emprego, ganhar um pouco melhor, e aprender competências novas. Isto é que é solidariedade: nós, suecos, que temos o melhor sistema de protecção social da Europa, devemos-lhes isso".

domingo, 27 de maio de 2007

Lá vai a miúda

A miúda do Parque Mayer faz 100 anos. É verdade: é neste ano o centenário do nascimento da grande fadista Hermínia Silva.
Hermínia surgiu como profissional do mundo do espectáculo no Parque Mayer, enquanto fadista em peças de teatro de revista aí exibidas. Nunca teve o sucesso internacional de Amália, embora esta a achasse a maior das fadistas. Foi das artistas mais queridas do público lisboeta. Levou o fado ao teatro e ao cinema, e foi precursora de Carlos do Carmo em ressaltar no fado o seu lado festivo e vivaz.
A propósito do foguetório de ontem em Lisboa, a anunciar um festival rockeiro de 2008 (portanto, daqui a 13 meses), nós aqui preferimos evocar vozes de boas cantoras portuguesas, com 5 meses de antecedência (é a 23/X). Em 2004 foi-lhe dedicada uma biografia: Recordar Hermínia Silva, de Vítor Duarte Marceneiro, neto do também fadista Alfredo Marceneiro. Mais informações aqui e aqui.

Matateu, Vicente e as glórias da vida

Vitória suadita do SCP, num jogo morno (desinteressante?), com poucas oportunidades para cada lado. Jogo morno, um pouco à maneira do tempo que está fazendo. O que vale a pena destacar é a interessante reportagem de Filipe Escobar de Lima. Num único e pequeno texto, temos boas referências a Matateu, ao seu irmão e parceiro Vicente, ao Império, ao Maxime, etc.. Tudo num pequeno rectângulo; vale a pena ler ("O golo de Matateu que fez rebentar a festa azul no Jamor", 27/V, p. 32/3).
Imagem: jogador belenense e da selecção portuguesa, o moçambicano Vicente Lucas, 1966 (foto de Amadeu Ferrari, AFML).

sábado, 26 de maio de 2007

Star


O cinema Star, como muitos de nós bem nos lembramos, situava-se na Av. Guerra Junqueiro. Lembro-me de lá ir assiduamente com o meu pai ver Dirty Harry's e afins. Eu gostava do cinema, gostava dos filmes que passavam e gostava (e gosto) da Mexicana, que se salvou negando um convite irrecusável, uma proposta, de um banco, creio. Há quanto tempo já não existe o Star? não me lembro.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

As vitórias (?) dos trabalhadores "europeus"

O caso que o Nuno Teles relata no Ladrões de Bicicletas deixa-me francamente ambivalente. Não vou repetir os pormenores factuais que estão descritos no post do Nuno. O que me incomoda q.b. é o discurso de vitória dos trabalhadores - devidamente sancionado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia - protegidos pelo sindicato sueco contra os trabalhadores letões.

O argumento, claro, é o do "dumping" social: os letões ganham, isto é, cobram menos, substancialmente menos que os suecos. O Nuno acha que isto foi uma vitória do modelo sueco, do qual eu também sou adepto. Talvez o seja. Mas não vejo em lado nenhum preocupação pelo que aconteceu aos trabalhadores letões que perderam o contrato. Serão uma mera "externalidade"?

Pensemos de forma contrafactual por um instante e imaginemos que os letões ganharam o contrato. O que aconteceria aos trabalhadores suecos? Caso não tenham outros contratos em vista, cairiam na rede daquele que é um dos Estados sociais mais - senão o mais, tirando o Luxemburgo - generosos da Europa (ver quadro). Os trabalhadores letões, esses, ganhariam algum dinheiro e experiência. Para a "próxima", talvez os seus salários não fossem tão baixos e o tal "dumping", por parte dos investidores, não fosse tão atractivo, e outras coisas que não o preço da mão-de-obra pesassem mais na decisão (e como sabemos, as variáveis são múltiplas).

Voltemos à realidade: o que vai acontecer depois desta decisão? Os trabalhadores suecos talvez fiquem mais ricos. Os trabalhadores letões, esses, seguramente, não o vão ficar. E vão ficar, se não tiverem alternativas, entregues ao sistema nacional que menos gasta na protecção dos trabalhadores (ver quadro). E para a próxima, vão muito provavelmente ter de concorrer com base em valores mais baixos, agravando o "dumping". Porque não ficaram mais ricos depois desta decisão, maior é o incentivo para que aceitem, no futuro, condições mais adversas e salários mais baixos. Como facilmente se percebe, esta dinâmica arrisca-se a transformar em espiral - fazendo com que a luta contra o "dumping" por parte dos protegidos alimente, precisamente, no momento seguinte, a tentação do "dumping" por parte dos não-protegidos.

O Nuno diz que foram os trabalhadores "europeus" que ganharam. Bom, talvez, se partirmos do princípio que os letões não são europeus. E se partirmos do princípio que há outra saída para os trabalhadores letões enriquecerem que não passe por, provisoriamente, terem que aceitar salários que são bem mais baixos que os dos seus "camaradas" suecos. E se partirmos do princípio que é assim que se luta contra as desigualdades intra-europeias. E se partirmos do princípio que a esquerda deve defender os bem estabelecidos insiders contra os precários outsiders. E assim por diante.

Imaginem que isto se passava entre os trabalhadores suecos e portugueses - com estes no papel de letões. Deveríamos aplaudir a vitória dos trabalhadores suecos, mesmo que isso aumentasse o desemprego em Portugal? Daria certamente mais uma razão para protestar contra o Governo...

Esta "vitória" protege os trabalhadores mais ricos da Europa e mantém lá bem no fundo os mais pobres. Se isto é uma "vitória" da "esquerda europeia", tem de ser de Pirro. E, depois, um dia, não estranhem que os trabalhadores letões, se lhes perguntarem o significa para eles a "Europa social", eles respondam que é uma enorme hipocrisia.

P.S. - Primeiro publicado aqui.

A blogofrase da semana

O respeitinho é muito bonito. Não é pois de admirar que ainda hoje seja a cirurgia plástica dos pobres.

Por Rui Zink, no Ser como um livro aberto (uma espécie de blogue, a seguir com muita atenção - descoberto através da Origem das Espécies)

SLB cinema

Onde agora se encontra a Junta de Freguesia de Benfica, havia no mesmo espaço, um local muito mais apelativo, para os moradores da zona. Certamente beberiam uma imperiais e picavam uns caracóis, nas inúmeras cervejarias existentes na Av. Gomes Pereira, e depois, iriam ao cinema. Ao cinema SLB. Venha o marisco e a cerveja, o calor e o sol, e a Gomes Pereira transforma-se num local perfeito para estar com os amigos (infelizmente já sem cinema)

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Propostas para o novo milénio: o 2 em 1

Cartoon de GoRRo (c) 2007

Momento de oportunidade: as declarações do ministro Lino e do pres. do PS Almeida Santos, a propósito de pontes que podem cair por causa de aeroportos construídos mais abaixo.

A eficiência do avançado no momento da verdade

A estatística de Inzaghi ontem na final da liga do campeões: 1 remate, 2 golos

quarta-feira, 23 de maio de 2007

A Verdade, o Bem e o Belo

Termina, amanhã, o ciclo de conferências intitulado «Ecce Homo» , promovido pelo Patriarcado a propósito dos 4o anos da publicação da encíclica Populorum Progressio de Paulo VI.
Esta encíclica, a primeira a ser escrita depois do Concílio Vaticano II, pretendia ser um documento sobre o desenvolvimento dos povos, destacando a universalidade da questão social.
Quarenta anos volvidos, tudo isto foi destilado em três temas: a Verdade, o Bem, concluindo na quinta-feira, 24 de Maio às 21.30h na Sé de Lisboa, porventura com o mais sugestivo, o Belo. Os oradores serão João Bénard da Costa e Jorge Silva Melo, moderados por Paulo Vale.
A ser certo que estes conceitos inspirem o desenvolvimento integral do Homem, estamos, no que ao nosso país diz respeito, bem longe de o atingir: a Verdade foi convertida numa farsa, o Bem num argumento e o Belo não existe (a comprovar as imagens, certeiramente escolhidas, do programa Portugal: um retrato social, de António Barreto).
Imagem: Auguste Rodin - A catedral

links

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terça-feira, 22 de maio de 2007

Botox ancestral


The Cheat, realizado em 1915 por Cecil B. DeMille é um filme surpreendente, e conhecido, pelos jogos de sombras, pela iluminação chiaro-escuro, e, sobretudo, pela representação do actor Sessue Hayakawa , totalmente inovadora para a época. A sua interpretação recorre à linguagem corporal e ao movimento dos olhos que instala uma espécie de sobriedade funcional na forma de representar, onde a emoção interior adquire um papel relevante. Até aqui, a convenção de um actor representar em cinema, era uma gesticulação simbólica, falsificada. Era essa a sua lógica. Aqui, pela primeira vez, esta convenção é abolida. Isto é importante porque quer dizer que o modo de ver cinema se transforma, a partir do momento em que a arte cinematográfica começa a ser auto-consciente.
Mas isto não tem interesse nenhum, comparado com o seguinte: A actriz Fannie Ward, a flapper do filme, tinha, então, cerca de 40 anos. A sua aparência jovial deveu-se a uma espécie de botox ancestral – parafina injectada debaixo das bochechas, que derretia quando expostas ao calor das luzes. Durante as paragens no plateau tinha de pôr gelo.

No DJ Peão

A não perder DJ Im-Becil em grande forma!

Impostos, alguém quer ouvir falar deles?

A questão levantada pelo Rui Tavares (ontem no Jornal Público) sobre a não descida dos impostos merece ser debatida. Na minha opinião a esquerda não pode encarar este assunto como algo intocável e necessariamente positivo. A forma como se aplica a tributação nem sempre favorece a diminuição das desigualdades. Por exemplo, quando esta incide fortemente sobre o trabalho e o consumo (como é o caso da situação portuguesa), não me parece que contribua eficazmente para a equidade social. O IVA é um imposto cego que engloba na mesma ordem proporcional tanto os mais ricos, como os pobres. Por seu turno, as receitas do IRS resultam em grande parte do trabalho por conta de outrem. Ou seja, há claramente uma sobre-representação da tributação no orçamento familiar da classe média (e média-baixa) trabalhadora.
Por outro lado, o excesso de tributação favorece e, em certa medida, legitima a economia paralela: sempre que se pode é prática comum fugir à facturação. Talvez seja por isso que, segundo o Rui, não se ouve na rua as pessoas queixarem-se muito dos impostos. Entendo que a esquerda se deve bater pela descida dos impostos sobre o trabalho e também sobre o consumo, ao mesmo tempo, que deverá reivindicar novas modalidades de tributação que compensem essa descida, nomeadamente, os impostos que se dirijam aos poluidores ou às mais-valias (propostas já sugeridas aqui no Peão).

Infantários: uma das contrapartidas pelo trabalho

Ainda não temos uma verdadeira rede pública de infantários. Esse problema, segundo noticia o Público de hoje, é particularmente sentido no Algarve e em Lisboa. Na capital só 58% das inscrições de crianças de 3 anos nos jardins-de-infância recebem resposta positiva.
Todos sabemos que as escolas privadas praticam preços muito elevados para a maioria das famílias (c. 300€ mensais) e que o ordenado de uma pessoa especialmente contratada para cuidar de uma criança será ainda mais proibitivo. Além disso, nem sempre os avós ou outros parentes têm possibilidade de ajudar: porque ainda trabalham ou já estão cansados ou vivem longe ou simplesmente não estão para isso (e têm todo o direito!).
Cabe ao Estado resolver este problema e, desde 1997, essa incumbência foi formalmente reconhecida na lei-quadro da educação pré-escolar.
Sem pôr em questão as obrigações do Estado central nesta matéria, julgo que as autarquias locais, as empresas e institutos públicos e as médias e grandes empresas privadas também podiam dar uma ajuda. E convém que pensem nas crianças a partir dos 4 meses. Uma boa creche e jardim-de-infância para os filhos dos funcionários/trabalhadores é uma forma de salário que pode trazer grandes benefícios em termos de produtividade.
A Câmara Municipal de Lisboa tem uma creche (em Carnide) e uma creche e jardim-de-infância (em Sete Rios). Desconheço a taxa de admissão. Imagino que muitos meninos fiquem de fora. Mas, segundo me disseram, um funcionário no topo da carreira apenas paga 150€/mês. Na prática, tem um acréscimo no seu vencimento de, pelo menos, 150€ (já que não precisa de recorrer às escolas privadas que custam em média 300€). Interessa, pois, alargar a capacidade de resposta, para que não haja respostas negativas. Sobretudo no que respeita aos filhos dos funcionários com remunerações mais baixas.
Imagem: creche do centro social do Bairro Padre Cruz, em Lisboa (fot. de Henrique de Sousa Amaral, 1969, AFML).

In the desert

In the desert
I saw a creature, naked, bestial,
Who, squatting upon the ground,
Held his heart in his hands,
And ate of it.
I said,"Is it good, friend?"
"It is bitter - bitter," he answered;
"But I like it
Because it is bitter,
And because it is my heart".

Stephen Crane (1871-1900)

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Uma questão de responsabilidade indivdual

Envolvi-me numa troca de ideias interessante com o António Figueira, na caixa de comentários deste post do próprio. Acabámos por chegar à conclusão que estávamos de acordo, o que é sempre uma chatice. Mas vou fazer de conta que não e arrastar a discussão para outro tema relacionado. Perguntava o post em questão se o princípio do poluidor-pagador se deveria aplicar aos jornais gratuitos, que em Lisboa se transformam rapidamente em alcatifa. Eu sou completamente a favor da aplicação do princípio do poluidor-pagador neste caso. Mas quem é o poluidor neste caso? Ou melhor, de que poluição estamos a falar? Se estivermos a falar do papel que é produzido, e que é preciso reciclar, então o poluidor é o responsável pela produção do papel, ou seja as editoras dos jornais. Deviam pagar uma taxa para subsidiar a reciclagem do papel. Como argumenta e muito bem o António Figueira, o mesmo se aplica aos vendedores de automóveis que contribuem para a recolha e reciclagem de pneus. Aliás essa taxa não devia aplicar-se apenas a jornais gratuitos, mas a todos os jornais, e outros tipos de papel produzidos para "consumo rápido" (por exemplo, os panfletos publicitários).

Agora se estivermos a falar da poluição gerada pelo jornal deitado ao chão, e que é preciso que alguém venha depois limpar, então aí já não me parece que as editoras tenham alguma responsabilidade. Tal como os vendedores de automóveis não podem ser responsabilizados pelos condutores que estacionam os carros em cima do passeio. Continuo a achar que o princípio do poluidor/pagador se aplica, mas nesse caso o poluidor é o leitor que deita o jornal ao chão, e bem pode desenbolsar uma multazinha por andar a poluir.

Apeteceu-me arrastar a discussão para este aspecto porque me parece que há à esquerda um certo pudor em responsabilizar o indivíduo (posso estar completamente enganado, mas é a sensação que tenho). O grande capital pode ser sempre responsabilizado, já o cidadão, nem por isso. Outro exemplo é a televisão. As cadeias de televisão são responsáveis pelos "telelixo" na programação (e são!), se as crianças vêm programas violentos que depois imitam nas suas brincadeiras a culpa é da televisão. Já os pais que deixam as crianças ver televisão sem acompanhamento, esses não são imputáveis. Também me faz uma certa confusão o raciocínio segundo o qual se a culpa é da televisão então não é dos pais (e vice-versa). Como se a responsabilidade de uns ilibasse a irresponsabilidade de outros. Mas não será esta tendência para a desculpabilização do indivíduo desresponsabilizante e paternalista? Não deverá o projecto da esquerda assentar, antes do mais na responsabilidade individual?

«Será que foi o Estado que 'tramou' esta geração?»

Isto está muito calminho por este blogue. Deve estar tudo de luto pelo FCPorto ter sido campeão. Paciência.

De qualquer forma, e para irritar um bocadinho as hostes :), gostava que alguém à esquerda comentasse os artigos do Vasco Pulido Valente no "Público" de sábado e do Francisco Sarsfield Cabral na edição de hoje.

A pergunta do título do post é, obviamente, uma provocação. Mas merece reflexão séria, quanto mais não seja para as pessoas da nossa geração, à esquerda, decidirem se é este o "Estado social" que querem; e se este é um "Estado social" que mereça ser defendido com a "resistência" do costume; se não é este o "Estado social" que, ao criar boas condições para uns, não produz a precariedade para outros. Ou seja, se a mesma precariedade que preocupa legitimamente tantos não é tanto criada unilateralmente apenas pelo mercado, mas em larga medida pela atitude que o Estado e as pessoas que este protege têm perante o mercado. É porque quando o Estado atinge o tecto de protecção - assimétrica - que pode conferir, e o mercado tem regulações desnecessárias e por isso não funciona (e não funciona as mais das vezes para proteger uns quantos insiders), haverá sempre um grande grupo que fica "a meio caminho de lado nenhum": o "precariado".


P.S. - Para não aparecer o discurso que em Portugal os mercados já são "desregulados" e que estamos "tomados pelo neo-liberalismo", o quadro seguinte, que correlaciona o nível de regulação no mercado de trabalho com o nível de regulação no mercados de diferentes mercadorias num conjunto de países da OCDE, deve desfazer as dúvidas. O quadro (clickar para aumentar) é retirado daqui.

domingo, 20 de maio de 2007

A blogofrase da semana

(atrasada)
Poesia: "Vou ser feliz e já volto!" é o slogan no outdoor da sex shop Afrodite 100%.

Por Franciso Frazão, na Fábrica Sombria

Indicadores de conforto




















Surpresa desta manhã, antes de entrar num duche de água quente: há mais lares portugueses com televisão do que com esquentador a gás. São os nossos indicadores de conforto, segundo o Público de hoje.
_____
Imagem: Edgar Degas, "Bain du matin", 1883. Pastel sobre papel. Art Institute of Chicago.

sábado, 19 de maio de 2007

Vida privada

Cartoon de GoRRo (c) 2007

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Analisar os números do desemprego numa perspectiva comparada, se faz favor

Os números do desemprego vindos hoje a público reforçam ainda mais a importância e urgência daquilo que disse aqui. Estamos perante uma situação em que a retoma no crescimento não se traduz numa retoma no emprego. Em contexto de aperto orçamental, não há grande margem de manobra para políticas de fundo. Mas mais importantes que as políticas no momento dado, são as instituições que as suportam. Convém não esquecer que a explosão do desemprego desde 2001 em Portugal não faz mais do que alinhar, ou melhor, aproximar Portugal com os números do desemprego dos países mediterrânicos, em particular Espanha, Itália e Grécia, e, claro, alguns países continentais. Ou seja, Portugal estava "mal habituado" a ter taxas de desemprego próximas do nível dos páises nórdicos, com uma diferença: o equilíbrio destes assenta em instituições e níveis de qualificações e salariais muito diferentes dos nossos. O que acontece é que simplesmente o nosso low skill equilibrium deixou de sustentar o crescimento e o baixo desemprego que tivemos, grosso modo, durante o mandato de António Guterres. Esse modelo de crescimento estava, numa Europa em alargamento e num mundo em globalização, obviamente, condenado a morrer. Não era sustentável, porque os eslovacos, checos e companhia são bem mais qualificados e cobram bem menos que os nossos trabalhadores - para não falar em deslocalizações para fora da Europa. Portanto, se olharmos para o panorama geral numa perspectiva comparada, eu pergunto como é que não atingimos estes números de desemprego mais cedo, e até onde eles podem subir - porque podem subir mais, como subiram na Espanha dos anos 80 e 90 até ultrapassar os 20%, sem nunca voltar a baixar dos 10%. Até há uns anos atrás, Portugal tinha sido uma excepção, mas uma excepção pelos motivos errados - por podermos fazer de segundo-mundo interno à UE. Agora os países de Leste substituíram-nos nesse papel. A herança comunista deixou-lhes forças de trabalho altamente qualificadas e desigualdades baixas. A nossa herança salazarista deixou-nos uma força de trabalho com baixas qualificações e uma sociedade altamente desigual: coisa que 30 anos de democracia não conseguiram alterar de forma profunda.

Os próximos anos não vão ser fáceis e, se não estou enganado, as dinâmicas macroeconómicas vão pressionar uma mudança interna no PSD em direcção a um programa neo-liberal. Nas próximas eleições, vão-nos prometer querer transformar Portugal na "Irlanda do Mediterrâneo" ou coisa do género. Não acho que, eleitoralmente, tenham muita sorte. Mas a questão, para o país, não é essa. É o que o PS pode e deve fazer enquanto estiver no poder - independentemente do que o PSD defender.

P.S.: Publicado também aqui.

Assinaturas

A primeira morada descobri-a ontem, meio por acaso, num blog. Hoje está no ipsilon, certamente por ironia (como estaria em qualquer outro jornal nacional): http://bookcriticscircle.blogspot.com/2007/04/how-to-get-involved-in-saving-book.html
A outra já passou na nossa TV mas não dei por nenhum link para ela, como é norma no nosso escasso activismo, por isso fica aqui.

As escolas de Lisboa


Depois do Peão ter sido precursor no debate de ideias e propostas por Lisboa, entendo que deveríamos reatar a discussão. Neste sentido, gostaria de falar sobre as escolas de Lisboa. Não sei ao certo o número de escolas de 1º ciclo (públicas e privadas) que existem na cidade, mas serão de certeza umas largas dezenas. Muitas, sobretudo as que se localizam no centro, estão instaladas em prédios antigos que para além de se encontrarem muito degradados não dispõem do mínimo de condições de segurança. É uma calamidade! As portas não fecham, os vidros das janelas estão partidos e não abrem. Como é possível imaginar uma escola onde as janelas não abram! As crianças sobem, descem e tropeçam constantemente em degraus periclitantes, os soalhos de madeira são instáveis e os tectos caem aos bocados, a humidade irrompe desses buracos… Em termos de material pedagógico e desportivo, a situação é indescritível! Penso que este tema deveria ser uma das prioridades da governação da cidade. É necessário inventar um programa especial direccionado para o parque escolar. Fazer um inventário das escolas e determinar quais as que deverão ser melhoradas e quais poderiam encerrar. Há escolas isoladas perdidas em bairros cujos edifícios já não têm salvação. Mas há outras que dão vida ao bairro.
Este programa deveria contemplar, pelo menos, duas valências. Uma direccionada para as escolas instaladas em edifícios que são propriedade da Câmara. E outra que passaria pelo apoio financeiro das obras aos senhorios particulares dos prédios que albergam, principalmente, escolas privadas. Aliás, estes últimos deveriam ser compelidos a cumprir o programa. Caso contrário, teriam de sofrer as consequências que, em meu entender, poderiam ir até à expropriação. Um município que trata mal as suas escolas, não é um município digno. E Lisboa merece ser uma cidade digna.
nb: Desenho retirado daqui.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

A outra via

Neste post fiz alusão à necessidade da esquerda assumir algumas propostas que nos tempos que correm possam conter algum significado radical. Este não advém do carácter intrinsecamente extremado que certas opções polítias possam conter, mas do facto, como bem demonstra este post do Hugo, de actualmente o centro político estar relativamente descentrado para o lado da direita. Na verdade, algumas das ideias que vêem deste lado acabam por se generalizar, apesar de em si representarem tremendas mudanças na sociedade. Por exemplo, a ideia da circulação dos fluxos de capitais ser auto-regulada somente pelos mercados, naturalizou-se na opinião pública. A multiplicação exponencial de mais-valias, resultante dessa circulação, imune a qualquer espécie de tributação é, de certa forma, um facto consumado e inevitável. “É assim a economia global, não há nada a fazer”…
Perante este estado de espírito, qualquer projecto vindo da esquerda que proponha a tributação das mais-valias é visto como radical. Contudo, do ponto de vista meramente racional, a coexistência de um sistema que não tributa os brutais lucros gerados, nomeadamente por actividades meramente especulativas, com um outro que tributa fortemente os rendimentos gerados pelo trabalho, é uma aberração! No entanto, ela não causa estranheza porque, em certa medida, parte considerável da esquerda se acanhou e ao fazê-lo legitimou a sua naturalização. Lembremo-nos o que aconteceu em Portugal, em pleno consulado ‘guterrista’, com o célebre projecto de lei de Sá Fernandes (irmão do actual candidato à CML).
Este exemplo parece-me claro relativamente à assunção de propostas que à partida são encaradas como radicais pelo tal eleitor mediano, mas que em termos programáticos poderão gerar consensos muitos mais alargados, desde que a esquerda as consiga naturalizar na consciência dos indivíduos e na opinião pública. Em última instância trata-se de facto de um programa de consciencialização.

François Fillon

O blogue do mais que provável próximo primeiro-ministro de Sarkozy.

Política nacional para uma cidade-estado

A candidatura de António Costa à CML é sinal de que o PS se vai empenhar naquilo que é a sua obrigação: vencer a CML com maioria absoluta. Tal como no país em 2005, o estado das finanças e o comportamento dos outros partidos recomendam isso mesmo. Pena é que tenha de se prejudicar o governo, e por arrasto o Tribunal Constitucional. Quanto a António Costa, que deixa o governo pela CML como em 2005 deixou o Parlamento Europeu pelo governo, se já era o mais provável próximo secretário-geral do PS, agora ainda o é mais. Por aí, nada de novo.
O resto não é animador. Roseta ainda nem sabe se consegue ser candidata e já se queixa de tudo e de todos, o BE e o PCP já fazem guerra um ao outro para passar culpas da não coligação (que ninguém queria, verdadeiramente), é o previsto.
Já a eventual candidatura de Carmona seria no mínimo interessante…Pena não estar por Lisboa nesta altura.

Privatização da questão das desigualdades?*

Muito importante o artigo do João Rodrigues hoje no "Público": "A desigualdade salarial é um problema de todos".

Os artigos são pequenos e por isso é sempre difícil seleccionar o que é dito e o que é deixado de fora. Mas talvez valesse o pena o João Rodrigues ter lembrado (fica para outra ocasião) que foi precisamente por a questão das desigualdades ser um problema político e público na Europa pós-1945 que as assimetrias salariais e sociais foram mantidas a níveis historicamente baixos, e que isso em nada colidiu com níveis de crescimento impressionante nos "30 anos gloriosos". Mais: há bons motivos para pensar que eles foram catalizadores do crescimento, e - como o João Rodrigues bem alude, e a citação do Adam Smith no final é deliciosa - não é preciso construir nenhuma teoria muito sofisticada da "motivação no trabalho" para perceber como a questão de quem faz o quê e quanto recebe é central para a forma como os trabalhadores se empenham mais ou menos no que fazem. A produtividade depende em boa medida do consenso laboral e este, por sua vez, depende das percepções de justiça e legitimidade da distribuição de rendimentos e riscos. Os alemães e suecos não são mais produtivos do que os portugueses apenas porque são mais qualificados ou têm mais competências: é porque o ambiente laboral, cujas regras são devidamente definidas de forma partilhada por sindicatos e patronato, é de muito melhor qualidade. Já agora, se correlacionarmos o nível de desigualdades salariais nacionais com as taxas de crescimento mesmo nos últimos 30 anos - já não os "gloriosos", mas os "dolorosos" -, o mais provável é que não obtenhamos nenhuma correlação particular, porque a dispersão de performances nacionais é assinalável e a variação ao longo do tempo também (o modelo americano, elogiado por todos, era dado como defunto há 15 anos, quando era comparado com o Japão, entretanto caído em desgraça; entretanto, a Europa social-democrata - ainda que não tanto a continental nem mediterrânica -, tem-se portado muito bem e mostrado as vantagens comparativas de regimes de produção e bem-estar que permitem um rápido crescimento económico e uma manutenção das desigualdades a níveis baixos, a apesar de estas terem subido um pouco no último quarto de século).

Para mais, a questão a que o João Rodrigues alude no iníco do texto e que se prende com as chorudas compensações que está na moda os gestores do sector privado receberem é daquelas que prova que os salários são boa medida fixados por decisões políticas e não simplesmente pela "produtividade" ou pelo "mercado". Em muitos casos, eu pergunto se essas "decisões" - aqui a mão é bem "visível" - não pertencem ao domínio da cleptocracia. É que o mais comum é essas compensações bilionárias não estarem indexadas a nenhum critério de sucesso empresarial; pelo contrário, elas ocorrem muitas vezes no seguimento desses profissionais terem tido péssimos desempenhos e arrastado as empresas com eles para o fundo. Claro, quem paga são os restantes trabalhadores (e, já agora, os accionistas) e, no limite - porque o trabalhador é cidadão, cônjuge, mãe/pai, etc., fora do perímetro da empresa -, todos nós. E se há socialização dos males, então tem de haver socialização dos bens. E socialização significa politização.

*Publicado também aqui.

A ler

...no "Público" de hoje o texto do Rui Tavares sobre Lisboa, com propostas concretas e interessantes para a futura política municipal.

La Démocratie du Sandwich

Nota prévia: este post provavelmente é compreensível apenas para os padeçam ou tenham padecido de uma patologia denominada Seinfeldependência, ou requer no mínimo que estejam familiarizados com esse síndrome.
A Boulangerie Moderne (16 rue des Fossés de Saint Jacques, 5émé arrondissement, na realidade é na place de l'Estrapade) é uma padaria em Paris, que se dedica principalmente a vender sanduíches ao almoço. Escrevo este post porque a Boulangerie Moderne é verdeiramente o oposto do The Soup Nazi. Sendo rigoroso, em Sein-Language é a versão Bizarro World do Soup Nazi (mais sobre o Bizarro World aqui).
No Soup Nazi (também tem direito a uma entrada na Wikipedia) para que o serviço se faça de forma ordeira e eficaz o Chef estabelece uma série de regras draconianas a que os clientes têm de se submeter: respeitar a fila, fazer a encomenda de forma expedicta quando chega a sua vez, avançar para a caixa depois de fazer a encomenda, ter o dinheiro pronto etc... Quem não respeita estas regras é severamente punido. Na Boulangerie Moderne é totalmente o oposto. Não são excelentes sopas que se vendem, são magníficas sanuíches (e.g. Sicilian Poulet). As regras de conduta para um serviço ordeiro e eficaz não são ditadas pelo Chef antipático e autoritário, logo à partido porque não há um Chef antipático e autoritário mas três simpatissímas senhoras a atender os clientes. As regras de conduta existem mas não estão escritas em lado nenhum, é um código ético tacitamente aceite pelos clientes (quase todos habitués): 1) entra-se pela porta à direita, ou faz-se fila no exterior se for caso disso; 2) mais ou menos depois de se ter passado um metro da porta virá uma das senhoras solicitamente perguntar ao cliente o que deseja, é nesse momento deve ser feita a encomenda; 3) o pagamento é feito logo após a ecomenda; 4) caso seja necessário esperar que a sanduíche seja aquecida, o que é quase sempre o caso, e é neste ponto que podem ocorrer mais perturbações à ordem pública devido à escassez de espaço (a padaria é sobre o comprido, basicamente um corredor estreitinho de uma porta à outra), há um mini balcão do lado da janela, mais parece um parapeito, ao qual o cliente se deve encostar enquanto espera que a sua sandes esteja pronta, se o balcão estiver completamente ocupado a solução de recurso é encontrar um cantinho na esquina junto à caixa; 5) uma vez servido o cliente deve sair o mais rapidamente e graciosamente possível, sem pisar os demais clientes.

Nunca ninguém foi punido por desrespeitar estas regras. Muito menos as simpáticas senhoras ao balcão alguma vez fizeram reparos quanto à conduta dos clientes. O mais que pode acontecer é a quem entra pela porta da esquerda não ser servido porque a sua vez nunca chega. Não que isso seja intencional mas por uma simples falta de referencial (é o que se chama a coacção passiva). Claro que por exemplo uns jovens turistas alemães, que não estejam familiarizados com o código de conduta, terão tendência a colocar um sem-número de questões antes fazer a sua encomenda, e colocar-se no meio do corredor enquanto esperam pelas suas sanduíches, impedindo o normal fluxo dos demais utentes do serviço. A prática corrente neste tipo de situações é a da mais pura tolerância, espera-se pacientemente que os prevaricadores abandonem o local, depois de servidos, para que a vida regresse à normalidade. Há também uma prática instituida de tolerância relativamente aos compradores-de-baguetes-à-hora-de-almoço, considera-se razoável que passem à frente de toda a gente na fila e saiam rapidamente, por vezes tolera-se até que entrem pela porta da esquerda. No final de contas chega-se à conclusão que na versão Bizarro World do Soup Nazi a coisa funciona também de forma ordeira e eficaz, a qualidade do serviço e do produto são excelentes, e porventura a experiência é mais agradável (bizzarre...).

P.S. - Depois de escrever isto assalta-me uma dúvida: o título do post não deveria ser antes "L'Anarchie de la Sandwich"?

É a anti-política, estúpido!

Sarkozy promete unir a França e romper com o passado
(...)
"Estou convicto de que no serviço a França há apenas um campo — o da boa vontade daqueles que amam o seu país".

Para quem quer "romper com o passado", nada como dar continuidade à retórica tipicamente a-política do gaullismo. Lá vamos ver essa entidade mítica que é a "França" - sendo que, para recordar as palavras do André Belo há mais de um ano, por alturas dos protestos em torno do CPE: "A 'França' não existe. É uma fantasia simétrica dos nacionalistas franceses e dos francófobos." - manipulada para isto e para aquilo, em particular quando alguém criticar qualquer reforma "urgente" de Sarkozy (e claro, já sabemos que um estrangeiro que não "amar" a França tem de sair: que liberalismo é este, com tamanho desprezo pela simples ideia de "indivíduo"? - que é, convém lembrar, o seu princípio primeiro).
E vamos ver o regresso da (anti-)"política da ordem" e da "autoridade". Resta saber se ela é possível da mesma forma hoje, 40 anos depois do Maio de 68. E saber se e como vão continuar os protestos pelo país fora. Se eles passarem o limite da violência, então Sarkozy pode sorrir, porque é isto mesmo que ele quer: não apenas falar de "ordem" e "autoridade", mas mostrar que está disposto a fazer o necessário para garanti-las na prática.

O mais angustiante disto é, para quem conhece um pouco a história do país, como tudo cheira a dejà vu.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Em semana de despedidas...











...confesso que vou ter mais saudades do grande "working-class hero" que foi Robbie Fowler ao serviço do Liverpool do que esse "rei republicano" que foi Jacques Chirac.

Sinais dos tempos


*imagem retirada daqui.

Novas oportunidades para os altos cargos

Depois de uma polémica campanha em torno das novas oportunidades que valorizava a necessidade perene de qualificação dos portugueses, o governo pretende que o acesso às carreiras mais altas da função pública deixe de exigir licenciatura aos candidatos. Esta é uma das novidades do novo regime de vínculos, carreiras e remunerações que se encontra em fase final de negociação. Este é, quanto a mim, um bom exemplo da tal falta de visão estratégica para o país. Não se compreende como é que para os cargos mais importantes da administração pública se iliba os funcionários de possuírem uma qualificação superior. A justificação prende-se com a valorização da experiência profissional que nem sempre está associada à obtenção de um diploma. Mas, pergunto, para a entrada num destes cargos o mínimo que se deveria exigir aos candidatos não seria deterem simultaneamente a posse de uma licenciatura e de experiência profissional? Qual é afinal a mensagem que o governo quer transmitir: se queres deixar de ser sapateiro tira um curso, mas se quiseres chegar a alto dirigente basta-te a experiência profissional?

O meu gráfico preferido do momento


Depois volto a isto* com mais calma para explicar o que está aqui em causa, e por que é que os países que desenvolveram robustos sistemas de educação-formação (ou seja, níveis de ensino anteriores e/ou paralelos ao ensino universitário) são aqueles onde as desigualdades económicas são mais baixas. Portugal não está neste quadro, mas se estivesse, a sua posição não seria muito diferente da dos EUA (estaria, creio, apenas um bocado mais para a direita).
O quadro é retirado deste excelente livro: Capitalism, Democracy, and Welfare, de Torben Iversen (Cambridge University Press, 2005, p.19)
P-S. - Alternativamente, podem passar pelo Véu de Ignorância 2, onde vou abordando estas temáticas de forma mais aprofundada.

terça-feira, 15 de maio de 2007

Previsão: ondas de calor

David Hockney - A bigger splash, 1967.

Porque a esquerda francesa não se pode pôr com "radicalismos" insensatos

Yves Surel (obrigado Victor pela referência ao blogue), cientista político, explica exemplarmente porquê:

«L'électeur médian est une notion classique de la science politique, qui repose sur l'idée d'une figuration abstraite de l'électorat en un spectre plus ou moins large partagé par un électeur fictif, placé au centre du système. Dans un scrutin majoritaire, pour gagner, il faut donc avoir la capacité à inclure l'électeur médian dans son équation électorale, puisque c'est lui qui fait basculer la majorité. Le plus souvent, l'électeur médian est considéré comme centriste. Mais le centre "idéologique" n'est pas nécessairement le centre "géométrique". Si un électorat partage majoritairement des idées conservatrices, l'électeur médian est à droite du spectre électoral. C'est là que se situent l'analyse et le pari communs à George Bush et Nicolas Sarkozy. Lorsqu'il a été réélu en 2004, Bush a proposé un programme très conservateur, avec des accents tellement radicaux (notamment sur les questions de sécurité et de mœurs), que la plupart des analystes prédisaient une victoire de Kerry, dont l'offre électorale paraissait plus raisonnable et plus centriste. Or, si la stratégie alors déployée s'est avérée payante, c'est parce qu'à cet instant précis, l'opinion publique américaine partageait majoritairement des valeurs néo-conservatrices et/ou se sentait plutôt disposée à entendre cet appel. Même pari réussi chez Sarkozy avec l'idée qu'une offre radicale en apparence rencontrait en fin de compte les sentiments diffus de rénovation, d'ordre et de sécurité partagés par la majorité des Français. L'électeur médian étant idéologiquement à droite, disposer d'une majorité supposait donc de fournir une offre adaptée, ce que Ségolène Royal avait également compris.»

O pós-socrático

A candidatura de António Costa é uma candidatura inteligente. Por vários motivos, se ganhar Lisboa dá a Sócrates um bom fôlego para repetir nas próximas legislativas a maioria absoluta. Por outro lado, ao sair do governo no início do ciclo pós-estado-de-graça, António Costa posiciona-se como reserva imbatível para futuro líder do PS. Mas para lá chegar terá de fazer obra em Lisboa e ter a astúcia necessária para constituir alianças pós-eleitoriais entre as várias candidaturas da esquerda. Se conseguir criar essa plataforma poderá capitalizá-la para o eventual cenário nacional, no qual o PS pós-Sócrates dificilmente conseguirá a terceira maioria absoluta.

Assinar um gesto cívico por Lisboa

Lisboa merece que todas as candidaturas de qualidade, que venham discutir a cidade, tenham ideias para melhorar a vida dos cidadãos e se comprometam com uma gestão transparente, rigorosa e eficiente da Autarquia possam apresentar-se às próximas eleições intercalares. Todas fazem falta.
Tendo em conta que as eleições foram marcadas por entendimento dos partidos para o próximo dia 1 de Julho, a candidatura encabeçada por Helena Roseta precisa de recolher até ao final desta semana 4.000 (quatro mil) assinaturas de eleitores recenseados na capital. Acho que os cidadãos de Lisboa devem viabilizar esta candidatura, independentemente do nosso sentido de voto no dia das eleições. Quem ama a cidade e a democracia representativa e participativa reconhece que temos todos a ganhar se a lista do movimento Cidadãos por Lisboa entrar nesta disputa eleitoral. Haverá um debate vivo, aberto e plural com candidatos de alto nível (considero que à esquerda todos o são) e mais espaço para a intervenção cívica e imaginativa de cidadãos independentes.
Proponho-vos acção em consciência: Imprimam a declaração de propositura, preencham-na e entreguem-na na sede da candidatura dos Cidadãos por Lisboa, Rua das Portas de Santo Antão, 84-90 (ao lado do Coliseu dos Recreios) das 9.30 às 18.30H. Façam-no rapidamente. Não há tempo a perder!


Blogues franceses (continua)

Aos links que o Hugo já publicou no Peão, acrescento o blog de Yves Surel, professor de ciência política, conhecido pelos seus trabalhos sobre as políticas públicas.

Para quem duvidava da utilidade da sociologia...

...Aí tem a sociologia das sex-shops! O blogue de Baptiste Coulmont, autor de Sex-shops, une histoire française, é este.

A ler

Esta posta de Jean-Louis Fabiani, "Penser à gauche".

Entre a montanha dinâmica e o chão com buracos

Cartoon de GoRRo (c) 2007

Eis um cartoon de homenagem a uma anterior campanha turístico-publicitária e ao sentido implícito do modelo que se anda a promover lá no Sul.
Já a última iniciativa oficial, de relançamento do turismo de montanha e incluindo a recuperação de estruturas abandonadas na Serra da Estrela, esperemos que dê certo, que salvaguarde um desenvolvimento sustentado e que não seja só para clientes de hotéis de luxo. O facto de ser um Plano Integrado e do Estado só arcar com 20% dos 100 milhões de euros referidos são 2 factores positivos.
Foi ainda pré-anunciado que se anunciará em Junho uma Rota das Judiarias, ocorrendo nessa altura o lançamento da 1.ª pedra do Centro de Interpretação Judaico (em Trancoso) e a divulgação do Memorial da Vida (em Almeida e na Guarda), este perpetuando "a entrada em Portugal, por via ferroviária, de 30 mil pessoas salvas do extermínio nazi pelo cônsul em Bordéus Aristides de Sousa Mendes".
A ver vamos.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Até onde vai o preconceito?

Uma expressão que me desagrada profundamente é a "conversa de surdos". No senso comum "conversa de surdos" refere-se a uma conversa entre pessoas que em geral se ouvem sem problemas mas têm uma manifesta incapacidade (ou falta de vontade) em compreenderem-se mutuamente. Ou seja, usa-se o surdo como imagem de quem não tendo problemas auditivos tem uma limitação intelectual no que respeita à compreensão. Basta conversar com um surdo, digamos 30 segundo (vá, um minuto) para perceber que com os surdos se passa exactamente o contrário da imagem que a "conversa de surdos" pretende retratar. 30 segundos chegam para demonstrar que mesmo incapacitados de ouvir os surdos têm uma (notável) capacidade de compreender quem com eles fala.

Cenas finais do fantaslisboa

Cartoon de GoRRo (c) 2007
Frase inspiradora: "vi-me transformado de bestial em besta" (Carmona Rodrigues dixit)

Será que a nossa fé na Humanidade depende...

... do sentido em que lemos o jornal? Hoje, se começarmos o Público pelo fim (ainda herança da antiga «morada» do Calvin), deparamo-nos com o terrível destino da rapariga curda apedrejada até à morte (Mundo, p.19), o que seguramente, nos fará descrer da possibilidade de uma séria mudança de mentalidade além-Bósforo; com este espírito, prosseguimos a leitura até à notícia de mais uma maifestação na Turquia a defender o secularismo (Mundo, p.16), momento em que voltamos a acreditar em todas as possiblidades. Claro, que para quem tiver lido o jornal do início, o percurso terá sido o inverso: da confiança para a descrença.
Resta saber qual das notícias terá mais força. O Público escolheu para capa a da descrença.
P.S. - Porque será que continuo a achar que o conceito de «honra» tem sempre, em si, qualquer coisa de arrepiante?