segunda-feira, 7 de maio de 2007

Boa pergunta; e agora?

Nota prévia: Este post começou a ser escrito com a ideia de ir para a caixa de comentários a este outro post do Hugo, mas no fim resolvi postá-lo aqui mesmo.

A contestação não pode ter a culpa de tudo, e muito menos da derrota de Ségolène. Até porque na minha opinião não foi uma derrota da esquerda foi uma vitória da direita.
Vale a pena lembrar, Hugo, que há contestação para além dos sindicatos. Tomemos o exemplo da investigação, nos últmos 2-3 houve uma imensa contestação às politicas de cortes orçamentais na investigação. Quando os investigadoes estavam nas ruas a direita teve uma forte derrota eleitoral, nas regionais, e o governo de Raffarin caiu, em parte devido à impopularidade do governo por causa da investigação. Dessa contestação nas rua nasceu um colectivo, o Sauvons la Recherche que fez os seus estados gerais e tem tentado contribuir com propostas concretas para a politica de investigação. Elaboraram inúmeros documentos nesse sentido, incluindo propostas de reformas profundas do sistema de investigação francês. Foi esse movimento também que conseguiu pôr um travão aos cortes orçamentais na investigação desejados pelo governo da direita. A Ségolène aproveitou, e bem, o investimento na investigação e no conhecimento para o seu projecto eleitoral, e teve o apoio à segunda volta do "Sauvons la Recherche". Foi um movimento de contestação que deu bons frutos e que trouxe força à esquerda, e particularmente a Ségolène Royal.
Outro exemplo, o CPE, foi um movimento ao qual os sindicatos e a esquerda se associaram, mas foram levados a reboque pelos estudantes. Foi um movimento dinamizado pelos estudantes e que levou a uma grande mobilização, levou à retirada do dito CPE, e quase à queda do governo. Pôs o problema da precaridade no centro do debate político (com os problema que isso possa trazer, mas não é essa a questão), foi um factor de descridibilização da direita e de mobilização da esquerda.
Já comentei há pouco tempo os tumúltos das banlieues, que apesar de serem apenas (e infelizmente) acções violentas avulsas, foram um movimento de contestação que pôs o problema da integração também no centro do debate político. Sem estes movimentos de contestação a esquerda teria aparecido muito enfraquecida nestas eleições, e o resultado teria sido pior.

Como explicar então a vitória da direita? Ségolène Royal fez, na minha opinião, o melhor que um candidato de esquerda poderia ter feito. Teve a melhor conjuntura possível à segunda volta, o apoio implícito de Bayrou, o apoio explícito de toda a esquerda à esquerda do PSF, e o apelo de Le Pen à abstensão. Fez ainda, na minha opinião um bom debate no frente-a-frente televisivo com Sarkozy. Ainda assim Sarkozy ganhou com 53%. A campanha eleitoral foi esclarecedora, ficou bem claro para todos quais eram as duas alternativas, os dois projectos presentes à segunda volta. A taxa de participação foi elevadíssima à primeira como à segunda volta. Para mim só há uma explicação possível: Sarkozy ganhou porque a maioria dos franceses são de direita, ponto-final. A maioria dos franceses não quer políticas sociais, a maioria dos franceses não quer mais integração, a maioria dos franceses gosta de personagens como De Gaulle e Napoleão, a maioria dos franceses gosta de um discruso securitário e de repressão poicial, a maioria dos franceses não gosta de imigração, provavelmente com uma dose de chauvinismo e xenofobia q.b. pelo meio, a maioria dos franceses não vê a educação e o conhecimento como prioridades. A escolha pela via da confrontação e da instabilidade social (que aliás já começou, foram precisas apenas duas horas), foi uma escolha democrática, feita por um eleitorado maioritariamente de direita. E isto não é por culpa da contestação à esquerda, pelo contrário. Repare-se que os números da vitória de Sarkozy são muito semelhantes aos da vitória de Chirac em 1995, que em 2002 a direita foi à segunda volta com a extrema direita, que na V Républica o único presidente de esquerda (se esquerda se lhe pode chamar) foi François Mitterand. A única maneira da esquerda ganhar em França hoje em dia é deixar de ser esquerda (o que não seria uma vitória da esquerda), não há Blairismo que nos safe.

E quanto ao descaramento de Strauss-Khan, a quem se junta Laurent Fabius, dizer descaramento é dizer pouco. Não só não estão bem posicionados para falar em renovação, são homens - diz-se por aqui Elefantes - do aparelho do partido de há muitos anos, como foram derrotados de forma clara dentro do próprio PSF à partida para estas presidencias, por eleições directas. Pior ainda, vir puxar o tapete a Ségolène Royal na própria noite das eleições em directo na televisão, para além de revelar falta de carácter, dá desde já um importante contributo à derrota eleitoral do PSF nas eleições legislativas do mês que vem. Se qualquer um dos dois tivesse sido candidato do PS às presidencias provavelmente teriamos tido François Bayrou contra Sarkozy na segunda volta. O primeiro passo para a renovação é pôr os Elefantes na gaveta.

16 comments:

Renato Carmo disse...

"a maioria dos franceses não gosta de imigração, provavelmente com uma dose de chauvinismo e xenofobia q.b. pelo meio"

Como é que explicas que muitos imigrantes tenham votado nesse discurso. Parece-me que nesta questão a esquerda demonstrou uma incapacidade tremenda em propôr uma política alternativa de imigração. É cada vez mais uma das questões centrais da sociedade francesa, para a qual Sarkozy apresentou uma via: o autoritarismo interno e de fechamento de fronteiras. Face a esta a esquerda pouco mais fez do que debitar algumas hipóteses retóricas.

L. Rodrigues disse...

Tenho para mim que a direita tem mais facilidade em ganhar eleições, por defeito. É uma coisa que tentarei explorar num próximo post do meu próprio blog, mas tem que ver com a prevalência de aspectos emocionais e inconscientes nos processos de decisão.

Só assim se explica que tanta gente vote contra o seu próprio interesse.

A esquerda só consegue bater isso quando a direita já hostilizou demasiados sectores da sociedade.
Os terrorismos emigrações e globalizações vieram dar ainda mais armas emocionais à direita, e dificultar o trabalho da esquerda.

Isto claro nao é toda a questão mas suspeito de que terá a sua importância.

Hugo Mendes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Hugo Mendes disse...

ZÈd, eu não acho que as coisas sejam assim tão simples. Se as pessoas votam mais vezes à direita, não acho que ajude muito dizermos que a maioria é de direita, ponto final. É que a questão fulcral que é preciso perceber é: "porquê?". Nos outros países as maiorias vão e voltam e há ciclos políticos marcados por alternância. Não acho que os franceses sejam mais 'isto' ou 'aquilo', assim, como que por natureza; as suas opções políticas são antes o fruto da sua história e da configuração das instituições.
Por exemplo, já referi aqui a questão da configuração das instituições do mercado de trabalho e de como as pessoas estão afastadas do sindicalismo. A correlação em todos os países da Europa entre o a taxa de sindicalização e o voto à esquerda é fortíssima - em França a correlação está lá, simplesmente aponta no sentido inverso.
Depois há coisas que não são assim como dizes. Por exemplo, que "A maioria dos franceses não quer políticas sociais". Se assim fosse, a França não seria dos países que mais gasta em % do PIB em transferências sociais. Quanto aos outros elementos que referes preciso de dados para falar com segurança (por exemplo, não acredito que possamos dizer que não olham a educação e o conhecimento como prioridades: a questão do movimento "Sauvons la Recherche", dos seus motivos e efeitos fica para outra ocasião, acho que é preciso não sobreinterpretar certos indicadores).
É óbvio aqui a esquerda tem, historicamente culpa, e quando digo esquerda não digo a Segolene, que, aí creio que há consenso, fez uma boa campanha e obteve o resultado possível. O problema vem de trás, muito de trás, e de como a esquerda é vista por muita gente como tendo ficado parada no tempo.

Depois há coisas que eu acho que funcionam ao contrário do que afirmas. Por exemplo, tu achas que a violência nos banlieues foi positiva para para uma mobilização à esquerda. Eu não apenas duvido que tenha havido grande mobilização, como estou certo que esse tipo de tumultos continuados apenas tem como efeito assustar a população. Não é por acaso que nos banlieues o Sarkozy ganhou em quase toda a linha. Nesses casos, no momento de votar, fala o medo das pessoas e o desejo de ordem e autoridade. Mais: se os desacatos de ontem continuarem, isso não significará nada de bom para ninguém (não é seguramente a vitória de uma constestação ao Sarkozy); apenas vai dar razão ao seu discurso autoritário e oportunidade para justificar a sua tolerância zero.

Hugo Mendes disse...

E depois há temas nos quais é mais fácil ter uma posição à direita do que à esquerda. O caso da imigração, que o Renato bem salientou, é um deles. E a esquerda não teve uma posição clara quase de certeza porque nas sondagens que o PS dispunha terá percebido que não valia a pena apontar para grandes soluções 'progressistas' nesta matéria, porque isso afastaria o "votante médio". A única coisa a fazer era dizer 'nim' à retórica cristalina do Sarkozy, que respondia aos anseios de uma - provavelmente - larga maioria do eleitorado.

Anónimo disse...

Ponho aqui um link de um psicanalista francês que analiza o discurso de Sarkozy:
http://www.dailymotion.com/video/x1vfyt_gerard-miller-analyse-sarkozy

L. Rodrigues disse...

Ah, e há muito socialista, ou simpatizante de centro esquerda, que não o admite publicamente mas que não terá votado em Royal por ser mulher, pelo que leio por aí...

Hugo Mendes disse...

Caro L. Rodrigues, é verdade, convém não substimar essa variável, sem dúvida!

Zèd disse...

Renato,
Um discurso mais "à esquerda" de Ségolène Royal em matéria de imigração porvavelmente não lhe teria dado mais votos, pelo contràrio. Podemos não estar de acordo com ela, mas isso é outra questão. Porque é que hà franceses oriundos da imigração que votam Sarkozy? Porque jà se sentem franceses de pleno direito, e revêm-se no seu discurso. Jà estão no estado de espirito que imigrantes são os outros.

Zèd disse...

Hugo,
Claro que hà ciclos politicos e que pode haver alternância, mas hà um pano de fundo. Na minha opinião em França esse pano de fundo não é propriamente 50-50, mesmo com cilos e alternâncias a situação tenderà a favorecer mais a direita do que a esquerda. A esquerda pode chegar ao poder, mas globalmente teremos (quer dizer, tivemos, e vamos ter nos proximos tempos) mais governos de direita do que de esquerda. Importa perceber porquê, claro que importa. Mas o que eu quero dizer é que nem tudo é circunstancial, hà uma realidade sociologica, que é uma questão de valores, que é favoràvel à direita.

"Não é por acaso que nos banlieues o Sarkozy ganhou em quase toda a linha."
Nos departamentos mais complicados Ségolène ganhou; Seine-St. Denis (onde fica Clichy-sous-Bois) 56,54%, em Val-de-Marne teve 50,2%. E nos departamentos de Yvelines, Val d'Oise e Hauts-de-Seine teve um score idêntico ao nacional, não foi mais vitoria do que no resto do pais. Nas mesas de voto das cités propriamente ditas não sei os resultados da segunda volta mas à primeira chegou a ser 60% para Royal. Não concordo que tenha havido uma vitoria de Sarkozy em toda a linha.

Quanto ao facto de Ségolène Royal perder por ser mulher não estou certo que tenha sido muito relevante. Pode simplesmente funcionar como uma desculpa, quem não vota nela por ser mulher encontraria um outro pretexto para não votar num homem que fosse candidato. O facto é que Ségolène Royal teve um bom score na primeira volta, e ser mulher não o impediu.

Mas claro que hà mais factores a ter em conta, como por exemplo um tradição Jacobina de um franja da esquerda que prefere a figura autoritària de Sarkozy à postura dialogante de Royal. Hà inumeros pequenos factores que influenciam sempre qualquer coisa, não nego isso. Contudo globalmente acho que a maioria dos eleitores franceses defende valores de direita, e numa campanha em que a esquerda e a direita se apresentam fortes é a direita que tem vantagem.

Hugo Mendes disse...

Não há apenas banlieues em Paris...

As razões para o fraca epxressão eleitoral da esquerda já apresentei no meu post acima.

"numa campanha em que a esquerda e a direita se apresentam fortes é a direita que tem vantagem"

Eu não acho que a esquerda tenha tido uma campanha ou uma candidatura forte. Ségolène fez o que podia, mas eu não acho que era uma candidata forte"". Era provavelmente o melhor que o PSF arranjou, mas isso é porque os outros eram os ditos "elefantes", que teriam feito, como dizes, muito pior que ela. Os eleitores até podiam pressentir que havia nela vontade de mudança mas o problema era a coerencia e profundidade ideologica do seu projecto. Sarkozy tinha um. Blair, no centro-esquerda britânico, tinha um (gostemos ou não). Ségolène parecia patinar em muitas questões.
Aliás o problema é "eternamente" este: há muito tempo que o PSF não tem uma candidatura forte e coerente.

Hugo Mendes disse...

Renato, de qualquer forma, acho que não vale a pena ser muito duro com o PSF na questão das alternativas a uma política de imigração. É muito provável que, pura e simplesmente, elas não existissem e que a balança pendesse escandalosamente na direcção de Sarkozy.

Hugo Mendes disse...

De qualquer, Zèd, you have a point here: há qualquer coisa nas instituições francesas que promove o conservadorismo. Isto não significa que as pessoas sejam de 'direita'. Podem ser 'conservadoras de esquerda'. O PCF foi durante muito tempo apoiado por muitos que viam nos seus slogans e propostas medidas de protecção contra o arbitraridade do mercado. Quando PCF não pôde fazer jus às suas promessas e caiu na ratoeira que o PSF (e Mitterrand) lhe montou, em particular em 1981, muitos deles passaram-se não para outro qualquer partido à esquerda, mas deram força eleitoral a Le Pen. Portanto estas pessoas não eram nem de 'esquerda' nem de 'direita'; eram a favor de proteccionismo, tinham medo (legítimo ou não, não é o caso) e aversão ao risco, queriam conservar o seu estatuto. Nesse sentido, se me disseres que muitos franceses têm tendências conservadoras - e que o conservadorismo pode alimentar tendências autoritárias, seja de esquerda ou direita (consoante o mercado político do momento) -, entaõ concordo mais contigo. Mas aqui o que me interessa sempre mais é encontrar o(s) motivo(s) para tal disposição conservadora. E o papel do Estado ao longo da história na conservação dos estatutos 'acquis' tem muito que se lhe diga. Acho que tenho que dedicar um post a isto.

Zèd disse...

Talvez o conservadorismo seja uma parte importante do problema...

L. Rodrigues disse...

Sobre as têndencias autoritárias:

http://home.cc.umanitoba.ca/~altemey/

Esta obra versa sobre os RWA (right wing authoritarians) americanos mas o processo mental e social não lhes é exclusivo. Torna-se fácil perceber a migração de "working class authoritarians" do PCF para a FN.

Anónimo disse...

Sobre a direita ganhar mais facilmente "por defeito" (bem dito): quem já assistiu ao crescimento de uma criança viu que o instinto da propriedade se manifesta muito mais cedo que a ideia da partilha. Um é um instinto básico, talvez do cérebro réptil. A outra é uma elaboração, um resultado da observação do mundo e da reflexão. A direita apela ao réptil, o que aliás se relaciona com a sua tradicional aversão à educação, à informação, à análise