segunda-feira, 7 de maio de 2007

Alguns elementos sobre o sindicalismo e a esquerda em França

Os quadros seguintes tentar concretizar melhor aquilo que tenho andado a dizer nos últimos dias. O que a teoria e as correlações empíricas, a nível internacional, mostram é mais ou menos isto: quanto mais elevada a taxa de sindicalização (union density) e maior a concentração de sindicatos numa grande central sindical (que seja capaz de coordenar as reivindicações e funcionar como um grande bloco negocial perante o capital) (union encompassment), maior a força política eleitoral da esquerda.

Os dois primeiros quadros mostram como se posicionam 14 países da OCDE (incluindo, claro, a França) numa correlação entre o nível de encompassment e um índice de Labour power, construído a partir do número de anos em que partidos de esquerda detiveram o poder executivo e dos número de deputados na parlamentos/câmaras nacionais. O primeiro quadro contabiliza os dados entre os anos entre 1966 e 1973, e o segundo o dos anos entre 1985 e 1990.














Atenção aos valores da correlação: .86 no primeiro e .44 no segundo. Vejamos onde está a França no primeiro: no canto inferior esquerdo, o que não deixa margem para dúvidas. O que se passa entre 1985 e 1990 foge ao que a teoria prevê (e, sendo a excepção clara, contribui para que o valor da correlação baixe significativamente, apesar de haver um ligeiro aumento da dispersão dos outros países do primeiro para o segundo quadro), mas, la está, é uma excepção, tanto à teoria como a realidade francesa da V República: Mitterrand permitiu ao PSF chegar ao poder, mas o valor do encompassement index manteve-se inalterado. Isto não prenunciava nada de bom: e claro, em 1995 a direita voltou a ganhar.

O quadro seguinte confirma a negra realidade que a configuração das instituições do mercado de trabalho reservam à esquerda francesa. Os países estão hierarquizados em função dos valores estandardizados para os 4 indicadores em causa, em função da seguinte fórmula: "union density - a fatia do sector público sindicalizado + a taxa de trabalhadores sindicalizados agregados na maior central sindical - o número dos sindicatos afiliados nessa central sindical" (isto tem uma explicação, não interessa para o caso). Tanto para 1970 como 1990 a França vem em 14º e último lugar. Mas há mais más notícias. É que não só a França é o país com menos trabalhadores sindicalizados (22% em 1970 e 10% em 1990), como é o país onde é maior a percentagem dos trabalhadores sindicalizados pertence ao sector público (60% em 1970 e 51% em 1990). Isto é muito importate, não apenas porque vai de encontro à tendência em vigor na OCDE que mostra que quando a taxa de sindicalização desce, sobe a proporção do sector público (ver último quadro), mas, sobretudo, por aquilo que significa: sindicatos pequenos com um grande peso de trabalhadores afectos à função pública têm toda a probabilidade de serem extremamente agressivos e de não terem particular preocupação ou sensibilidade para com os trabalhadores do sector privado. O sindicalismo ameaça tornar-se um sindicalismo de função pública, onde os sindicatos sentem que podem "esticar a corda" e fazer "trinta-por-uma-linha", dado que esses trabalhadores não correm proriamente o risco de serem despedidos ou, no limite, colocar a "empresa" em risco sério - risco que, obviamente, existe no sector privado. Ou seja, temos um mercado de trabalho altamente dualizado, em que os sindicatos atendem às preocupações muito particulares de trabalhadores em situação protegida e esquecem as prioridades daqueles que mais fragilizados, por dependenrem directamente das dinâmicas do mercado, estão.

Perante esta configuração institucional do mercado de trabalho, não admira que os sindicatos franceses sejam pequenos e radicais, pouquíssimo representativos da população, e que a esquerda seja eleitoralmente fraca.

*Estes quadros são retirados deste livro.

5 comments:

Zèd disse...

Hugo,
Sem contradição do que disse nos comentàrios aos posts anteriores, estou inteiramente de acordo com a mensagem do post (muito bem fundamentada de resto, excelente post). Se a mensagem é a de que em França é preciso aumentar muito, mas muito mesmo os indices de sindicalização, e sobretudo no sector privado, e que isso é essencial para a refundação da esquerda em França, estou inteiramente de acordo, sem reservas.

Hugo Mendes disse...

Hmmmm, bom, o objectivo era fazer uma análise e diagnóstico do problema. Idealmente, sim, essa seria uma saída possível - e Ségolène disse-o várias vezes na campanha. O problema é que estas instituições são bastante "sticky", por algum motivo se arrantam por décadas e décadas, e é preciso um golpe de asa política para iniciar uma mudança efectiva.
E é difícil mudar porque o problema já está enraizado em diferentes lugares; a sobrerepresentação da função pública, a atitude de desconfiança e de guerrilha, por vezes, em relação ao patronato (que por sua vez não é nenhum anjinho, em particular nos sectores menos qualificados); a desconfiança massiva das pessoas em relação aos sindicatos (mesmo à esquerda), o que dificultaria qualquer adesão de massa, etc.. São muitos os ângulos do problema. Mas seria importante começar a atacá-los um a um, gradualmente. Mas para isso é preciso uma mentalidade nova. Nenhum dos "elefantes" o conseguiria, nenhum saberia como fazer.

Zèd disse...

Se bem que, podemos sempre tentar procurar as causas mais a montante. Por que razão os franceses não se sindicalizam? Ninguém os impede de se inscreverem num sindicato, se não o fazem é por opção. E não me parece que a influência do partido comunista no meio sindical seja a causa, parece-me muito mais uma consequência (natural) da deserção dos não-comunistas.
Cà para mim é porque os franceses são predominantemente de direita :-)

Hugo Mendes disse...

Um dos motivos é que os sindicatos não estão directamente envolvidos na gestão das instituições do mercado de trabalho. Só para dar um exemplo: em muitos países o facto de os sindicatos "distribuirem" o subsídio de desemprego - e as pessoas só o poderem receber se forem sindicalizadas - tem o duplo efeito de responsabilizar os sindicatos na gestão das instituções do mercado de trabalho e de obrigar a sindicalização dos trabalhadores.

Hugo Mendes disse...

Basicamente, a tua questão é, em linguagem mais abstracta: quais as condições que propiciam a cooperação entre actores em situações estruturais de baixa confiança e fracos incentivos para cooperar? Depois tenho de prestar mais atenção a isto num post decente.