O caso que o Nuno Teles relata no Ladrões de Bicicletas deixa-me francamente ambivalente. Não vou repetir os pormenores factuais que estão descritos no post do Nuno. O que me incomoda q.b. é o discurso de vitória dos trabalhadores - devidamente sancionado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia - protegidos pelo sindicato sueco contra os trabalhadores letões.
O argumento, claro, é o do "dumping" social: os letões ganham, isto é, cobram menos, substancialmente menos que os suecos. O Nuno acha que isto foi uma vitória do modelo sueco, do qual eu também sou adepto. Talvez o seja. Mas não vejo em lado nenhum preocupação pelo que aconteceu aos trabalhadores letões que perderam o contrato. Serão uma mera "externalidade"?
Pensemos de forma contrafactual por um instante e imaginemos que os letões ganharam o contrato. O que aconteceria aos trabalhadores suecos? Caso não tenham outros contratos em vista, cairiam na rede daquele que é um dos Estados sociais mais - senão o mais, tirando o Luxemburgo - generosos da Europa (ver quadro). Os trabalhadores letões, esses, ganhariam algum dinheiro e experiência. Para a "próxima", talvez os seus salários não fossem tão baixos e o tal "dumping", por parte dos investidores, não fosse tão atractivo, e outras coisas que não o preço da mão-de-obra pesassem mais na decisão (e como sabemos, as variáveis são múltiplas).
Voltemos à realidade: o que vai acontecer depois desta decisão? Os trabalhadores suecos talvez fiquem mais ricos. Os trabalhadores letões, esses, seguramente, não o vão ficar. E vão ficar, se não tiverem alternativas, entregues ao sistema nacional que menos gasta na protecção dos trabalhadores (ver quadro). E para a próxima, vão muito provavelmente ter de concorrer com base em valores mais baixos, agravando o "dumping". Porque não ficaram mais ricos depois desta decisão, maior é o incentivo para que aceitem, no futuro, condições mais adversas e salários mais baixos. Como facilmente se percebe, esta dinâmica arrisca-se a transformar em espiral - fazendo com que a luta contra o "dumping" por parte dos protegidos alimente, precisamente, no momento seguinte, a tentação do "dumping" por parte dos não-protegidos.
O Nuno diz que foram os trabalhadores "europeus" que ganharam. Bom, talvez, se partirmos do princípio que os letões não são europeus. E se partirmos do princípio que há outra saída para os trabalhadores letões enriquecerem que não passe por, provisoriamente, terem que aceitar salários que são bem mais baixos que os dos seus "camaradas" suecos. E se partirmos do princípio que é assim que se luta contra as desigualdades intra-europeias. E se partirmos do princípio que a esquerda deve defender os bem estabelecidos insiders contra os precários outsiders. E assim por diante.
Imaginem que isto se passava entre os trabalhadores suecos e portugueses - com estes no papel de letões. Deveríamos aplaudir a vitória dos trabalhadores suecos, mesmo que isso aumentasse o desemprego em Portugal? Daria certamente mais uma razão para protestar contra o Governo...
Esta "vitória" protege os trabalhadores mais ricos da Europa e mantém lá bem no fundo os mais pobres. Se isto é uma "vitória" da "esquerda europeia", tem de ser de Pirro. E, depois, um dia, não estranhem que os trabalhadores letões, se lhes perguntarem o significa para eles a "Europa social", eles respondam que é uma enorme hipocrisia.
P.S. - Primeiro publicado aqui.
sexta-feira, 25 de maio de 2007
As vitórias (?) dos trabalhadores "europeus"
Posted by Hugo Mendes at 13:04
Labels: dumping social, emprego, Letónia, modelo social europeu, protecção social, sindicalismo, Suécia
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2 comments:
A decisao, como bem o Nuno Teles referiu, vai contra a institucionalizacao da miséria alheia.
Nao se pode reduzir os direitos dos trabalhadores (i.e. os seus salários,...) simplesmente pela sua nacionalidade. Qualquer construcao europeia nesse sentido será sim ela causadora das dúvidas que referes, da hipocrisia da europa social.
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1295119
Contra a "institucionalizacao da miséria alheia"?
Mas afinal quem é a parte "alheia" aqui?
E quem são os mais "miseráveis": os suecos ou os letões?
E quem é mais prejudicado por esta decisão?
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