terça-feira, 8 de maio de 2007

Escrever a memória

Com a devida autorização do autor, nos próximos dias publico excertos de textos cuja versão integral se encontra na secção de crítica da revista Prelo, nº4 (INCM, 3ª série, Lisboa, Janeiro-Abril 2007). Uns aqui, outros no outro lado.
«Paulo Tunhas, O Essencial sobre Fernando Gil, INCM, Lisboa, 2007; José Augusto Seabra, Por uma Nova Renascença, INCM, 2006.
Toda uma geração central na história contemporânea de Portugal, nascida nas décadas 1920 e 1930, formada na década de 1945-1955 (sensivelmente) e desde então, mas sobretudo após 1974, à frente das instituições e cargos que efectivamente comandam as áreas decisivas do país, está, desde a década de 1990, a sair de cena. Entre os numerosos exemplos possíveis, José Augusto Seabra (1937-2004) e Fernando Gil (1937-2006) destacam-se pelo valor do seu trabalho, influência das respectivas obras e pelos percursos que tiveram na sociedade portuguesa desde a segunda metade do século passado. A edição póstuma de um conjunto de textos ainda preparado em vida por J. A. Seabra e a primeira obra dedicada ao pensamento de Fernando Gil, por Paulo Tunhas, merecem por isso uma nota conjunta, desde logo pelas substanciais diferenças que as marcam no que respeita a algo de há muito comum no pensamento português, a falta de cuidado com a posteridade.
Mais vinculado na sua Obra à história da cultura portuguesa, J. A. Seabra terá porventura tido uma consciência mais aguda do problema. A sua última obra, que reúne textos escritos ao longo de mais de duas décadas, agrupando-os em torno de temas maiores do seu pensamento e acção político-diplomática (Renascença Portuguesa, mas igualmente Educação e cultura, a língua portuguesa, ou as relações luso-brasileiras, para não nos alongarmos), não só será um útil ponto de entrada dos leitores na sua vasta produção literária como constitui um exercício testamentário invulgarmente lúcido. Fiel às origens mais fundas da sua forma mentis, Seabra prolonga as inspirações de Teixeira de Pascoaes e de Leonardo Coimbra de forma produtiva, o que é um aspecto decisivo: na segunda metade do século XX, isso só se poderia fazer através de uma abertura às ciências sociais e humanas a que o autor permaneceu sempre sensível e que, aliás, dominava com uma grande segurança.
Apesar de alguns esforços nos últimos anos de sua vida, sobretudo em Mediações e em Acentos (2001 e 2004, respectivamente, ambos na INCM), Fernando Gil não chegou a legar-nos uma síntese da sua Obra. Muito embora, como Paulo Tunhas exemplarmente sintetiza no seu ensaio, o seu percurso tenha tido uma coerência teórica assinalável (Tunhas chega mesmo a contrariar a opinião de Gil a esse respeito, cf. p. 4), a sua própria especificidade filosófica tornou-o tão autónomo quanto influente, isto é, tão isolado quanto considerado. Não pretendendo ser uma introdução ao pensamento de Fernando Gil (cf. p. 6), este Essencial corresponde bem ao perfil da Obra de Gil: escrito para ser lido por filósofos, isto é, por leitores com treino e habituação à linguagem filosófica.
(…)»

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