terça-feira, 22 de maio de 2007

Impostos, alguém quer ouvir falar deles?

A questão levantada pelo Rui Tavares (ontem no Jornal Público) sobre a não descida dos impostos merece ser debatida. Na minha opinião a esquerda não pode encarar este assunto como algo intocável e necessariamente positivo. A forma como se aplica a tributação nem sempre favorece a diminuição das desigualdades. Por exemplo, quando esta incide fortemente sobre o trabalho e o consumo (como é o caso da situação portuguesa), não me parece que contribua eficazmente para a equidade social. O IVA é um imposto cego que engloba na mesma ordem proporcional tanto os mais ricos, como os pobres. Por seu turno, as receitas do IRS resultam em grande parte do trabalho por conta de outrem. Ou seja, há claramente uma sobre-representação da tributação no orçamento familiar da classe média (e média-baixa) trabalhadora.
Por outro lado, o excesso de tributação favorece e, em certa medida, legitima a economia paralela: sempre que se pode é prática comum fugir à facturação. Talvez seja por isso que, segundo o Rui, não se ouve na rua as pessoas queixarem-se muito dos impostos. Entendo que a esquerda se deve bater pela descida dos impostos sobre o trabalho e também sobre o consumo, ao mesmo tempo, que deverá reivindicar novas modalidades de tributação que compensem essa descida, nomeadamente, os impostos que se dirijam aos poluidores ou às mais-valias (propostas já sugeridas aqui no Peão).

2 comments:

Hugo Mendes disse...

De acordo. A estrutura da fiscalidade é mais importante do que os seus valores agregados.
E taxar excessivamente o trabalho leva precisamente ao que referes, a economia paralela, que deve corresponder aí um terço do nosso PIB contabilizado. É por isso, de forma análoga, que temos dos mercados de trabalho mais regulados, por um lado, e uma multiplicação de situações de enorme precariedade, por outro. A excessiva rigidez produz a excessiva precariedade (que é, afinal, uma lição da ex-URSS, onde a economia paralela que coexistia a par da oficial produziu as mafias que ficaram a descoberto depois da economia oficial ter colapsado).
A Dinamarca fez um "trade-off" politicamente dífícil mas altamente eficaz, que lhe permite financiar a sua generosa protecção social e que está na base da sua política de flexisegurança: desceu os impostos sobre o trabalho e transferiu o peso para o rendimento individual. É isso que explica os valores da Dinamarca neste gráfico:

http://lysander.sourceoecd.org/vl=9424205/cl=23/nw=1/rpsv/factbook/10-03-01-g02.htm

Agora, a verdade é que é difícil explicar isto ao eleitorado, e mais difícil ainda fazê-lo aceitar. Mas isso não significa que, se a esquerda chegar a um consenso mínimo sobre uma proposta deste tipo, possa fazer campanha por ele. E, com a pedagogia certa, talvez o eleitor mediano "comprasse" o trade-off em causa, ou outro similar.

Zèd disse...

Mas em Portugal há a particularidade da fuga aos impostos de uma parte importante dos rendimentos. Talvez não seja tão elevada como algumas vezes se pensa, seria até bom saber se existem estimativas realistas e credíveis sobre essa matéria. Mas uma medida mais fácil de aceitar pelos eleitores, pelo menos uma parte importante, seria pôr em prática medidas eficazes de combate à fraude fiscal. Isso implica provavelmente investimento em infra-estruturas, por exemplo modernização dos sistemas informáticos da administração fiscal, de modo a permitir um maior cruzamento de informações. Implica também a questão do sigilo bancário. E provavelmente uma série de outras medidas operacionais, de modo a permitir mais fiscalização.

Se porventura isso se traduzir num aumento muito importante das receitas fiscais, aí acho que deveria haver uma correcção dos impostos benificiando aqueles que sempre pagaram e nunca conseguiram fugir aos impostos; os que trabalham por conta de outrem e o IVA. Por uma questão de justiça.