O presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE) manifestou-se hoje preocupado com a possibilidade de o Ministério das Finanças reter os salários dos funcionários públicos com dívidas ao fisco, considerando que a proposta é mais um "ataque à função pública". "É preocupante porque se está a tratar uma vez mais os funcionários públicos como um grupo à parte, um grupo alvo a atacar e a abater", disse à Lusa Bettencourt Picanço, em reacção à notícia de hoje do PÚBLICO.
Quando são os trabalhadores do sector privado com dívidas fiscais, está em causa, afirma-se - e bem -, o incumprimento das obrigações perante o Estado e a falta de civismo elementar. Quando são os funcionários públicos, então já não há nenhum problema em particular - e uma medida como esta é vista como um ataque à função pública. Começa a faltar a paciência para tanta vitimização.
Bettencourt Picanço não compreende que os funcionários públicos são, efectivamente, um grupo à parte: são os únicos cujos salários são pagos pelo Estado - mais concretamente, pelos impostos gerados pelas transacções efectuadas pelos trabalhadores do sector privado (já para não falar das melhores condições contratuais, salariais e outras que muitos funcionários públicos gozam em comparação aos do privado, mas isso fica para outra posta). Nenhum trabalhador, do sector público ou privado, tem mais legitimidade para ter dívidas fiscais; simplesmente, o Estado pode agir sobre os seus funcionários de uma forma - como se propõe agora - que não pode sobre os funcionários do privado, sobre os quais necessita de utilizar outros instrumentos de coacção.
Um bocadinho mais de humildade, respeito e solidariedade por parte dos que falam em nome do sector público não ficava nada mal.
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007
O sindicalismo suicida
Posted by Hugo Mendes at 16:15
Labels: administração pública, estado, impostos, sector privado, Sindicatos
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16 comments:
Renato, sabes perfeitamente porque não vai fazê-lo: porque no dia em que o fizer o Estado deixa de ter dinheiro para pagar os salários aos seus funcionários, porque se os lucros privados, acabam-se os impostos! É tão simples quanto isso. Negá-lo é meter a cabeça debaixo da areia.
O que o ministro pode e está a fazer é apertar a malha para regularizar o mais depressa possível as situações fiscais das empresas e - atenção, porque são "entidades" diferentes - dos trabalhadores do sector privado.
O tom é, se quiseres, panfletário porque este tipo de atitudes irresponsáveis e arrogantes dos Bettencourt Picanços deste mundo só piora, contínua e sistematicamente, a imagem que as pessoas têm do funcionalismo público, e legitima a ideologia anti-Estado que por aí se espalha. Como bem sabes, isto gera um défice/perda enorme de capital social, porque fomenta invejas e ressentimentos dos que dependem do privado em relação àqueles que trabalham para o Estado - e muitas vezes, nada injustificados, diga-se.
Eu, admito, já perdi a paciência para permanecer complacente com esta conversa, que é hipócrita e egoísta. Isto não tem nada nem de esquerda, nem de progressista, e era bom que muita gente olhasse esta realidade de frente.
onde escrevi:
"porque se os lucros privados, acabam-se os impostos!"
devia ter escrito:
"porque se os lucros privados SÃO SUSPENSOS, acabam-se os impostos!"
E mais: é preciso que se diga que se este senhor pensa que está a defender o "Estado" e o "interesse público", não está coisa nenhuma; está apenas a enterrá-lo mais e a contribuir para a erosão daquele que, a par da sua sustentabilidade financeira (que sabemos ser tudo menos famosa no presente e no futuro próximo), é o seu recurso mais importante, que é a sua legitimidade pública.
As forças de esquerda inglesas, e em particular as sindicais, também ficaram muito espantadas e chocadas quando os ingleses meteram a Thatcher no poder em 1979. E porém isso aconteceu, depois de anos de impaciência do público com as irresponsabilidades políticas de um governo trabalhista muito fortemente ligado ao movimento sindical. Não estou a dizer que em Portugal se passa o mesmo, e apesar de tudo não precisamos de sofrer a humilhação de uma intervenção do FMI como o governo trabalhista em 1976, tal era o estado das finanças públicas britânicas. Mas era bom olhar para a história e evitar cometer erros elementares.
Hugo, essa comparação entre os funcionários públicos e os do privado, apontando as regalias dos primeiros, parece-me perigosa nos tempos que correm. Para mim, os funcionários públicos têm uma situação profissional que devia ser considerada normal, ou seja contam com alguns direitos básicos dos trabalhadores, ao passo que os profissionais do sector privado estão, muitas vezes desprotegidos em relação a um patronato cada vez mais agressivo. Eu sei que esta observação não tem grande ligação ao fisco, mas numa altura em que os direitos dos trabalhadores têm sofridos tantos ataques, acho que estas comparações têm de ser feitas com cuidado.
Hugo, concordo com o teu post e comentários. Como cidadã e funcionária pública, fico extremamente revoltada com este tipo de afirmações irresponsáveis. [A ansiedade que me assalta é tal que que já perdi o meu comentário anterior, que apareceu duplicado e acabei inadvertidamente por apagar tudo! Vou ter que me lembrar do essencial.]
Já noutra ocasião disse (no Fuga, acho) que ser funcionário público devia ser motivo de orgulho: trata-se de servir com a máxima qualidade e independência e eficácia o público, todos os cidadãos, em áreas chave de intervenção estatal; trata-se de trabalhar para o bem comum.
Todos os cidadãos devem pagar os seus impostos a tempo e horas, até ao último cêntimo. Por maioria de razão, o devem fazer os funcionários públicos. Estes têm uma situação laboral verdadeiramente invejável, estável e duradoira: recebem vencimentos, em média mais elevados, os seus horários de trabalho são geralmente mais reduzidos, gozam de mais dias de férias (para não falar das pontes), têm um bom sistema de saúde (ADSE), etc. Sobretudo os técnicos superiores queixam-se frequentemente sem qualquer razão.
Sofia, estás a ser muito complacente com os funcionários públicos. Eu defendo que devemos ser exigentes com os funcionários públicos. Os funcionários públicos têm direitos e deveres. Na ânsia de reivindicar direitos, esquecem-se de cumprir os seus deveres.
Hei-de voltar a este tema, que me revolta e apaixona.
A minha questão nada tem que ver com os deveres que naturalmente qualquer trabalhador tem e que deve cumprir, mas acho, realmente, que os horários, dias de férias, sistema de saúde são direitos que qualquer funcionário, do público ou privado, devia ter, não devem ser encarados como regalias, o que aliás só serve para atirar uns contra os outros. Os trabalhadores vivem tempos muito negros e conquistas tão duramente conseguidas não devem ser agora vistas como privilégios que patrões bondosos concedem (uma ponte faz parte do direito ao descanso, não é uma benesse).
Era isso mesmo que eu queria dizer, Cláudia.
Sofia, há um elemento que nos esquecemos muitas vezes quando comparamos o que funcionários dos sectores público e privado têm direito: é que o que os primeiros têm a mais (e não terão todos, é verdade, depende de uma série de condições, e também há muita precaridade no sector público, mas isso outro tema se pode abordar mais à frente) é pago, indirecta mas literamente, por aquilo que os segundos não gozam. Ou seja, os direitos que os primeiros têm a mais é pago com os impostos que são colectados aos segundos e às empresas para as quais trabalham. Não estamos aqui a comparar, em abstracto, o público com o privado. Se assim fosse era fácil: todos somos favoráveis às melhores condições possíveis. Entre o público e o privado, cada um preferia seguramente o público. Mas a questão nao é essa: é que afinal as condições do publico são literalmente pagas pelo privado, e em particular pelas condições que estes têm - ou melhor, não têm. Se o público nao tivesse tão boas condiçoes - e em alguns nichos profissionais e estatutários, verdadeiramente luxuosas -, o privado ficaria com mais dinheiro para si e poderia, por exemplo, pagar melhor aos seus trabalhadores, dar-lhe mais férias, promover maior formaçao profissional, etc. etc. Eu acho injusto que os trabalhadores do sector público - que se teimam em esquecer, num país com tanta precaridade laboral e com o desemprego a níveis elevados, que a grande vantagem em trabalhar para o Estado é efectivamente a estabilidade laboral, e devia ser só essa, contrabalançada com outros sacrificios de mobilidade, por ex. - continuem a ganhar mais e a ter, ceteris paribus, melhores condições que os do privado. Por motivos de justiça social e eficácia economica, esses beneficios devem acabar (por ex., a ADSE não faz qualquer sentido) e os trabalhadores do sector privado devem ver as suas condições laborais (contractuais, salariais, etc.) progressiva e estruturalmente melhoradas. Neste capítulo, se os sindicatos falam gostam tanto de usar expressoes como "solidariedade" etc., que sejam sérios e coerentes. Mas confesso que, com o nosso sindicalismo, posso esperar sentado.
Para completar a ideia anterior: os funcionários do Estado devem servi-lo, não servir-se dele.
Não são uns que têm a mais, outros é que têm a menos... E tirar de uns não ficam os outros a ganhar, todos ficam a perder (estás muito Robin Hood!).
Quanto a preferimos todos o sector público, também acho duvidoso.
"Não são uns que têm a mais, outros é que têm a menos".
Pronto, entao se esses têm a menos, e se queremos que eles tenham mais, como não podemos ir buscar recursos ao "ar", eles têm, de vir de algum lado - ou mais precisamente têm que deixar de ir do mercado para o Estado da forma como têm circulado. A tua primeira frase invalida a frase seguinte ("tirar de uns não ficam os outros a ganhar, todos ficam a perder"), porque se tiras dos primeiros para redistribuir pelos segundos, então os segundos ficam a ganhar; não podem perdem todos.
Agora já estamos a discutir as coisas a um nível de abstracção tal que não ajuda; a coisa essencial que quis dizer é que em muitos sectores o Estado vive e paga bem demais, e para isso tem priva o sector privado de recursos que, se melhor redistribuídos, melhorariam as condições de muitos trabalhadores do privado e reduziriam as desigualdades sociais - que, convém lembrar, são em Portugal das mais altas do espaço da OCDE.
Estou de acordo com o essencial do post, mas acho que o problema não deve ser visto em termos de público vs privado. É claro que o discurso do Bettencourt Picanços é irresponsável e inaceitável, concordo com as críticas do Hugo, mas é por assim dizer circunstancial. Eu explico, ele defende os funcionários públicos de uma forma corporativista, por dá-se o acaso de ele ser sindicalista da função pública, mas o problema é uma crise geral do sindicalismo, mais especificamente da ética sindicalista. Isto não se resume ao funcionalismo público, embora - talvez por causa das diferenças entre público e privado - seja talvez mais grave no sector público. Este episódio é apenas mais uma manifestação concreta de um problema muito alargado. E o problema que eu vejo é que o sindicalismo se transformou, ou melhor, se reduziu a uma dimensão reivindicativa. Os sindicatos hoje em dia limitam-se a reivindicar, e quase sempre a mesma coisa: aumento dos salários, diminuição dos horários de trabalho, e manutensão ou aumento dos direitos adquiridos (esse dogma intocável).
Houve uma época, fim do sec. XVIII, sec XIX, princípio do sec. XX, em que o movimento sindical era uma poderosa força de transformação social, e de defesa dos direitos dos trabalhadores, muito para além das reivindicações salariais. Para onde foi esse sindicalismo?
Há uma poucas excepções que se mantém isoladas, mas porque não um papel para os sindicatos na assistência médica aos trabalhadores (há os SAMS para os bancários)? Porque não um papel para os sindicatos na educação dos filhos dos trabalhadores? E no pré-escolar? Na assitência aos reformados? Nas actividades de lazer dos trabalhadores?
Não será isso também defender os direitos dos trabalhadores?
Enfim, mais uma ideia para um debate futuro aqui no Peão.
Concordo com o Zèd no que se refere ao tipo de intervenção que os sindicatos deviam ter, para além da (cómoda e comodista) reivindicação salarial.
Sofia, não me parece que o presidente do SQTE esteja verdadeiramente interessado numa luta por melhores condições de trabalho, que se traduzam num serviço público de melhor qualidade, em prol de todos. Defende à outrance os funcionários públicos, os competentes e os incompetentes, os que pagam os seus impostos (e até têm gosto em fazê-lo) e os que não pagam (e até se gabam disso!), os que dão o litro e os que fazem ronha ou crochet, etc.
Posso dizer-vos que a Câmara Municipal de Lisboa tem creche e infantário para os filhos dos funcionários, a preços muitíssimo acessíveis e porporcionais ao vencimento mensal. Parece-me que isto vale muito dinheiro e deve ser contabilizado como vencimento.
Os funcionários da CML têm direito a ir aos teatros municipais à borla ou com desconto de 50%. Uma regalia cultural que também pode ser contabilizada como vencimento. Têm ainda desconto nas piscinas municipais: acesso a equipamentos desportivos, que pode ser contabilizado como vencimento.
Apesar disso, é comum ouvirem-se queixas de técnicos superiores, com jornada contínua (6 horas, já com meia hora de almoço incluída), de que ganham mal!
Fico-me hoje por aqui, mas há muito mais a dizer.
Zèd, o que dizes é muito interessante, e antes de um dia destes escrever uma posta sobre isso deixa-me só dizer uma coisa ou duas. O modelo no qual assenta boa parte do sindicalismo em Portugal nao é universal, felizmente. Os exemplos interessantes que referes existem espalhados por essa Europa fora, mais na Central e do Norte do que na du Sul, é certo. Essas práticas de envolvimento dos sindicatos na co-gestão das empresas e serviços públicos sempre fizeram a força dos sindicatos nos países onde eles não foram - eu já disse isto há uns tempos, pode parecer perseguição, mas garanto-vos que não é - capturados pelos partidos comunistas, que funcionam segundo uma lógica reivindicativa e frentista, sem qualquer vontade negocial nem sentido de interesse público. O que conta são os trabalhadores; acham que o interesse público se esgota na defesa do interesse dos primeiros, por isso todas as regalias que estes conseguirem amealhar, mais qualidade os serviços têm. Isto é logicamente mentira, e só o dogmatismo pode impedir muitos de perceber como isto se transforma, com o tempo, num grotesto egoísmo corporativo - sem respeito quanto dinheiro as coisas custam, como se gere o dinheiro, de onde ele vem, se há direito em gastá-lo como se gasta, sem pensar quem fica a perder com estas práticas, etc.. Acham que o Estado lhes deve tudo e por isso alimentam o status quo da "torneira-aberta-que-jorra-dinheiro-para-qualquer-vontade-corporativa".
(podia dar uns quantos exemplos na área da Educação em Portugal mas não vou lançar mais bombas para já :))
Nos países nos quais o Estado assumiu muitas funções e tomou conta de muitas áreas, os sindicatos ficaram encrustados no sector público e desistiram de defender os trabalhadores no sector privado. Pudera!, no público é mais fácil, e assim têm muitos membros garantidos do que se tiverem que andar a defender os que trabalham no privado, em condições muito piores, perante um patronato por vezes nao menos dogmático e obscurantista. É por isto, Zèd, que a questão do publico vs. privado é muito importante aqui. Não apenas pela questão económica (do quem paga o quê), mas porque se vires bem, em Portugal e França, o grosso do sindicalismo está no sector público e é residual no privado. No público fazem um regabofe porque acham que têm direito a tudo, e os trabalhadores do sector privado estão imensamente desprotegidos. O que era preciso era inverter esta lógica: os trabalhadores do Estado não precisam tanto dos sindicatos - e sobretudo "destes" sindicatos - quanto os do privado; e para se deslocarem para o privado e atender às necessidades destes trabalhadores, os próprios sindicatos precisavam de se modificar, mudando de estratégia, deixando de actuar com o frentismo dogmático que só o Estado permite (e por isso estão muito mal habituados), para passar a perceber como funcionam as coisas no sector privado - que o sindicalismo sério não é só reivindicar, mas é também construir, (co-)gerir, participar na economia e sim, por muito que custe a muitos, participar na produção dos lucros (para depois, lá está, poder distribui-los). É este passo de meter as mãos na massa na gestão da economia que muitos dos sindicatos temem. Por isso ficam "alapados" no sector público a exigir coisas como se os direitos não dependessem em boa medida dos recursos existentes. Mas disso eles nem querem saber. Como diziam os cartazes da CDU na discussao sobre as reformas há uns meses: "As reformas não podem baixar!". Não podem, ponto final, como se isto dependesse da vontade de uns quantos sovinas que andam aí o esconder o ouro do povo.
Hugo, concordo contigo, foi por isso que fiz a ressalva:
"embora - talvez por causa das diferenças entre público e privado - seja mais grave no sector público."
O problema do sindicalismo é o mesmo em todo o lado público ou privado (e de facto estou a pensar sobretudo nos exemplos português e francês), mas no público manifesta-se deste maneira simplesmente porque pode fazê-lo, no privado não. Vai dar no mesmo do que tu dizes.
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