quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Tão modernos que nós somos

Voltando à questão da modernidade, acho e reafirmo que este referendo abriu algumas portas para uma mudança mais profunda. Como já foi debatido aqui no blogue, entendo que um dos aspectos mais interessantes deste acto eleitoral foi o desvelar de algum dinamismo cívico que se autonomizou face à militância partidária mais tradicional. Embora tenha contado com o contributo dos partidos, o SIM não ficou à espera que estes ocupassem todo o espaço da opinião e da mensagem política.
Uma outra porta importante para a mudança e, que de certa maneira está associada à anterior, tem a ver com a participação e, sobretudo, a forte expressão do voto pela despenalização das pessoas mais jovens. Mais do que o desvanecimento da polaridade entre Norte e Sul, os dados do referendo indicam a emergência de uma forte polarização geracional. De facto, ao nível dos valores e da concepção de novas formas de encarar a liberdade individual, como por exemplo, a questão da sexualidade, parece que o sentido da mudança pode ser, esse sim, verdadeiramente fracturante.
E porque é que ainda não é? Dou-vos um exemplo. Como é sabido a educação sexual é sempre um ponto inevitável quando se debatem estes assuntos. Quem tem mais reivindicado a sua necessidade são os jovens nas suas diversas manifestações (que normalmente são muito desvalorizadas pelo poder político, desde os partidos aos sindicatos). Actualmente as escolas preparam-se para implementar projectos em torno da ‘educação para a da saúde’ (mais uma expressão eufemista para não ferir susceptibilidades) onde se esconde a temática da sexualidade. Ora bem, cabe a cada escola gerir parte desse processo. Contudo, como é mais um daqueles sacos onde se pode pôr muita coisa, tudo é possível fazer no âmbito desta educação para a saúde. Conheço o caso de uma escola secundária em que a pessoa que se ofereceu e vai coordenar o projecto é precisamente o professor de religião e moral. E não se trata de uma escola perdida no interior. Pelo contrário, está bem próxima da capital.
Não são de certeza estes os caminhos da mudança para o tal Portugal moderno. Estas portas são bem mais difíceis de abrir!

3 comments:

Hugo Mendes disse...

"mais uma expressão eufemista para não ferir susceptibilidades"

Mas olha que as suceptibilidades contam em política e no funcionamento das instituições, e bem mais do queres dizer usando a palavra "eufemismo"...

Hugo Mendes disse...

Pensei que o caso da reacção dos professores às aulas de substituição fosse um bom exemplo de como as susceptibilidades impactam no funcionamento das organizações e não são apenas um eufemismo, mas ok :)

De qualquer forma, há ai um ponto que me parece importante discutir, que é a questão geracional, e a forma como os jovens de posicionam de forma diferente aos seus pais; aliás, parece-me - mas não necessária ou particularmente no caso do aborto - que muitas das reivindicações da geração que entra hoje na vida adulta e que se diz à esquerda derivam muito mais de serem "jovens" do que provavelmente do que serem de "esquerda". Ou seja, a raiz para uma série de atitudes/práticas pode ser mais "geracional" do que propriamente "ideológica" (o que não significa que sejam explicações mutuamente exclusivas nem independentens, claro).

Hugo Mendes disse...

"Nesse caso o ME não teve pudor em regulamentar sem ter a preocupação de ferir susceptibilidades. Decidiu e ponto final."

Não sei se as coisas são comparáveis. Já houve 'n' reformas para tentar colocar em prática curricular a educação sexual, por vários ME's. O problema é que ninguém se entende, há vários interesses em jogo, há boicotes, para além de que se faz muita demagogia na praça pública em torno da "educação sexual"; tens muitos pais que se assustam com ela (ao contrário do que acontece com as aulas de substituição, que os pais vêem como mecanismos para garantir que os seus filhos nao "andam sem fazer nada" pela escola).
Se nesta matéria não se legisla sem pudor, é porque ela é mais delicada do que outras, e por isso andamos há 20 anos para saber o que fazer com ela; aposto como as aulas de substituição não vão demorar tanto tempo a entrar na rotina. :) Se o sector privado as usa, porque é que o sector público não há de ser capaz de as por em prática?