segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Peões por Lisboa - Propostas concretas (III)

Enquanto o Carmona anda no cai-não-cai, continua o debate sobre Lisboa aqui no Peão. Um outro problema que me parece particularmente grave em Lisboa é a questão do imobiliário, particularmente o preço da habitação e o número de casas devolutas. Há zonas de Lisboa que estão desertas e necessitam urgentemente de uma injecção de novos moradores, principalmente no centro, na proximidade do eixo Baixa - Avenidas Novas, mas talvez noutras zonas também. Para começar o problema do preço da habitação não é exclusivo de Lisboa, nem uma solução satisfatória do problema não está ao alcance da CML. É necessário nomeadamente a sempre adiada reforma da lei das rendas, o que depende da Assembleia da República e do Governo. Isso não quer dizer que a CML não possa fazer algo para, pelo menos, minorar o problema. Há duas coisas que podem ser feitas.

- Obras coercivas. Há várias zonas em Lisboa com muitos prédios vazios, ou quase vazios, e que estão a deteriorar-se, ao mesmo tempo essas casas não estando no mercado os preços aumentam. A CML pode, e já foi feito ocasionalmente, obrigar os proprietários de imóveis em mau estado de conservação a fazer obras coercivas, isto deveria ser feito sistematicamente, em larga escala em todos os prédios com apartamentos devolutos e que estejam degradados. Seria "apenas" uma questão logística de mobilizar mais meios para este aspecto. Esta medida poderia pôr pressão em muitos dos proprietários, que para financiar as obras no imediato teriam que pôr as casas no mercado. Programas de financiamento, como o Recria que já existe há bem mais de dez anos deveriam ser marginais, para financiar aqueles que não têm realmente meio de financiar as obras de outro modo.

- Limitação de licenças. Na Baixa, particularmente, o problema da falta de residentes parece-me ligado à concorrência com os escritórios e comércio que praticam preços incomportáveis para a habitação. Para que o comércio ou escritórios ocupem um apartamento necessitam de uma licença da Câmara. A CML deveria estabelecer um limite as essas licenças - por exemplo não se dão licenças de exploração acima do primeiro andar - assim criaria imediatamente mercados distintos para a habitação e comércio. Claro que as licenças já atribuídas não podem ser retiradas (ou podem?), mas licenças novas podem não ser atribuídas quando um escritório ou uma loja abandona um local. Pelo menos gradualmente poder-se-ia ir atraindo novos residentes. Esta medida provocaria também uma dispersão por Lisboa dos escritórios e comércio, o que também não seria mau (digo eu...).

- Moratória à construção. Pelos que se tem passado recentemente em Lisboa, vê-se bem que a construção é um problema. O património imobiliário que já existe parece-me suficiente para as necessidades de Lisboa. Pelo menos por uns tempos não se devia pura e simplesmente construir em Lisboa.

4 comments:

Daniel Melo disse...

Outro grande post, Zèd, parabéns!
Sobre este assunto vale a pena atentar no quadro existente. E o quadro não é nada animador, pois é o duma cidade cada vez mais assimétrica: classes alta e média alta dum lado, classes populares nos bairros sociais. Dados: 51% dos lisboetas não têm rendimento do trabalho, c.1/4 são idosos. Classe média dinâmica vive cada vez mais nos arredores e não há qualquer política para estancar a sua saída e/ou o seu retorno. Um novo estudo do INE confirma a sangria: descida para o patamar dos 400 mil residentes, e não aumento. O grave problema dos prédios devolutos persiste: são 120 mil na Grande Lisboa, a maioria na capital.
Neste contexto, as opções que mencionas teriam impacto (a médio e longo prazo, claro) em 3 pontos: serviriam para reanimar a urbe, democratizariam a vivência na capital e incentivarima o reordenamento da AML (+exigência no urbanismo da periferia, menos trâfego, +reabilitação, etc.).
O mau exemplo vem de cima, do governo municipal: a EPUL afundou-se em má gestão e escândalos e não faz o papel de regulador do mercado, é tão-só mais um concorrente do imobiliário. Também esta empresa devia ser reformada e a sua estratégia devia ser reabilitar, regular, arrendar e olhar mais às classes desfavorecidas e às classes médias, para segurar população (em vez de sortearam casas sem olharem aos rendimentos). Como parte relevante dos prédios devolutos são camarários a CML só teria a ganhar com esta opção.
Outra área estratégica em que a CML está a lidar ao contrário do que devia é a de edifícios históricos ou com capacidade para funcionarem como pólos aglutinadores. Desenvolvo mais este assunto nestes 2 posts (http://fugaparaavitoria.blogspot.com/2006/09/lisboa-em-saldo.html e http://fugaparaavitoria.blogspot.com/2006/09/revitalizar-lisboa-pelo-bom-uso-do-seu.html).
Por fim, recorde-se a insistência politicamente determinada em obras megalómanas: além do pombalismo serôdio do outrora delirante e agora fantasmático Plano Baixa-Chiado (que implicava a mega-circular das Colinas), mantém-se a obstinação por um mega Arquivo Histórico e Biblioteca Central a edificar não faz sentido no actual contexto de grave crise. Relembre-se o essencial: o Arq.º Hist.º da CML é o 3.º maior do país mas está fechado há mais de 4 anos, repito, 4 anos! Com esta opção estará fechado por muitos mais. Faz sentido? Não; a CML tem inúmeros espaços que entretanto podiam ser reabilitados para tais funções, mesmo que a título temporário.
Falta falar do Parque Mayer, é inevitável. Carrilho tinha um bom plano para a revitalização cultural e turística da Av. Liberdade (dinamizando e apoiando o que já há: S. Jorge, Tivoli, Condes, Politeama, etc.) e, para o Pq. Mayer, recuperando a jóia do Capitólio, 1-2 teatros, cafés e restaurantes e, claro, o acesso directo ao Jardim Botânico. Este acesso seria uma mais-valia para a cidade, um achado, e anda a ser defendido por vários amantes de Lx. há décadas. A propósito: em 2003, escrevi a história dos 80 anos do Parque Mayer, onde falo de todos os projectos que houve para este recinto, e foram mais duma dezena. Este texto está disponível em linha (http://www.jf-sjose.pt/slpage.php?page=40). Em suma, sobre o Pq. Mayer teria bastado bom senso, auscultação de urbanistas e um pouco de estudo dos projectos anteriores para que agora o pudéssemos estar a usufruir. Aliás, a experiência muito bem sucedida deste Verão de bons concertos musicais no seu Teatro Variedades, despido de cadeiras e com uma recuperação mínima, é a melhor demonstração de que este era o caminho a seguir.

Zèd disse...

Eu também acho, este comentário do Daniel dava um post. Toca em coisas importantes que eu não referi.

Já agora, quem se voluntaria para escrever um post sobre a política cultural em Lisboa?

Hugo Mendes disse...

Ò Zed, essa da "moratória à construção" ainda vai aumentar brutalmente o desemprego, tem cuidado, pá. :)

Hugo Mendes disse...

Há quem não encontre mal nenhum com os milhares de casas desocupadas na cidade. Tudo em nome dos "direitos de propriedade", claro:

http://aartedafuga.blogspot.com/2007/02/arquitectura-socialista-2.html