Este debate sobe a questao dos transportes está interessante. O Zed avançou com algumas propostas concretas, uma delas razoavelmente polémica, que seria uma espécie de portagem à entrada de Lisboa para desencorajar o uso de carros. Isto já existe em Londres, e chama-se "congestion charge" (introduzida em Fevereiro de 2003, reduziu após 2 anos depois o volume de tráfego na cidade na ordem dos 30%, mas é ainda controversa junto de muitos). Eu não sei se isto funcionaria em Lisboa, que é uma cidade bem mais pequena que Londres, e com transportes públicos cuja qualidade deixam provavelmente muito a desejar - senão para os que viajam dentro da cidade, pelo menos para os que fazem todos os dias um trajecto de e para fora da cidade de Lisboa para os arredores. Suponho que a diferença de qualidade se deva em boa parte ao facto de os operadores em Londres serem privados e terem incentivos para melhorar o serviço (falo dos autocarros e comboios; o metro é ainda propriedade pública). O Estado age como regulador.
Sem querer entrar numa polémica estéril sobre a questão do "Estado vs. mercado", parece-me lógico que, qualquer que seja a solução - e elas serão sempre várias -, ela passará pela abertura de novos mercados, e pela parceria entre o sector público e privado sem que isso signifique privatização no sentido restrito da palavra. O que deve ser aqui a prioridade é a qualidade do serviço e a liberdade de escolha que ele oferece ao consumidor médio, por um lado, e ao consumidor com menos recursos, por outro. Se o mercado tomará em princípio conta do primeiro, o Estado deverá olhar pelo segundo. Isto significa que o Estado deve regular a competição e financiar certos sectores sem ter que possuir e pagar autocarros e comboios, mais os salários de gestores e restantes trabalhadores. Há quem fique muito preocupado com a entrega destas coisas ao mercado; eu gostava era que ficassem realmente preocupados com coisas destas.
Dito isto, não há panaceias para resolver este problema, e as medidas terão que ser sempre parciais e bem articuladas. Há esquemas interessantes que valeria a pena explorar. Por exemplo, vi em Lyon (que é uma cidade sensivelmente da mesma dimensão de Lisboa, com cerca de meio milhão de habitantes intra-muros, e praticamente 2 milhoes na área metropolitana) em Setembro do ano passado uma solução interessante, apesar de não ter tido ocasião para conhecer por dentro o seu funcionamento. Provavelmente é um sistema que existe em outras cidades e não prima necessariamente pela originalidade (quem conhecer esquemas semelhantes noutras cidades, diga), mas pareceu-me ser engenhoso. Era uma espécie de serviço público de aluguer de bicicletas (e digo "público" pela amplitude de pessoas que serve, não pela questão da propriedade - ao contrário do que provavelmente pensa o Renato, eu acho que nestas coisas dos serviços a regulação é crescentemente a questão central, não a propriedade - uma discussão para aprofundar noutra altura); as pessoas tinham um passe que lhes permitia levantar uma bicicleta num dado parque público, levá-la para outro ponto da cidade, e parqueá-la noutro espaço. Depois de ir à sua vida, outra pessoa podia usar a mesma bicicleta, e assim sucessivamente. Não sei exactamente como era pago o serviço; se o critério era o numero de quilómetros percorridos, se a quilometragem era irrelvante e se se pagava o passe ao mês, etc. Não sei, e se calhar até há varios critérios.
Agora, imagine-se isto para os carros. Já há, li algures, em vários países o que chamam "club-sharing cars", muitas vezes associados a novos desenvolvimentos residenciais. Estes clubes alugam carros a preços muito mais baixos do que os do costume (que são basicamente para turismo, e por isso sao caríssimos) e fornecem uma alternativa a pessoas que têm carro mas apeas o usam de vez em quando ou usam-no apenas porque o têm. Se tivessem uma alternativa interessante, podiam efectivamente dispensá-lo. As pessoas compram um "season ticket" e usam o carro quando lhes apetece. Os estudos que existem sobre isto afirmam que este tipo de soluções têm um welfare effect positivo na vida urbana, e tudo depende da sua escala. Neste formato, porém, isto ainda sao "club goods": ou seja, são serviços que sao prestados a quem paga por eles, num clube fechado. Se o Estado pegar nesta ideia e fizer como o serviço das bicicletas (mas não precisa de ser o Estado a produzir o serviço, pode adjudicá-lo a uma empresa privada se for mais eficaz - e muitas vezes é-o), poderia, aos poucos, generizar esta solução para os carros e transformar isto num "public good". Para maximizar o seu impacto, poderiam, por exemplo, ser criados incentivos a que quem levasse mais do que 1 ou 2 pessoas nos carros, acumulasse pontos que descontassem na tarifa mensal/anual. Assim teríamos menos carros na cidade e mais pessoas por carro; e no futuro, as pessoas até podiam chegar à conclusão que comprar carro é inútil, e o efeito agregado ao longo do tempo seria que talvez menos carros fosse vendidos, com uma baixa do número de carros por habitante.
Interessante, talvez digam. Agora contem estes planos à indústria automóvel e vão ver a resposta que levam.
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007
Peões por Lisboa - Propostas concretas (II)
Posted by Hugo Mendes at 15:33
Labels: bens públicos, cidade sem carros, Propostas por Lisboa, qualidade de vida, regulação
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
6 comments:
Em teoria não acho mal, e no fundo não é grande a diferença entre isso e uma "congestion charge".
Mas olha que essa tua proposta também ia incentivar a melhoria da qualidade do serviço público e também privado - se as medidas que permitissem a competição fossem tomadas - de transportes públicos...E ainda bem!
#1: Não me parece que o presidente da câmara tenha capacidade para mexer nisso agora. No entanto, é sempre bom discutir.
#2: As bicicletas têm o problema de Lisboa ter muitas inclinações. Nunca poderia ser uma solução para toda a cidade, apenas para algumas partes.
#3: Eu não percebi bem qual é o problema. É a poluição (sonora também) na cidade? É o excesso de carros? Ou o aquecimento global? Se o estado/câmara faz pressão sobre os cidadãos então é bom explicar bem os motivos da coerção.
#4: Supor a solução passa por diminuir o número de carros.
Uma base de dados (feita por cidadãos, ou seja, não coerciva) que mostre onde as pessoas vivem e onde trabalhem, e as horas de ir e voltar pode ajudar a agrupar pessoas para partilharem transporte. O incentivo é a diminuição do gasto de combustível e possivelmente portagens. Até é possível ser feito por uma empresa privada.
Não me quero pronunciar muito sobre este assunto, já que todos discordarão comigo. Refiro, apenas, que a «congestion charge» londrina foi alargada esta semana sob fortes protestos dos moradores e comerciantes de Chelsea/Kensington, alegando, quanto a mim cheios de razão, que a medida iria prejudicar imenso o pequeno comércio e a vivência de bairro.
Sofia, a taxa é de facto ainda hoje polémica, e haverá vários motivos. Qualquer medida deste tipo tem de ser bem pensada, e as regras várias definidas de forma flexível (o que pode todavia torná-la complexa e pouco transparente). De qualquer forma, não sei se será alguma vez possível tomar alguma decisão nesta área sem deixar alguém descontente.
Em Paris fala-se para breve de um programa como o de Lyon, público em qualquer sentido da palavra, é oferecido pelo município, gratuito.
Em Liboa não se pode andar em bicicleta em todo o lado, mas para começar podiam 1) permitir às bicicletas andar nas faixas BUS, como acontece em quase todo o lado onde há muitas bicicletas 2) oferecer em lugares estratégicos sítios para estacionar as bicicletas.
São coisas fáceis, e não muito caras, que podem começar a incentivar o uso da bicicleta nalgumas zonas da cidade.
Outra ideia é incentivar a partilha de carros por privados, o "car-pooling". Por exemplo em várias cidades dos EUA (como Seatle) há faixas BUS e depois há faixas para carros com mais de 3 ou 4 pessoas, não resolve o problema mas diminui a dimensão.
Enviar um comentário