quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Ler os clássicos


Por razões profissionais, tive de adquirir um exemplar de A volta ao mundo em 80 dias de Júlio Verne, mas o que parecia ser uma tarefa simples, veio-se a revelar uma missão complexa. Como sabia que este título estava esgotado na excelente colecção Geração Público, fui a uma grande livraria, onde entrei confiante, demasiado confiante, e assim me dirigi à prateleira do «V» da secção infanto-juvenil, onde me deparei com vários livros da sonífera Alice Vieira, mas nenhum Verne. Com a confiança inabalada, pensei estar à procura no sítio errado, pelo que fui à secção da «literatura traduzida», onde, confesso, esperava encontrar toda uma prateleira «Verne, Júlio» com as suas obras em edições antigas e actuais: nada. Pedi, então, ajuda a um funcionário, que, menos mal, por uma vez não foi consultar o computador e parecia saber de quem estava eu a falar, que me encaminhou para a classificação de «literatura fantástica», onde residiam dois ou três livros do autor e nehum A volta ao mundo. Já mais desconfiada, fui a uma segunda livraria que também não tinha nenhum. Finalmente, na terceira e num estado de cepticismo total, encontrei o que pretendia numa reedicção da Bertrand.

Também por motivos profissionais, mas não só, preocupo-me bastante com a motivação, hábitos e práticas de leitura nos adolescentes e jovens, e não faço parte dos que acreditam que se pode começar por ler «qualquer coisa» e depois chegar ao grandes livros, nem sequer sou dos que considera que o que interessa é ler, seja lá o que fôr. Nessa medida, o panorama português é muito limitado. Em relação aos clássicos juvenis, estamos praticamente confinados à colecção do Público, que sendo bastante boa, não deixa de se me afigurar preocupante estarmos, nesta matéria, dependentes da boa vontade de um jornal.

É verdade que o Plano Nacional de Leitura se apresenta como um esforço para alterar este estado de coisas, mas é, ainda, um esforço muito incipiente, até porque o seu alcance só vai até ao 6º ano (por algum motivo misterioso, toda a intervenção cultural neste país parece parar no 2º ciclo). Enquanto não se fizer uma aposta séria, em termos não so financeiros, mas também de intenções entre ministérios, editoras e outros intervenientes no processo, nada passará das listas de livros recomendados para as prateleiras das livrarias e, finalmente, para as mãos dos alunos.

Destaco alguns «acontecimentos» editoriais que vêm melhorar este triste cenário: de Harper Lee, Por favor não matem a cotovia (Difel), um óptimo livro sobre a tolerância e a amizade; a Odisseia adaptada aos jovens por Frederico Lourenço (Cotovia), porque já vai sendo tempo de nos irmos libertando das adaptações de João de Barros; uma belíssima edição de Onze contos de Sherlock Holmes (Relógio d'Água) e as obras de Roald Dahl editadas pela Terramar.
Imagem retirada do site da Riverbank review of books for young readers

0 comments: