domingo, 25 de fevereiro de 2007

"Solidariedade social, sim, mas com os que são como nós"

O post da Cláudia fez-me lembrar algo sobre o qual há muito estava para escrever (no "Véu da Ignorância") mas que acabei por nunca fazer; não lhe posso dar a devida atenção agora, mas fica a ideia essencial. Ao longo dos anos, muitos estudos têm dado forte solidez empírica à conclusão de que a heterogeneidade étnica é má para a aceitação pública de políticas redistributivas. Por outras palavras, as pessoas de um dado país aceitam tanto mais um Estado social generoso quanto mais os que são o seu público-alvo preferencial se assemelham a elas. Em lógica de soundbyte: "Solidariedade social, sim, mas com os que são como nós". A conclusão não é particularmente simpática para a esquerda, mas ajuda a explicar porque é que os países nórdicos - dos mais etnicamente homogéneos do mundo - tiveram uma expansão impressionante do Estado social ao longo do século XX, enquanto que os EUA se mantiveram como welfare laggard até hoje: o eleitor médio americano sempre soube perfeitamente quem era/é o mais provável beneficiário das políticas sociais federais e/ou estatais – a população negra.

Esta questão é central hoje, quando todos pensam o que fazer com o “modelo social europeu”. As incertezas aqui não radicam apenas na sustentabilidade económica dos diferentes regimes de protecção europeus (falar de um “modelo social europeu” já é em si falacioso, porque, empiricamente falado, há vários), mas também no modo como a simultaneamente justa – em nome do cosmopolitismo (e não do “multiculturalismo”!) – e inevitável – por questões demográficas e de crescimento económico – entrada de populações não-europeias no espaço da UE vai impactar na percepção das europeus no que toca à justiça e desejabilidade de um modelo social realmente generoso. Não sei se há dados (recentes) sobre Portugal sobre esta questão em particular; era interessante saber se o que pensam as pessoas sobre a justiça e desejabilidade dos mecanismos de protecção social se altera quando o seu público-alvo começar a contar com uma presença mais clara de ucranianos, romenos ou brasileiros.

2 comments:

Luís Aguiar-Conraria disse...

"o eleitor médio americano sempre soube perfeitamente quem era/é o mais provável beneficiário das políticas sociais federais e/ou estatais – a população negra."

E hispânica também. Não esquecer.

Hugo Mendes disse...

Sim, Luís, é verdade, estava apenas a pensar mais em termos históricos do que no passado recente.