Reproduzo aqui o texto de Carina Branco do jornal "Público" de hoje, segunda-feira, sobre as propostas apresentadas neste fim-de-semana por Ségolène Royal. Assim de repente, parece-me que o seu discurso/programa levou uma viragem nas últimas semanas no caminho de um muito maior intervencionismo estatal (talvez os nossos peões residentes em França saibam mais disto). Num certo sentido, isto é natural, dado que o seu piscar de olho a alguns aspectos do Blairismo permitiu, há uns meses na luta interna ao PSF, distinguir-se dos seus rivais, em particular de Laurent Fabius; agora que se assume como a candidata socialista, é inevitável um realinhar de estratégia, mais próxima das preferências do eleitorado à esquerda (socialista e não só). Independentemente da bondade das propostas - e algumas parecem, à distância, interessantes -, a questão é como é que Ségolène pretende pagar tudo isto, já para não falar nos riscos envolvidos numa subida prometida do salário mínimo. Esperemos que ela não esteja a brincar à macroeconomia. É que quando chegar a segunda volta das eleições, em Maio, terão passados 26 anos da eleição de Mitterrand para o Eliseu, com a promessa de "changer la vie". Depois foi o que se viu. Vamos ver se agora há mais lucidez.
"Perante cerca de oito mil partidários e 600 jornalistas que se deslocaram a Villepinte, perto de Paris, Ségolène Royal, a candidata socialista que aspira a ser primeira mulher Presidente de França detalhou ontem um plano em 100 pontos para tornar o seu país "mais forte e justo". Royal prometeu que o seu governo será mais intervencionista na economia e defenderá um modelo social "mais generoso" contra as ideias de globalização e economia liberal do seu rival da direita na corrida ao Eliseu, Nicolas Sarkozy. Aquilo que "Sego" apresentou como um "pacto presidencial" inclui propostas novas e outras inspiradas em 6200 debates e 130 mil contribuições dos "internautas-eleitores" alimentados pelo seu site Desirs d"avenir. O resultado foi compilado em centenas de páginas dos Cahiers de l"espérance, também apresentados ontem. A nível económico, a socialista prometeu o aumento do salário mínimo "o mais rápido possível" e anunciou uma "conferência nacional sobre os salários", ainda este ano, para "rever o índice dos preços". As pensões de reforma seriam aumentadas em 5 por cento e transferidas mensalmente. Royal começou por assumir a "crise social, económica, moral e ecológica" que a França atravessa e propôs um "pacto de honra" com os eleitores. Este pacto prevê também a construção anual de 120 mil residências sociais, um "seguro de alojamento vitalício", facilidades para as famílias que pretendam adquirir uma propriedade e uma "extensão dos créditos a custo zero".
Outro dos grandes vectores do programa incide sobre a juventude, para a qual Ségolène Royal promete o "direito ao primeiro emprego", limitando a sua busca até aos seis meses. Quinhentos mil "empregos jovens" e 2000 euros é o montante que poderia ser emprestado àqueles que estão a começar um projecto profissional. A candidata propõe ainda o reenquadramento militar dos jovens delinquentes.
A educação foi apresentada como "o coração da República", pelo que a candidata anunciou a escolarização obrigatória a partir dos três anos, o apoio escolar gratuito (dado por estudantes que teriam contrapartidas nas universidades) e a imposição da "carta escolar" para "facilitar a mistura social e evitar a criação de guetos". A reforma das instituições é outra das medidas que a socialista advoga, a ponto de reclamar uma "Nova República". Quer introduzir a "democracia participativa", através dos "cidadãos-júris", dos "orçamentos de participação social colectiva" ou do "referendo de iniciativa popular". Descentralização é mais uma palavra-chave, propondo a candidata diminuir o número de ministérios.
Para a saúde, Ségolène Royal pretende ver a gratuidade dos cuidados médicos até aos 16 anos, a contracepção gratuita às mulheres com menos de 25 anos e o reforço da medicina escolar e universitária. O ambiente é outro dos cavalos-de-batalha da antiga ministra do Ambiente, que defende um "plano de desenvolvimento maciço das energias renováveis", potenciando "cem mil novos empregos". A refundação da política agrícola comum para ajudar os agricultores e a autorização da construção limitada a normas ambientais são outras das propostas.
Depois de uma série de polémicas e sondagens recentes desfavoráveis, Royal submeteu-se a um exame de credibilidade diante dos eleitores, da própria família socialista e dos adversários políticos. "Penso que ela teve nota positiva neste exame", disse ao PÚBLICO Frédérique Matonti, professora de Ciência Política na Sorbonne-Paris I. "Uma das críticas que lhe apontavam era a ausência de um programa e vimos que ela tem, de facto, um", continuou Matonti. Já Bernard Owen, professor de Ciência Política na Universidade de Paris II, crê que o discurso pode dar azo a críticas de demagogia. "Ela propõe várias medidas que implicam despesas e o financiamento das mesmas não foi explicado. Neste sentido, penso que poderíamos usar o termo "demagógico"", comentou. Para Owen, "parte da intervenção de Ségolène Royal menciona algumas sugestões "retiradas dos debates participativos". No entanto, entende que estes devem ser considerados como uma "operação mediática do Partido Socialista". Frédérique Matonti resume o programa como uma síntese dos "debates participativos", cujas ideias estão na base dos pilares do discurso - economia, sociedade e ambiente."
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007
Serão as propostas de "Sego" credíveis?
Posted by Hugo Mendes at 23:02
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1 comments:
Não sei se todas as propostas são credíveis, nomeadamente aumentar o salário mínimo para 1500 euros só pode ser feito progressivamente e provavelmente num horizonte de cinco anos (actualmente pouco passa dos 1000 euros). Ainda para mais a França costuma ter orçamentos deficitários.
Mas o importante - do ponto de vista dos socialistas - é que foi uma marcada viragem à esquerda, relativamente ao início da campanha, mas mantendo algumas propostas que tinham gerado polémica, mas parecem agora ser bem aceites no contexto do programa, nomeadamente o enquadramento militar para jovens delinquentes. O Libération, que é um jornal de esquerda e exigente rendeu-se. Palpita-me que Ségolène vai começar a subir outra vez nas sondagens. Uma das críticas que se faziam a Ségolène é a de que não tinha um programa político, eis a resposta.
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